Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Um ano e meio após o lançamento do ChatGPT, o uso da inteligência artificial (IA) generativa no jornalismo ainda continua sendo objeto de análises para entender como os profissionais a estão absorvendo em seu cotidiano, suas expectativas e medos.

Ao mesmo tempo em que foram divulgados os resultados da pesquisa A Inteligência Artificial para jornalistas brasileiros, feita pelo grupo Tecnologias, Processos e Narrativas Midiáticas da ESPM-SP em parceria com o Jornalistas&Cia, outro estudo mostrou o panorama da IA nas redações globais.

O trabalho, publicado na semana passada, foi feito pela Associated Press em conjunto com a Northwest University, dos EUA, e a Universidade de Amsterdã.

Enquanto organizações como New York Times e Getty Images adotaram posição de confronto e recorreram à justiça contra o uso de seu conteúdo para treinar os LLM (Large Language Models) sem remuneração, a AP seguiu outro caminho.

Foi a primeira grande organização de jornalismo a fechar um acordo com uma empresa de inteligência artificial generativa para uso de seu conteúdo, acordo celebrado com a OpenIA em agosto do ano passado.

Pouco depois, a agência de notícias formalizou um manual de regras para o uso da tecnologia por seus profissionais, um sinal de que usar a IA não é mais uma opção no jornalismo e sim um caminho sem volta.

Mas enquanto algumas organizações jornalísticas estão mais avançadas na sistematização do uso da inteligência artificial e na exploração de suas possibilidades, outras ainda engatinham. E foi isso que o estudo da AP mapeou.

Medos e expectativas no uso da IA no jornalismo

O objetivo foi identificar como a indústria de mídia tem lidado com as promessas e desafios iniciais da IA generativa, a partir da opinião de 292 profissionais, principalmente dos EUA e Europa.

O percentual dos que afirmaram já estarem usando a IA é superior ao constatado pela pesquisa da ESPM-SP: 56% no Brasil contra 73% no mundo.

Assim como no Brasil, a pesquisa da AP revelou que a maioria dos profissionais usa a IA na apuração de informações e produção de textos, e 49% acham que tarefas ou fluxos de trabalho já mudaram devido a ela.

Há um aspecto positivo para os que se alarmam com a possibilidade de a IA eliminar postos de trabalho − movimento que na verdade vem acontecendo na indústria de mídia muito antes de a tecnologia tornar-se popular.

Os entrevistados mencionam que novas funções estão sendo criadas, incluindo algumas ligadas à produção e entrega de conteúdo, como edição de vídeos de IA, verificação de fatos, design de interface e experiência do usuário.

No geral, diz o estudo da AP, há uma mudança no trabalho humano em direção à gestão, ao produto, a alguns novos cargos − e muito trabalho técnico para incorporar e manter sistemas que envolvem IA e automação.

Isso representa uma oportunidade para os que estiverem sintonizados com as transformações e dispostos a navegarem nelas em vez de rejeitá-las ou duvidar de seu avanço.

ChatGPT substituindo o colega jornalista na mesa ao lado

Depois que muitas redações adotaram o trabalho remoto ou híbrido devido à Covid-19 e que o isolamento foi apontado como risco para a troca de experiências e criatividade, a IA também parece estar sendo usada para substituir o rico convívio com o colega da mesa ao lado − para o bem ou para o mal.

Um entrevistado na pesquisa da AP disse: “Em vez de pedir ajuda a um colega para criar um título, sempre peço primeiro ao ChatGPT”.

Junto com o encantamento, no entanto, aparecem as preocupações éticas. As mais presentes foram a falta de supervisão humana (21,8%), a imprecisão (16,4%) e os preconceitos no conteúdo gerado pela IA (9,5%).

Nada muito diferente do que outras pesquisas já apontaram. Mas a AP aprofundou um pouco mais e perguntou se havia algum algum uso de IA generativa que deveria ser desencorajado no jornalismo.

Entre os entrevistados que mencionaram proibições como parte da resposta a preocupações éticas, a maioria (56%) concordou que a geração de conteúdos inteiros com a tecnologia deveria ser proibida, uma vez que os modelos ainda não são confiáveis − o que algumas empresas jornalísticas já determinaram em seus manuais internos.

Outro uso da IA rejeitado por 17% dos jornalistas consultados é na formulação de perguntas para uma entrevista. Um dos participantes do estudo disse: “As entrevistas muitas vezes mudam de rumo no meio do caminho por causa do instinto do repórter. Como a IA corresponderá a isso?”.

É uma resposta que remete ao ponto central desse processo: a IA não serve para fazer tudo sozinha, mas pode ajudar a formular perguntas melhores com base em pesquisas mais abrangentes, que o bom profissional, dotado de instinto jornalístico, saberá aproveitar na conversa.

O estudo completo pode ser visto aqui.


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