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quinta-feira, abril 25, 2024

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Morre Carlos Lemos, o gentleman que fazia molecagens com a censura

Morreu nessa 2ª.feira (7/12), aos 86 anos, Carlos Lemos Leite da Luz. Morava sozinho, não estava doente, mas sofreu uma queda em casa, na Lagoa, no Rio de Janeiro. Deixa quatro filhos. O enterro será nesta 3ª.feira (8/12), às 16h, no cemitério São João Batista, em Botafogo, com velório a partir das 10 horas. Lemos nasceu no Rio em 28 de agosto de 1929. Quando jovem, começou a cursar, simultaneamente, Direito na UFRJ e Jornalismo em uma das primeiras turmas da PUC, até que um convite de Nilson Viana para fazer estágio na Tribuna da Imprensa, em 1955, o levou a escolher a profissão que o consagrou. Passou depois por revista Manchete, o Maquis (jornal semanal de Amaral Neto) e Revista da Semana. Ingressou no Jornal do Brasil em 1957, como repórter e, mais tarde, assumiu a editoria de Esportes, juntamente com Jânio de Freitas e Célio de Barros. Ainda em Esportes do JB, um de seus trunfos era fazer também a cobertura fotográfica, o que lhe garantiu a escalação para algumas Copas do Mundo. No mesmo jornal, foi secretário e chefe de Redação. Durante a ditadura, com elegância, driblou momentos tensos. Enfrentou várias ordens de censura e foi chamado algumas vezes à Polícia Federal. Em entrevista ao Memória do jornalismo brasileiro, um projeto da ECO-UFRJ, contou: “Chegaram ao JB dois oficiais com uma instrução: não pode espaço em branco. […] Aí eu tive uma ideia: não pode espaço em branco, mas pode classificados no local da matéria que foi vetada. Bota classificados aqui. No dia seguinte chego no jornal tem dois oficiais lá sentados: ‘O senhor nos enganou’. Respondi: ‘Eu? Todas as páginas saíram com o aval dos senhores. Eu tenho as páginas com as suas assinaturas. Não enganei ninguém. Os senhores aprovaram porque assim bem quiseram’. Os caras ficaram com ódio de mim. No dia seguinte, mandaram dois especialistas em censura para eu não fazer mais aquela molecagem”. Um comportamento foi citado em livros de ex-guerrilheiros: quando Lemos sabia de jornalistas presos, ia visitá-los na prisão, sempre elegante e formalmente vestido de terno e gravata. Sua aparência confundia os guardas, que o consideravam uma autoridade, o que lhe abriu algumas portas, de outro modo inacessíveis. Obteve assim informações que resultaram em privilégios para alguns detidos pela ditadura. Foi no início dos anos 1960 que Odylo Costa, filho, levou Alberto Dines para o Jornal do Brasil e este ali encontrou dois aliados que responderiam, com ele, pela mais importante reforma editorial e gráfica por que passou o jornal impresso no Brasil, reconhecida internacionalmente. Dines convidou Wilson Figueiredo para ser secretário da Redação e transferiu Lemos do Esporte para a Chefia de Reportagem. Por quase 12 anos, ele trabalhou com Dines, que diz serem “tão entrosados que, na abrupta demissão do editor-chefe [Dines], Lemos (seu substituto natural) foi tirado da Redação e mandado para estudar na BBC, em Londres”, em 1974. Dali, seguiu para outro curso, de edição, na Universidade Columbia, em Nova York. Era um tempo em que a empresa recebera a concessão de dois canais de tevê e se preparava para entrar no ar. Logo o JB desistiu de montar sua televisão, e Lemos voltou ao Brasil para dirigir o sistema de rádio, quando “FM no Brasil era sinônimo de música de elevador”, na definição dele próprio. Na Rádio JB no Rio, incorporou o noticiário à programação, inovando a linguagem radiofônica. Aos poucos, as emissoras FM copiaram seu estilo. A pedido dos acionistas, criou depois a Rádio Cidade, primeira emissora a ter uma programação voltada exclusivamente para o público jovem. No grupo JB permaneceu por 27 anos ininterruptos. No tempo em que o Prêmio Esso era o único, e as chefias tinham o pudor de não inscrever seus nomes como candidatos, deixando as glórias para os repórteres, Lemos teve o seu em 1965. Sob seu comando, o JB ganhou dezenas de prêmios e, mais tarde, ele foi, várias vezes, jurado desse certame. Mas seu desempenho no rádio chamou a atenção de Roberto Marinho, que o convidou para dirigir o Sistema Globo de Rádio em 1982. No SGR, unificou administração, engenharia e programação das emissoras de rádio do grupo, a partir da sede no Rio. Aumentou a popularidade das estações FM, que então despontavam como alternativa à frequência dominante AM, e criou centrais de produção para vender produtos do SGR às retransmissoras do interior. Em 1984, foi premiado como profissional de destaque no setor e viu, sob sua gestão, as emissoras da casa passarem a ocupar os primeiros lugares na audiência. Três anos depois, em 1985, transferiu-se para O Globo, como enviado a Brasília para cobrir a posse de Tancredo Neves. Lá ficou cinco anos, como diretor da sucursal em Brasília. Na volta ao Rio, em 1991, dirigiu a Agência Globo. Ao se afastar das redações, no final dos anos 1990, Lemos passou à consultoria. Apaixonado por futebol – cobriu Copa do Mundo desde 1958 – e torcedor apaixonado do Fluminense, foi diretor de imprensa da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) entre 1998 e 2002, ano em que o Brasil foi pentacampeão. Dali fez assessoria para um cartão postal do Rio, o Caminho Aéreo do Pão de Açúcar, até 2004, levando da CBF a fiel escudeira Ana Lúcia Rangel. Depois disso, a convite de Arnaldo Cesar foi, por cinco anos, assessor da presidência da TV Brasil. Belisa Ribeiro tem pronto o livro Jornal do Brasil, história e memória – Os bastidores das edições mais marcantes de um veículo inesquecível, para a editora Record. Ela dirigiu também o documentário em longa-metragem, de mesmo título, com depoimentos de entrevistados ex-JB, que falam de suas lembranças e do fim do jornal. O lançamento do livro e do filme está previsto para março de 2016, quando o JB completaria 125 anos. Em termos de edições marcantes, Lemos foi protagonista. E leva com ele parte da história do jornalismo impresso e radiofônico no Brasil.

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