Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Com tantos jornalistas formados em boas faculdades e ainda assim desempregados mundo afora, é preciso abrir novas escolas de jornalismo? No Reino Unido está nascendo mais uma, só que bem diferente e necessária.

A Cocoa School of Journalism and Creative Arts começa a funcionar esta semana em Beckenham, no sul de Londres, uma região desfavorecida, onde as notícias são quase sempre negativas e pouco inspiradoras para quem não nasceu nobre e branco.

A iniciativa é de Serlina Boyd, que em 2020 fundou a revista Cocoa Girl, dedicada a meninas negras entre 7 e 11 anos, que, como a filha dela, Faith, não se sentiam representadas na imprensa nem na vida cotidiana.

Faith e Serlina Boyd

Faith tinha seis anos quando sofreu bullying na escola devido à cor de sua pele. A mãe transformou a indignação em um projeto que virou referência em mídia inclusiva e ganhou apoio de todos os lados − de ONGs a marcas comerciais voltadas para crianças, que correram para se associar a ele.

A fundadora da Cocoa Girl é do ramo: ela formou-se em design no Instituto de Artes de Surrey, trabalhou como diretora de arte em empresas e publicações diversas e administrava um negócio de cuidados infantis antes de se deparar com a situação que a impulsionou a criar a revista.

O sucesso da primeira edição foi imediato: a Cocoa Girl vendeu mais de 11 mil cópias apenas online. Meses depois veio a Cocoa Boy, para meninos.

O projeto foi premiado em 2020 como lançamento do ano pela British Society of Magazines. Serlina Boyd passou a dar palestras e participar de eventos em todo o país, principalmente em escolas, que adotaram a revista como peça de apoio para as aulas.

O visual da revista é pop. As crianças não são apenas personagens. Elas também escrevem, fazem entrevistas e publicam fotos e ilustrações, auxiliadas por profissionais. Com a escola, esse aprendizado em jornalismo será sistematizado e expandido.

O currículo ensinará às crianças os fundamentos do jornalismo, como reportagem, edição de vídeo e ilustração, mas irá além das técnicas de imprensa.

Ao apresentar o ideia, Serlina Boyd disse que o projeto da escola foi concebido como um centro de criatividade, abordando também estudos como escrita criativa e música, para dar aos alunos inspiração na busca de caminhos diversificados para as suas vidas.

Os adultos também terão vez. Cursos noturnos ensinarão habilidades como contação de histórias e moda.

O problema de Boyd vai ser administrar a demanda: mais de 300 pais tentaram inscrever os filhos assim que a notícia do lançamento da Cocoa School of Journalism and Creative Arts tornou-se pública.

Representação de negros na mídia dominada pela elite

Muitos devem fazer parte da parcela da população que não se vê representada na mídia tradicional, um problema global e particularmente grave no Reino Unido, com uma imprensa dominada por profissionais brancos e originários da elite econômica e social do país.

O mais recente levantamento do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo sobre lideranças negras na imprensa, divulgado em março, mostrou que apenas 7% dos chefes principais das grandes redações britânicas não são brancos. No Brasil é ainda pior: a taxa é zero, assim como na Alemanha.

A criadora da Cocoa Girl citou um relatório do Sutton Trust, uma organização que promove a mobilidade social no Reino Unido, apontando que 80% dos editores do país foram educados em escolas privadas, enquanto apenas 11% dos jornalistas têm origem na classe trabalhadora e 0,2% são negros.

Dizendo-se chocada com as estatísticas, ela defende que mais jornalistas negros contem as histórias das pessoas negras, ecoando o que pregam especialistas como os pesquisadores do Instituto Reuters.

No relatório deste ano, o Instituto chamou a atenção para sinais de que, depois do chamado “acerto de contas racial” desencadeado pelo assassinato de George Floyd e pelo movimento Black Lives Matter, a diversidade e a inclusão nas redações podem estar perdendo força. As demissões em massa estariam atingindo os negros de forma mais acentuada, segundo o Reuters.

No caso da iniciativa da Cocoa School of Journalism and Creative Arts, não se trata apenas de inclusão racial, mas também de dar a crianças as ferramentas para praticar jornalismo de e para crianças, ideia que não é nova mas nem por isso deixa de ser importante.

 

Muitas dessas crianças poderão chegar à idade adulta inspiradas pelo poder transformador do jornalismo e capacitadas a se tornarem profissionais de imprensa, contribuindo para quebrar a barreira racial e quem sabe alcançar o topo da cadeia de comando em redações influentes − o que seus avós e pais não conseguiram.


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