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terça-feira, abril 30, 2024

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Memórias da Redação ? Um retrospecto do futebol-arte

No ensejo da Copa do Mundo, Berto Filho, que atuou nos telejornais da Globo durante 11 anos (1974-85) e de 2004 até março deste ano foi um dos narradores do Fantástico, enviou esta colaboração de cunho absolutamente histórico.   Um retrospecto do futebol-arte Meu passado me condena. Não posso ser considerado jornalista esportivo – no máximo, sou um jornalista que leva na esportiva os raros gols contra da vida – porque nunca militei nessa função nos 60 anos de carreira como funcionário dos veículos por onde andei. O mais próximo disso, e passa longe, é ter lido offs descrevendo gols da rodada naquelas pequenas janelas esportivas dos telejornais dos anos 1970 e 80 na Globo. E lendo os resultados da Loteria Esportiva, no tempo da Zebrinha… Agora, mudando de patamar, acho que posso ser incluído naquele grupo seleto de amantes do futebol-arte onde quer que seja jogado. Ontem, foram o Honved, a seleção húngara de 1954, o Santos, o Botafogo de Garrincha, Nilton Santos,  Didi e Quarentinha, o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes, o Flamengo de Zico, a máquina tricolor de Rivelino… Não conheço os bastidores de uma Copa como a grande maioria de meus colegas que cobrem copas. Por isso, não tenho contribuições a dar sobre o tema. Fui apenas um torcedor exaltado que pulou de alegria quanto a taça era levantada pelo capitão brasileiro e murchou de tristeza quando fomos eliminados antes da hora ou não chegamos à final ou, se chegamos, perdemos, como na França. Desde os anos 1950, quando minha voz começou a mudar de padrão e gravei meu primeiro jingle para Chiclets Adams no Estúdio Sivan (do meu pai), tornei-me um torcedor  apaixonado  pelo futebol bem transado, não importando o time nem o país, embora meus clubes de devoção tenham sido (e ainda são) o São Paulo e o Fluminense. Os anos dourados 1950 ficaram marcados na minha memória de garoto virando rapaz pelas transmissões esportivas patrocinadas pela Brahma, a Jornada Esportiva Brahma, que levava os jogos dos clubes do Rio para todo o Brasil nas poderosas ondas médias e curtas das rádios Nacional, Tupi, Mayrink Veiga etc.. E pelos noticiários do Repórter Esso transmitidos na Rádio Nacional, na voz poderosa do Heron Domingues, cuja vaga assumi na TV Globo em 1974. Fui criado lá e cá, Rio e São Paulo eram a minha aldeia. O ramo paulista de minha família, por parte de pai, me jogava nas mãos de Poy, De Sordi e Mauro, Pé de Valsa, Bauer e Alfredo… e tempos depois (1956-57) assisti, encantado, às performances artísticas do extraordinário feiticeiro da bola chamado Canhoteiro, ponta-esquerda do São Paulo no ataque fantástico formado por Maurinho, Amauri, Gino, Zizinho e Canhoteiro. Nesse ano (1957), num dia muito inspirado, o São Paulo ganhou do Santos com Pelé na Vila Belmiro por 6 a 2!  Não posso deixar de mencionar o centroavante Albella e o meia esquerda Negri, dois argentinos que fizeram furor no São Paulo. Minha primeira vez num estádio foi no Pacaembu, era São Paulo e Corinthians. Vivi em minha própria família paulista a rivalidade entre São Paulo, Corinthians e Palmeiras, rivalidade que foi adensada em 1956 com a chegada do Santos à elite dos grandes, com aquele ataque endiabrado com Dorval, Mengávio, Pagão, Pelé e Pepe. Em períodos diferentes, os centroavantes Álvaro e Coutinho fizeram parte desses recitais. Uma geração antes, o Santos tinha Jair da Rosa Pinto, que saíra do Palmeiras, o meia Vasconcelos e o ponta esquerda Tite.  Foram muitas luas vendo grandes jogadores e times em ação. No Corinthians se destacavam o ponta direita Claudio, o meia Luizinho, o centroavante Baltazar, “o cabecinha de ouro”, artilheiro de gols de cabeça que anos depois inspirou Leivinha, e o lendário Mário, que driblava dois ou três adversários em espaços mínimos lá naquele território perdido da ponta esquerda. Canhoteiro, que veio depois, deve ter-se inspirado nas manobras circenses do Mário, pois ele também tinha esse dom de driblar rápido em pequenos espaços. Era o Garrincha da esquerda. O São Paulo foi campeão em 1957 sob o comando do técnico húngaro Bela Gutman, que treinava até à exaustão os chutes a gol de qualquer distância. Canhoteiro foi um dos que mais aprenderam e aplicaram as lições, passando a completar seus espetáculos na ponta esquerda com jogadas mortais e gols decisivos. Pena que se tenha perdido no amor à cachaça. Bela Gutman provavelmente introduziu no São Paulo conhecimentos hauridos dos tempos do Honved e da mítica seleção húngara de 1954, cujo técnico, o engenhoso Gusztav Sebes, inventou o esquema tático W-W partindo do W-M do Arsenal (de Londres) de 1930.  