Por Cristina Vaz de Carvalho, editora de J&Cia no Rio de Janeiro

Henrique Caban morreu na madrugada desta quarta-feira (18/1), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. Ele apresentava problemas de saúde desde meados do ano passado, mas a causa imediata da morte não foi informada pela família. A cremação do corpo deve ocorrer na quinta-feira (19/1), no Cemitério da Penitência, no Caju. Ele deixa duas filhas e cinco netos.

Caban era carioca, filho de judeus do Leste Europeu refugiados no Brasil durante a Segunda Guerra. Seu pai foi militante comunista e esteve preso durante o Estado Novo. Seguindo o exemplo do pai, participou de movimentos de esquerda na juventude.

Era ainda estudante de Direito quando começou como estagiário no jornal Última Hora, em 1959. Demitido, largou a faculdade e investiu na profissão de jornalista. Foi, como repórter, para a revista Intervalo, da Abril, e também para Máquinas e Motores e Transportes Modernos. Quando a Abril lançou a revista Realidade, em 1966, Caban foi convidado a chefiar a redação na sucursal Rio. Teve breve passagem como chefe de Redação da revista Domingo Ilustrado, da Bloch. Em 1968, participou da equipe que fundou a revista Veja.

No final de 1971, foi convidado por Luís Lobo para trabalhar em O Globo, como editor de notícias. No ano seguinte, Evandro Carlos de Andrade assumiu a Diretoria de Redação, dando início a uma das parcerias mais produtivas da imprensa brasileira. Caban esteve em O Globo por 27 anos, em postos de comando, e foi uma figura marcante na história do jornal. Respondeu pela reformulação da redação, que modernizou e profissionalizou. Também pela criação da Agência O Globo, a reestruturação de sucursais como Brasília, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Coordenou a cobertura de grandes eventos e fez de O Globo o primeiro jornal do País a circular nos dias de Natal e Ano Novo. Acompanhou o processo de informatização do veículo, a reforma gráfica, o advento do computador e da internet.

Em 1986, deixou O Globo para assumir como diretor de Operações da revista Veja, em São Paulo. Retornou ao jornal no ano seguinte, como superintendente da Redação, cargo que ocupou até 1997. Depois de um breve período, como diretor-executivo do Jornal do Brasil, em 1999, trabalhou na Ediouro como diretor-executivo da divisão de revistas.

Caban testemunhou o fim dos dias de autoritarismo, e liderou com pulso firme as transformações que levaram o jornal a tornar-se líder no Rio de Janeiro, e um dos veículos brasileiros mais importantes. “Eu acho que toda essa ascensão e essa reforma do Globo foram muito marcantes, e me deixam muito orgulhoso de ter participado delas”, assim ele definiu sua participação nessa história.

O folclore em torno do personagem

¿Conoces Cabán?

Foi na Copa do Mundo da Fifa de 1986, no México. O astro com maior brilho era o alemão Franz Beckenbauer, que acrescentava ao mito o fato de não dar entrevistas, sem exceções. Um repórter da sucursal de Recife do jornal O Globo, escalado para a cobertura, recebeu a missão impossível, que ninguém mais quis aceitar.

Não pediu uma entrevista, por ser uma pretensão inútil. Mas abordou o jogador inesperadamente, com a ajuda de um intérprete, indagando: “¿Conoces Cabán?”. Antes de obter resposta, informou que era o editor dele, o repórter em questão, e desfiou as qualificações: um homem muito mau, que poderia fazer coisas horríveis com um repórter se este não conseguisse a entrevista. E assim O Globo publicou uma exclusiva internacionalmente cobiçada.

Em cheque?

Mas a fama de mau corria paralelamente à fama de bom. No ano de 1974, em plena ditadura, Caban, então chefe de Redação do jornal, foi citado em uma operação policial por ajudar financeiramente presos políticos. A notícia chegou até Roberto Marinho, que conhecia seu envolvimento desde cedo na militância política de esquerda, mas não naquele momento, e o chamou para esclarecer o que havia.

A resposta de Caban, em suas próprias palavras para o projeto Memória Globo, foi: “Olha, eu não dou dinheiro. Dou dinheiro para família de preso político; fui sustentado por isso, não vou deixar de dar”. Ao que Marinho retrucou: “Tudo bem, Caban. Mas precisava dar em cheque?”.

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