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segunda-feira, abril 29, 2024

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Memórias da Redação – Regra do jogo dentro do carro

A história desta semana é uma colaboração de Vicente Alessi, filho ([email protected]), diretor Editorial da AutoData. Regra do jogo dentro do carro             A história que segue vem a propósito daquele texto com que nos brindou o Jornalistas&Cia comemorativo dos 50 anos do caminhante Ricardinho Kotscho por essa estrada de trabalhador da notícia, de operário da palavra, como diria Perseu Abramo, tio de nosso personagem Cláudio Abramo. Ricardo, ali, diz do privilégio de levar Cláudio para casa depois de fechamentos do nosso heróico Jornal da República, pois “ele não dirigia”. Pois é: Cláudio dirigia, sim, e mal pra cacete. Era uma temeridade. E quando ficava de mau humor com o eventual passageiro despejava-o na primeira esquina, sem dó nem piedade.             Convivi no dia a dia com Cláudio no período 1974-1978, na Redação da Folha de S.Paulo, na qual ele gestava um novo Projeto Folha e da qual sou viúvo até hoje – viúvo de sentimentos de solidariedade, camaradagem, amizade que nunca mais experimentei em redação alguma, só naquela onde Aristides Lobo trabalhou por tanto tempo. Curiosamente, encontramo-nos os três, Cláudio, Ricardo e eu, logo depois, no próprio Jornal da República, no fim de 1979.             No Folhão também era comum sairmos além das 10 da noite depois do exercício diário que era o fechamento na editoria Local ou na Economia. Um dia, e outro dia, e no terceiro também era praxe encostar a linha da cintura por longos momentos no balcão do bar do Japonês, garagem virada para a Barão de Limeira, a meio caminho da esquina da avenida Duque de Caxias, ou sentar a uma das mesas do 307, ou 708?, ali na rua de trás, a Barão de Campinas, onde Roland Marinho Sierra costumava entornar litros respeitáveis de generosas gin tônicas diárias na companhia de um sujeito igualmente generoso, Francisco Wianey Pinheiro, e do grande Ruy Lopes, que preferia scotch. Depois se via como voltar para casa, pois o ônibus passava ali bem perto, subia a alameda Helvetia rumo à avenida Angélica e a Pinheiros.             Muitas vezes abri mão da cerveja para aproveitar a oferta de Emir Nogueira, nosso secretário de Redação, que morava no Butantã. Íamos para a Zona Oeste a bordo de seu Chevette jogando conversa fora e aprofundando nossos laços de amizade e carinho. Emir nem sempre exibia seu bom humor pois estava perto demais do centro de decisões do jornal e, muitas vezes, o via contrafeito com o rumo das coisas por ali – por ali e no País. Mesmo assim, e mui gentilmente, ele se desviava de seu caminho original, que era descer a avenida Rebouças, para me deixar na esquina de casa, na confluência da avenida Doutor Arnaldo com as ruas Cardeal Arcoverde e Sílvio Sacramento.             Até que numa noite, trabalho encerrado, Cláudio e eu fomos ao mesmo tempo para o elevador e me ofereceu sua carona: estava a caminho de casa, no Jardim Paulistano, e poderia me deixar junto à avenida Doutor Enéas, aquela que atravessa o Hospital das Clínicas, com a Rebouças. Respondi que era mais fácil apanhar o ônibus, que me deixaria bem mais perto de casa.             – E onde você mora?             Contei onde, e ainda disse que Emir não discutia por bugigangas e sempre me deixava ali, a 50 metros de casa.             (É preciso entender que, graças à minha amizade com Vinícius Caldeira Brandt, casado com Bárbara, filha mais velha de Cláudio, ficamos, ele e eu, amigos tão logo entrei no Folhão, em setembro de 1974. Conversávamos muito, principalmente sobre política, e nem sempre concordávamos, discutíamos o jornal e nem sempre concordávamos, e chegávamos ao ponto de exercer uma certa falta de polidez um com o outro. Com direito a uma magoazinha por alguns dias.             Seria, hoje, uma situação muito improvável, pois um jovem repórter normalmente não tem certas liberdades com o seu diretor de Redação, como eu tinha, nem ele perscrutaria a opinião de seu jovem repórter, como Cláudio costumava fazer, e não apenas comigo.             Em síntese, cumpríamos alguma liberdade de expressão um com o outro, o que sempre gera aprendizado e bem-querer.)             – Então, vamos embora!             Ele me deixou perto de casa, falou pelos cotovelos e demonstrou o que eu qualificaria como uma certa falta de atenção ao dirigir. No dia seguinte a pergunta de Emir me surpreendeu pouco: “Sobreviveu?”. Sim, claro, tudo direitinho. E aí Emir contou algumas proezas de Cláudio ao volante, que Radhá e as meninas escondiam a chave do Fusca para forçá-lo a andar de táxi, que ele era teimoso, que não reconhecia a autoridade das placas e dos sinais de trânsito, nem dos guardas, coisas assim, bem a propósito…             Numa circunstância como esta sempre se pode tratar de fugir da situação, mas carona tem lá suas vantagens, como abreviar a hora da chegada a casa – e por isso persisti em aceitar o gentil oferecimento de Cláudio. Mas continuamos a discutir e também entrei no espírito da campanha familiar e passei a criticar a qualidade de sua direção… E não foi só uma vez que ele encostou na avenida Rebouças, abriu a porta do meu lado e disse “uma boa caminhada e uma muito boa noite para você…”. E ainda ria…

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