Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Em 2021, o Facebook mergulhou em uma crise de imagem após revelações de pesquisas internas demonstrando efeitos do uso do Instagram sobre o bem-estar emocional de adolescentes pela ex-gerente Frances Haugen.

Há duas semanas, o Washington Post publicou uma reportagem afirmando que a Meta teria contratado a agência de comunicação digital Targeted Victory, ligada ao partido Republicano, para conduzir uma campanha contra o TikTok, que cresce sem parar, desafiando o aparentemente invencível império de Mark Zuckerberg.

A ideia, segundo o jornal, seria difundir a tese de a rede social chinesa é prejudicial a crianças, algo que também vem sendo apontado por organizações preocupadas com os desafios do conteúdo relacionado a suicídio e distúrbios alimentares.

Brigas e crises corporativas envolvendo dois gigantes tecnológicos não são apenas assunto comercial. Elas levantam um tema estudado em todo o mundo: as mídias sociais fazem mal a jovens e crianças? E qual o tamanho desse mal, diante dos benefícios?

A universidade britânica Nottingham Trent mantém um grupo de pesquisa em ciberpsicologia dedicado a compreender os efeitos das mídias sociais, especialmente sobre crianças.

Preocupação com crianças e jovens nas redes deve pautar futuro das mídias sociais

Em um artigo recente no portal de textos acadêmicos The Conversation, a líder do grupo, Daria Kuss, reconhece o valor das redes para apoio emocional, construção de comunidades e autoexpressão entre adolescentes. Mas confirma o impacto negativo.

Kuss lista os efeitos mais comuns diagnosticados nas entrevistas com pais e usuários jovens: desde aumento do tempo online e mudança de comportamento devido ao julgamento antecipado de colegas e sobrecarga sensorial até consequências cognitivas e emocionais, como estresse e ansiedade.

O impacto não é linear. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Essex, publicado na Nature Communications em março, revelou que rapazes entre 14 e 19 anos e moças entre 11 e 19 anos que utilizam as redes com intensidade apresentam um índice de satisfação menor com a vida do que aqueles que não o fazem.

Os autores cruzaram dados de uma pesquisa do governo britânico sobre felicidade com os hábitos de uso das plataformas. Eles fazem ressalvas sobre a necessidade de estudos mais aprofundados, mas constatam que pelo menos estatisticamente há um efeito parecido com o que a ex-gerente do Facebook relatou com base nas pesquisas internas da empresa.

A tese de que redes sociais viciam, embora defendida por alguns, ainda não encontra muito respaldo. Três estudos diferentes em 2021 sinalizaram nessa direção, embora confirmando problemas emocionais ocasionados pelas redes.

Em um deles, pesquisadores de duas universidades do Reino Unido fizeram um experimento para identificar se os usuários apresentavam o chamado viés de atenção, presente em viciados em jogo ou drogas. A resposta foi negativa.

Viciantes ou não, as redes são parte da vida contemporânea. Seus efeitos sobre crianças e jovens interessam não apenas a pais e professores, mas a empresas que as utilizam para se comunicar com clientes e usuários, figuras públicas que dialogam com a sociedade por meio delas e organizações jornalísticas dependentes das mídias digitais para levar informação a audiências mais jovens.

Preocupação com crianças e jovens nas redes deve pautar futuro das mídias sociais
Daria Kuss

 

Em seu artigo, a pesquisadora Daria Kuss pede o aumento da responsabilidade social corporativa das plataformas no desenvolvimento de seus produtos, colocando a segurança de crianças em primeiro lugar.

Seguidos alertas de acadêmicos como ela e denúncias como a de Frances Haugen, que passou a rodar o mundo demonizando o Facebook em parlamentos, apontam para um futuro de mais controle.

Reino Unido e União Europeia apresentaram recentemente os pacotes legislativos que tramitarão este ano.

Alguma coisa ainda pode mudar nos plenários, mas os sinais são de que a proteção a crianças e jovens deve ser prioridade, sobretudo na Grã-Bretanha, onde o governo diz querer criar o local mais seguro do mundo para crianças online.

Esta semana em MediaTalks

Mais redes sociais − Um novo relatório da Unesco traz conclusões alarmantes sobre os riscos que o jornalismo profissional e independente enfrenta diante do crescimento exponencial das redes sociais. A análise, com recorte mais recente feito entre 2021 e 2022, identificou que tanto o público de notícias quanto as receitas de publicidade migraram em massa para as plataformas controladas pelas gigantes da internet Google e Meta/Facebook. A pandemia de Covid-19 contribuiu para a crise das empresas de mídia e evidenciou o risco para o direito fundamental à informação, constatou o relatório.

Bolsa nos EUA − Jornalistas mulheres e não-binários de qualquer nacionalidade podem concorrer até 15 de abril a uma bolsa concedida pela International Women’s Media Foundation (IWMF) e passar sete meses nos EUA para se aperfeiçoar na profissão por meio de cursos e estágios em grandes jornais. O programa foi criado em 2004 em  homenagem a Elizabeth Neuffer, correspondente do jornal Boston Globe que morreu durante a cobertura da guerra do Iraque, em maio de 2003. A bolsa é aberta a profissionais que trabalhem em grandes organizações ou freelances, com inglês fluente, pelo menos três anos de experiência profissional e trabalho concentrado em direitos humanos e justiça social.

Jamal Khashoggi − O caso do jornalista saudita Jamal Khashoggi ganhou um novo capítulo que pode acabar com a investigação sobre o assassinato do profissional na Turquia e tornar quase impossível a condenação dos responsáveis. Ele foi morto dentro do consulado da Arábia Saudita no país, em 2018. Um promotor turco pediu à Justiça em 31/3 para encerrar o caso e transferir as diligências para a Arábia Saudita, encerrando as investigações no país em que o crime ocorreu. “Durante a audiência de hoje do caso de homicídio de Jamal, o promotor pediu, de acordo com a demanda saudita, a transferência do processo para a Árabia Saudita e a finalização do mesmo na Turquia”, publicou no Twitter a noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz.

Truth Social − Lançamento atropelado, diversos bugs e uma lista de espera com mais de 1,5 milhão de usuários impedidos de entrar por problemas técnicos são características que nada se aproximam das promessas feitas para a Truth Social, rede social conservadora anunciada por Donald Trump para combater as big techs que o baniram. Mais de um mês depois da estreia oficial, os problemas se acumularam ao ponto de dois dos principais executivos terem aparentemente deixado o empreendimento, lançando mais dúvidas sobre o destino da sonhada plataforma de Trump − usada somente uma vez pelo próprio idealizador. O interesse inicial já arrefeceu, com queda drástica no número de downloads, segundo agências de monitoramento de aplicativos, um mau sinal para a rede social que deveria atrair os seguidores de Trump que ficaram órfãos de suas postagens há pouco mais de um ano.

Treinamento de policiais − A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) anunciou uma parceria com a Associação Internacional de Polícia (IPA, na sigla em inglês) para treinar policiais e membros de segurança pública na defesa da liberdade de expressão e na proteção da segurança dos jornalistas. Um curso online e gratuito será aberto a organizações policiais em todo o mundo. “A polícia e as forças de segurança têm um dever fundamental para garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho com segurança”, disse Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco.


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