Por Hellen Souza, especial para o J&Cia

A Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) realizou em 18 e 19 de setembro o 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação. Com a temática central Que sociedade queremos? O jornalismo de educação no debate nacional, o evento aconteceu na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), em São Paulo.

A sétima edição do congresso organizou mesas e oficinas com especialistas para discutir métodos de cobertura para os principais assuntos da educação, como os atentados a escolas, a desigualdade racial e a tecnologia em ambientes escolares.

O protagonismo negro em produções jornalísticas

Na mesa de abertura, Educação antirracista: a voz preta na história, mediada pela presidente da Jeduca Renata Cafardo, Nikole Hannah-Jones e Tiago Rogero falaram sobre inspirações e desafios presentes na criação de projetos que abordam a escravidão através da perspectiva negra. Nikole, criadora do The 1619 Project, do The New York Times, explicou a relação de estadunidenses com temas como desigualdade, segregação e racismo. Ela revelou que não há tanto patriotismo para pessoas negras devido ao passado do País e que, apesar de alguns terem a ilusão de democracia, o legado da escravidão permanece afetando atos políticos e sociais nos EUA.

Inspirado pela produção de Nikole, Rogero, diretor da Abraji, criou o Projeto Querino. Produzido por uma equipe majoritariamente negra, mostra como a escravidão privilegiou pessoas brancas e marginalizou negras. O profissional compartilhou que foram necessários mais de dois anos de pesquisa para sua realização. Além da surpresa pelo feedback positivo, ele revelou que pretende lançar um livro sobre o tema, assim como preparar um formato para ser implementado nas escolas.

Tiago Rogero (esq.), Renata Cafardo e Nikole Hannah-Jones (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

O jornalismo aliado às soluções

Com a premissa de que o jornalismo, além de apontar o problema, deve estudar formas de solucioná-lo, a mesa Educação na América Latina e o Jornalismo de Soluções discutiu sua importância na educação.

Pedro Lima, do Canal Futura, mediou o debate, que contou com a participação da argentina Stella Bin, autora da newsletter Hora Libre, e de Daniel Nardin, do Amazonia Vox. Para Nardin o jornalismo de soluções trata de estudo e participação; ele defendeu que é preciso ouvir as pessoas diretamente envolvidas no problema e nas possíveis respostas para ele.

Stella explicou que é preciso agregar às reportagens formas de solucionar um problema, sejam novas ou já existentes. Ela utilizou os casos de ataques a escolas como exemplo, ressaltando que as causas dos episódios são essenciais, mas a cobertura deve continuar após isso: “É preciso agregar o jornalismo de soluções. Contar o que outras escolas estão fazendo para evitar o problema e se elas se inspiraram em outras escolas, adaptando as soluções originais”.

Stella Bin (esq.), Daniel Nardin e Pedro Lima (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

Políticas de cobertura em ataques escolares

Ainda na temática de ataques a escolas, neste ano o assunto tornou-se um dilema para veículos e profissionais, pois, ao mesmo tempo em que há o dever de noticiar tudo aquilo que é de interesse público, também existe a responsabilidade de evitar que a exposição incentive novos casos.

Com Laura Mattos (Folha de S. Paulo), Lorrany Martins (A Tribuna − ES), Maurício Xavier (O Globo) e Victor Vieira (O Estado de S. Paulo), a mesa A cobertura dos ataques às escolas e os dilemas da imprensa refletiu sobre as mudanças que os atentados provocaram nas coberturas jornalísticas. A mediação foi da editora pública da Jeduca, Marta Avancini.

Ao falar sobre medidas e aprendizados adquiridos ao cobrir esse tipo de tragédia, Victor apontou que é necessário seguir as orientações de especialistas em vez de divulgar somente informações de interesse da audiência: “Tirar essa cobertura do jogo da busca por audiência é essencial. Não dá para sermos hipócritas e falar que não estamos sob essa pressão nas redações, esse tipo de cobertura dá muita audiência”.

Maurício acrescentou que esses eventos ressaltam o trabalho jornalístico e devem se noticiados, porém com cautela: “A gente deve continuar noticiando, mas tomando cuidados para evitar a espetacularização”.

Laura Mattos (esq.), Maurício Xavier, Victor Vieira e Lorrany Martins (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

O “heroísmo” de professores em ataques

Trazendo a perspectiva de quem vive dentro do ambiente escolar e lida diretamente com os desafios presentes na sala de aula, três educadores compuseram a mesa Para além dos ataques: como professores lidam com tensões frequentes e violência na escola, mediada pela Tatiana Klix, da Plataforma Porvir.

A professora de educação física Cinthia Barbosa, responsável por desarmar e conter o autor do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, disse acreditar que a questão envolve toda a sociedade: “É necessário uma família presente, professores, grupos de psicólogos e segurança para minimizar esses cenários”.

Erison Lima, professor atuante no Projeto de Vida e Cultura Digital da rede estadual de Manaus, criticou a falta de preparo para situações de violência escolar: “Infelizmente não recebemos formação. As instâncias governamentais esperam que ocorram tragédias para resolverem problemas”.

