Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Quando a Inglaterra perdeu o primeiro pênalti na final da Eurocopa, no domingo (11/7), foi um azar para o combate ao racismo, pelo fato de o autor da cobrança ter sido um negro.

Mas não há nada tão ruim que não possa piorar. Dois jogadores negros também perderam suas chances, dando a vitória à Itália diante de um Wembley lotado de torcedores que haviam passado a semana entoando “football is coming home”, hino da campanha inglesa.

Como era de se esperar, os ataques racistas pelas redes sociais contra Marcus Rashford, Bukayo Saka e Jadon Sancho foram imediatos. Mas o tamanho da comoção foi surpreendente.

Desde segunda-feira, análises sobre o desempenho do time quase não tiveram espaço na imprensa e nas mídias sociais. O racismo pelas redes dominou a pauta, colocando mais uma vez as plataformas digitais na berlinda.

Os críticos − incluindo a Football Association, que em abril comandou um boicote de quatro dias às redes − acusam as empresas de não fazerem o suficiente para evitar os abusos e para ajudar as autoridades a encontrar os responsáveis, ao manterem o anonimato dos usuários.

Mas não foram as únicas a sofrer reação negativa. O governo se debate para reverter uma onda de críticas, demonstrando mais uma vez o risco de assumir posições que possam ferir sensibilidades e ir de encontro a movimentos da sociedade, como o despertar para o racismo provocado pelo Black Lives Matter.

O primeiro-ministro Boris Johnson e a secretária nacional do Home Office (área responsável por Justiça e Segurança Pública) Priti Patel cumpriram o roteiro, manifestando-se nas redes contra os abusos.

O contra-ataque foi rápido. Viraram alvo de execração pública por manifestações anteriores, em que consideram aceitável vaiar hinos de times adversários e classificaram de “político” o ato dos jogadores se ajoelharem contra o racismo.

As recriminações pelo que foi tachado de hipocrisia partiram de pessoas comuns, de políticos e de jogadores. Para os críticos, ambos deveriam ter dado o exemplo, aliando-se antes e não depois aos que defendem postura mais ativa no combate à discriminação.

Esportes e nacionalismo

O episódio com os atletas não foi a única consequência do clima de “vida ou morte” que dominou a final da Eurocopa. Houve também ataques a torcedores da Itália e até a italianos residentes no Reino Unido, que relataram na imprensa terem sofrido assédio nas ruas.

O que era para ser um congraçamento virou gatilho para expressões de nacionalismo exacerbado, um mal que se agravou no Reino Unido depois do Brexit.

Rixas entre países não são novidade no esporte. As do Brasil com a Argentina fazem parte do folclore. Mas em um ambiente de intolerância com minorias raciais e imigrantes, o que era paixão e motivo de piadas tem se transformado em agressão, seja física, verbal ou online.

Na noite de terça-feira, Boris Jonhson reuniu os executivos do Twitter e do Facebook para cobrar ação. Pode ser que algo mude.

Mas o problema não acaba nas redes, embora seja potencializado por elas. Há uma reflexão a ser feita por líderes políticos e por celebridades que têm influência sobre o público a respeito de seu papel ao tratar de temas como o racismo.

O recado transmitido por pessoas famosas à sociedade é poderoso. E se o recado é ambíguo ou pouco assertivo, alimenta mentes doentias, que veem seus preconceitos validados.

Outra reflexão que a final da Eurocopa proporciona é sobre o discurso do esporte entre nações, incluindo patrocinadores, clubes, atletas e líderes de torcida.

O estímulo ao clima de guerra, construindo vitórias e derrotas épicas, admitindo-se vaiar hinos, pode estar ajudando a aflorar sentimentos perigosos em locais onde o campo já é fértil.

Lembrando a máxima que diz que a diferença entre remédio e veneno é a dose, pode ser a hora de começar dosar o tamanho do uso do nacionalismo como forma de engajamento. Os efeitos estão se monstrando preocupantes.


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