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sexta-feira, abril 26, 2024

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“Futebol e política não são dissociáveis”

Fernado Rosseto (esq.), Mônica Toledo, José Paulo Florenzano, Breiller Pires e Ubiratan Leal

Por Victor Félix Arakaki, de J&Cia

A mesa Manifestações Políticas no Futebol, realizada em 11/10 na 41ª Semana de Jornalismo da PUC-SP, reuniu comentaristas esportivos e membros de torcidas num grande debate sobre a relação entre política e futebol, que, segundo os participantes, não são dissociáveis.

O evento, mediado por José Paulo Florenzano, antropólogo e professor da PUC-SP, teve participação de Ubiratan Leal (ESPN), Breiller Pires (ESPN), Mônica Toledo (Toda Poderosa Corinthiana) e Fernando Rosseto (Palmeiras Antifascista).

Os participantes refletiram sobre as diversas vezes em que o mundo da política foi inserido no mundo futebolístico ao longo da história. Ubiratan Leal citou o exemplo do ex-presidente Lula, comparando-o com o atual presidente, Jair Bolsonaro: “Ele usou o futebol como plataforma para se promover. Incluía o futebol no discurso como forma de se aproximar do povo. Mas Bolsonaro também usa esse artifício, ao vestir camisas de diferentes times de futebol do Brasil para passar a impressão de homem simples, do povo. Além disso, frequenta vários jogos para obter mais apoiadores”.

Breiller refletiu sobre o quão único é o uso do futebol como plataforma política de Bolsonaro: “Há algo diferente nesse movimento populista de extrema-direita de Bolsonaro. Nunca vi um político apropriar-se dessa maneira do espetáculo e contar com tanta subserviência de clubes e federações. Por exemplo, no intervalo do jogo entre Brasil e Argentina, na Copa América, ele entrou em campo como se fosse um popstar. Obviamente, o presidente da República merece deferência, mas não é papel de nenhuma autoridade estar dentro do campo de nenhuma partida e acenar para o povo”.

O comentarista também abordou a elitização dos estádios na discussão: “Hoje, os estádios representam a elite. A elitização do futebol proporcionou isso. Na verdade, foi a elite que ovacionou Bolsonaro naquele jogo, não representava toda a sociedade”.

Ubiratan afirmou que os atletas são como “um espelho, vistos como exemplo. As opiniões deles nem sempre são as mais embasadas, mas são relevantes e mais ‘populares’, no sentido de chegarem a mais gente”. Ele citou o exemplo da final da NFL, o Superbowl, maior evento esportivo do mundo: “O Superbowl é o evento esportivo cujo minuto para comercial na TV é o mais caro no mundo. Imagine aproximadamente 50% de todas as TVs americanas ligadas no Superbowl, a quantidade de dinheiro é absurda. Colin Kaepernick, atleta do 49ers, que disputou a final de 2013, permaneceu sentado durante a execução do hino dos Estados Unidos em protesto à forma como as autoridades policiais americanas tratam os negros. Imaginem a quantidade de gente que viu essa cena, que acompanha o esporte e vê o atleta como exemplo; elas pensarão: ‘se ele fez, eu também posso fazer’. Essa mensagem passou um grande recado”.

Ainda sobre o assunto, Breiller lembrou o posicionamento político de Felipe Melo, jogador do Palmeiras: “Felipe Melo é uma figura controversa. Achei um avanço o fato de um jogador de alto nível posicionar-se abertamente. Foi corajoso, pois, a partir do momento em que ele se posiciona, torna-se vidraça para muita gente que passa a atacá-lo pelo que ele representa fora do campo. Mas é importante lembrar que ter opiniões políticas divergentes às dele não pode ocasionar a contaminação da crítica ao trabalho de Felipe Melo como jogador”.

Ele referiu-se ainda às origens dos jogadores: “É preciso ver como é a formação desses atores das manifestações políticas no futebol. Têm uma rotina de violência, de cerceamento. Eles vêm de regiões afastadas, passam a infância longe da família, longe da escola, em meio masculinizado. Aos 14 anos já são considerados profissionais, mercadorias pelo clubes, que tratam os jogadores como gado. Eles treinam, descansam, alimentam-se e dormem. Não são estimulados a nada, a terem formação acadêmica ou formação política, a se expressarem, e quando tentam fazer algo fora dessa casta são impedidos por empresários e dirigentes do clube. O foco é o futebol. Então, como nós, da imprensa, vamos cobrar deles um posicionamento político que, às vezes, eles nem têm?”

“Porém a figura de Felipe Melo mostra que não só a elite ou pessoas de direita votaram em Bolsonaro, mas também das periferias, de contextos de vida semelhantes aos de Felipe Melo, que é de origem pobre”, prosseguiu Breller. “E aqui faço uma crítica à mídia esportiva em geral: perdemos essa oportunidade de problematizar, de entender as razões que levam uma figura como ele a se posicionar ao lado do Bolsonaro, mesmo tendo uma origem social humilde que, em tese, indicaria um outro tipo de posicionamento”, disse.

O comentarista da ESPN também discorreu sobre como grandes clubes, muitas vezes, tomam atitudes que contrariam suas histórias: “Os dirigentes do Palmeiras, que fazem parte de uma parte elitizada da sociedade, não conhecem a história do clube que dirigem. Se conhecessem, nunca deixariam um candidato como Bolsonaro, com suas falas xenofóbicas, contra imigrantes, entrar no estádio, utilizar um título como palanque político e levantar a taça do clube. O Palmeiras, que tem origens italianas e que foi vítima de uma campanha difamatória que associava sua imagem ao fascismo justamente por conta desta origem. Outro exemplo é o Corinthians, que também tem suas contradições. É um clube popular, de massa, mas a diretoria hoje não age conforme a história do clube, pois entrou em contato com candidatos de extrema direita, como Major Olímpio, que recebeu medalha do clube e que faz campanhas contra torcidas organizadas, contrariando a Gaviões da Fiel, que é, talvez, o maior movimento político de torcidas do Brasil.

Para finalizar, Breiller afirmou que os clubes precisam entender “suas dimensões políticas. Muitas vezes eles se permitem apequenar por quererem entrar nesse jogo político, buscar benefícios ao se aliarem ao poder, é preciso ter visão crítica sobre esse fenômeno”.

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