Já a educadora Celiana Moroso destacou que a imprensa distorce a função dos educadores ao atribuir o papel de “heróis” a eles, impondo demandas vão além de suas capacidades. Ela ressaltou que “o jornalista, o educador, que querem dar o seu melhor, precisam estar junto com pessoas com o mesmo objetivo. O primeiro gesto é o de ação e entender o que a minha comunidade está precisando”.

Celiana Moroso (esq.), Cinthia Barbosa, Erison Lima e Tatiana Klix (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

O ensino infantil e o racismo velado

Em continuidade à visão dos responsáveis pelo ensino brasileiro, a mesa A educação como transformação da sociedade discutiu o papel dos educadores no ensino infantil, com a participação dos professores Daniel Santos, da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto, Paulo Fochi, da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), e Ynaê Lopes dos Santos, da UFF (Universidade Federal Fluminense). O debate teve o colunista Antônio Gois, de O Globo, como mediador.

Daniel, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Economia Social (LEPES), defendeu que melhorias na educação exigem esforços de pesquisadores, jornalistas e professores: “Nós trabalhamos com uma perspectiva sistêmica de intervenção na educação infantil. Nossa conclusão é que, para fazer a diferença, o segredo é a corresponsabilização. Todos precisam acreditar que o problema é dele”.

Ynaê, que prestou consultoria para o Projeto Querino, revelou que a experiência a fez perceber que muitos alunos e professores dos anos finais do ensino fundamental com os quais conviveu não conheciam a história da África: “A escola e o jornalismo brasileiro foram infelizmente propagadores de uma ideologia que é racista sem assumir que é. Já passou do tempo de assumir que somos racistas para que possamos aprender com nossos erros e começar a transformação”.

Ela exemplificou o racismo pela maneira como notícias são veiculadas: “Os adjetivos mudam dependendo da cor de pele de quem se está falando. Se é um menino negro pego com maconha ele se torna traficante; no entanto, quando branco, ele é apenas um usuário”.

Daniel Santos (esq.), Paulo Fochi, Ynaê Lopes dos Santos e Antônio Gois (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

A educação como pauta

Para fomentar o debate sobre educação, a mesa A educação na pauta do dia apresentou propostas para relacionar o tema com pautas de maior interesse e audiência, como política e economia. Nela marcaram presença Adriana Fernandes (Estadão), Basília Rodrigues (CNN Brasil), Fernando Torres (Valor Econômico) e Thais Bilenky (piauí), com mediação de José Brito, do Canal Futura.

Para Adriana, que cobre economia e política em Brasília, os comunicadores precisam incomodar os editores e também os políticos: “Os repórteres de educação, que estão lá em Brasília, têm que ir para a portaria do ministro da Educação, para a portaria do ministro Haddad”.

Thais enfatizou a importância da atenção ao contexto, destacando a escolha de pautas como passo fundamental para a qualidade do jornalismo de educação: “A pauta de educação está na nossa vida, está no nosso dia a dia, está na observação, em algum relato que você ouviu de alguém”. Ela lembrou que durante a visita a uma escola a falta de água no local foi uma preocupação maior do que a pauta planejada, o que a fez mudá-la.

Adriana Fernandes (esq.), Thais Bilenky, José Brito, Basília Rodrigues e Fernando Torres (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

Novas formas de apurar

Sobre desafios do jornalismo de educação, a falta de dados e informações durante o governo do Bolsonaro tornou-se uma barreira para o trabalho dos profissionais nos últimos quatro anos. Novos caminhos de apuração foi o tema discutido na mesa O jornalismo de educação hoje, com mediação do repórter da Folha e diretor da Jeduca Paulo Saldaña, que teve como participantes Bruno Alfano (O Globo), Paula Ferreira (O Estado de S. Paulo) e Thatiany Nascimento (Diário do Nordeste).

A dificuldade de contato com o Ministério da Educação forçou jornalistas a descobrirem novas formas de apurar, Paulo Saldaña relembrou que a análise de dados contribuiu para reportagens e citou como exemplo denúncias envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e supostas fraudes nos kits de robótica para escolas de Alagoas.

Paula Ferreira, que atua em Brasília, aconselhou aos profissionais que não se limitem a pautas do dia a dia: “Em Brasília tem essa peculiaridade, senão você fica refém do que está acontecendo no dia. Sempre tem muita coisa acontecendo no Congresso, no Planalto e você tem que escolher as suas batalhas. Por isso, todos os dias procuro olhar nem que sejam três células de Excel para aquela pauta que quero publicar no fim do mês e não têm necessariamente a ver com as pautas do dia”.

Ao serem questionados sobre o melhor local para fontes de jornalismo de educação, Thatiany Nascimento e Bruno Alfano afirmaram que a resposta para entender a realidade está nas escolas, que o contato frequente com estudantes, professores e pessoas do ambiente estudantil promove a criação de pautas baseadas em necessidades reais.

Bruno Alfano (esq.), Paula Ferreira, Paulo Saldaña e Thatiany Nascimento (Crédito: Alice Vergueiro/Jeduca)

Leia também: Repórteres Sem Fronteiras lança relatório sobre desafios do jornalismo na Amazônia

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