Especialistas em táticas atribuem ao esquema W-W ter sido a fonte de inspiração do carrossel holandês de Rinus Michels e do 4-2-4 usado pelo dorminhoco bonachão Vicente Feola na Suécia em 1958. Isso dá uma bela mesa-redonda. Foi com essa ótica de frequentador de galeria de arte que passei a apreciar as performances mais brilhantes de gerações de times e seleções. O meu ponto de partida foi mesmo o Honved, base da seleção húngara de 1954, que só não foi campeã porque o juiz anulou um gol legal do grande Puskas nos últimos minutos. Não sei se a Hungria ganharia, mas o empate no fim – 3 a 3 – daria uma inesquecível sensação de plenitude aos jogadores húngaros e a torcedores como eu, que deliravam com o futebol húngaro. Naquele tempo de álbuns de figurinhas eu me alimentava de futebol por meio da Gazeta Esportiva, do Thomaz Mazzini, e das transmissões de jogos pelo rádio, uma grande escola de narradores e comentaristas. Alguns, como Geraldo José de Almeida, criador da expressão “seleção canarinho”, migraram com sucesso para a tevê. Não senti muito a perda da Copa de 1950 porque tinha dez anos de idade, só com o tempo caiu a ficha de que tinha sido uma comoção nacional perder aquela final para o Uruguai diante de 200.000 espectadores estarrecidos. Muito choro foi derramado. Talvez para compensar essa frustração, a partir dos 50 me deslumbrei com jogadas bem trabalhadas, dribles desconcertantes, lançamentos perfeitos de mais de 40 metros (Gerson era um desses), defesas espetaculares e gols impressionantes de uma tribo de artistas da bola como Puskas, Hidegkuti, Kocsis, Czibor, Dida, Evaristo, Garrincha, Julinho, Manga, Castilho (o da leiteria), Veludo, Natal, Rivelino, Jairzinho, Pelé, Beckenbauer, Platini, Zidane, Cruyff, Rep, Neskens, Maradona, Zico… E hoje, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar são os símbolos da arte, magia e  eficiência no futebol. Talvez outros jogadores contemporâneos possam ser lembrados, mas não atingiram o grau de perfeição destes. Daqueles bons tempos guardo no baú de recordações (de ouvir as transmissões pelo rádio, que pena que não assisti…) aquela temporada fantástica do Honved no Brasil enquanto a Hungria era ocupada pelos tanques da União Soviética, em 1956. Recorro ao Mario Lopomo, editor do blog mlopomoblogesporte.zip.net. Fonte pesquisada pelo autor: A Gazeta (janeiro de 1957). Página adicionada em 26 de maio de 2010 Conta o Mário: “A Hungria estava sendo invadida pela União Soviética naquele ano de 1956, e o campeão nacional, o Honved, fazia uma excursão por diversos países do mundo. Nesse meio tempo houve o pedido dos invasores de sua pátria de que toda a delegação retornasse à Hungria, o que não aconteceu. Seus diretores resolveram desobedecer e continuar a viagem. Alguns países não aceitaram a entrada do clube húngaro, entre eles Itália, França e Inglaterra. Então vieram para o Brasil, e o primeiro jogo foi contra o Flamengo, no Estádio do Maracanã, no inicio do mês de janeiro de 1957. Apesar de grandes craques em seus quadros, o Honved não foi páreo para o rubro-negro carioca, perdendo por 6 a 4. Dias depois jogaram contra o Botafogo, e o Honved venceu por 4 a 2. Em seguida resolveram trazer o jogo inicial (revanche) para São Paulo, por iniciativa da Companhia de Cigarros Sudan, representada por Saul Janequine, e por Murilo Leite, representando a Rádio Bandeirantes, além dos representantes do Flamengo, Walter Fadel, e do Honved, Enil Oesterreicher. Este ‘jogo revanche’ foi realizado no estádio do Pacaembu, com a entrada franqueada ao publico, no dia 26 de Janeiro de 1957, um sábado a noite. Mais uma vez o resultado foi de 6 x 4, mas desta vez para o Honved, que deu um show de bola, e encheu os olhos da torcida paulista. Nos 10 minutos de jogo o campeão húngaro já vencia de goleada, e no tempo final, liquidou o jogo, chegando a estar vencendo por 6 x 1. Puskas marcou 4 dos seis gols do Honved, e os outros dois foram de Budai e Sandos. Dida (2), Moacir e Henrique marcaram para o Flamengo. Os times foram os mesmos do primeiro jogo e o árbitro novamente foi Mário Vianna, que por todos foi elogiado. O publico não foi divulgado, mas o estádio estava lotado. Ficha técnica (1ª partida): Flamengo 6 x 4 Honved Competição: amistoso (estava em disputa o Troféu Ponto Frio) Data: 19 de janeiro de 1957 Local: Estádio do Maracanã (RJ) Arbitro: Mário Vianna. Renda: 3.351.001,00 Gols: Evaristo (2), Henrique, Paulinho, Dida e Duca (Fla); Puskas (2), Szusza e Budai (Honved) Flamengo: Ari, Tomires e Pavão. Milton, Luiz Roberto e Edson (Jordan). Paulinho, Moacir, Henrique, Evaristo e Baba. Honved: Groczis (Farago), Rackosczy, Baniay, Bosizk. Kotasz, Lantos, Budai (Sandos), Koczis, Szusza, Puskas e Cizibor.” Ufa! Acho que escrevi o que estava me engasgando sobre a minha paixão pelo futebol-arte. E posso encerrar com o seguinte pensamento: Com todos os erros, atrasos, superfaturamentos, incompetência gerencial, manifestações antiCopa, greves e alto risco de não haver legado nenhum, vai ter Copa. Não creio em cartas marcadas. O Brasil vai entrar forte nas divididas e temos a obrigação de jogar para vencer todas as partidas. Agora, se vamos vencer todas, é uma outra questão. E torcer para que os futuros governos acertem o passo e coloquem o Brasil no topo do mundo em qualidade de educação, saúde, transporte público etc. e baixem os índices recordistas de criminalidade e o número de homicídios por 100.000 habitantes. 

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