Por Lorien Saviano

O ano era 1973 e eu cursava o último ano de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP. Louca por um estágio, até nos Classificados! No mural da faculdade, bem no alto da escada, vi o anúncio de uma vaga de noticiarista (algo similar a redator, mas menos) na Internacional da Folha. Com a çara e alguma coragem, me mandei para o 4º andar da Barão de Limeira. Só feras estavam lá disputando. Mas, quem sabe… pensei. Dois ou três dias depois veio a notícia: a vaga era minha! Fui até a redação, mas, por um desses tristes acasos, uma antiga jornalista havia retornado e deram a tal vaga para ela. “A próxima será sua”, garantiu Ruy Lopes, editor-chefe. Um mês depois, no feriado de 1º de maio, o próprio Ruy ligou para a minha casa. Houve urna mudança e a vaga estava novamente disponível.

Entro na redação e Alexandre Gambirásio me recebe com um ar de surpresa: “Você é mulher!?”. Eu respondi: “Faz tempo!” Na mesma hora me mandaram sentar e trabalhar. O salário era bem pouco − 911,00 de alguma moeda da vez. Marco Antonio Escobar estava como editor e Alfio Beccari era uma espécie de sub. Marco me deu como uma das primeiras tarefas: fazer um box para uma matéria de página inteira. Box? Nunca tinha ouvido falar disso. Bem, box é caixa. E daí? Não tive coragem de perguntar. Entreguei o que eu imaginei. No dia seguinte, lá estava meu box, entre fios, ao lado do textão.

Meses depois, o diretor de Redação Cláudio Abramo entra na redação vindo do Chile. Ele me vê e pergunta para Alexandre à meia voz: “Quem é essa?”. Não ouvi a resposta, mas sei que Cláudio me detestava e fazia tudo para me provocar no fechamento. Eu, uma jovem foça, fazia tudo para me defender.

Claudio Abramo (Crédito: Sérgio Tomisaki/Folhapress)

Um dia, por acaso. descobri a razão. A secretária estava limpando gavetas e arquivos da sala dele. Disse que encontrara o meu teste, aquele de 1973. Perguntou se eu queria. Surpresa! Estava 1á, anotado pelo próprio Cláudio: “É um bom candidato, vamos chamá-lo” − tudo no masculino. Ela me contou que ele mandara jogar no lixo todos os testes de mulheres. Sobraram dez homens, ou melhor, nove e eu. Por causa do meu nome pensaram que eu era homem também. E coube ao Cláudio a decisão final.

Ele não queria mais mulheres na redação − naquela época éramos umas nove, num universo de quase 100 homens, todas com 20 e poucos anos. Nunca soube a real razão desse comportamento. Talvez ele achasse que distraíamos a rapaziada. ou que vínhamos das universidades cheias de ideias diferentes. Mas acho que ele não se perdoava por ter sido vítima de sua própria intransigência. Essa, digamos, antipatia durou todo o tempo que trabalhei por lá, mas, verdade seja dita, em nenhum momento ele interferiu para me prejudicar profissionalmente.

Hoje isso seria considerado misoginia, preconceito, sei lá. Mas era um outro tempo, um outro Brasil, de anos duros da ditadura. Pessoalmente, não creio que fosse o caso, pois Cláudio tinha uma inteligência acima da média e um raciocínio lógico inigualável. Deve ter sido uma de suas idiossincrasias.

Mas o mundo começava a mudar e as mulheres passaram a invadir as redações. Agora elas são parte importante do processo jornalístico e em alguns meios de comunicação formam maioria.


Lorien Saviano (Crédito: Sérgio Tomisaki/Folhapress)

A história desta semana é de uma estreante neste espaço, Lorien Saviano, que atuou em Folha de S.Paulo, Jornal de Casa (em Belo Horizonte), Shopping News, Jornal da Tarde, Voice Comunicação e como assessora de imprensa da Associação Brasileira das Agências de Viagens (ABAV Nacional), entre outros.

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