Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Houve um tempo em que divulgar balanços financeiros com lucros altos fazia a alegria das assessorias de comunicação, livres de explicar a jornalistas por que a companhia não ia bem − e felizes com clippings positivos para aumentar o índice de cobertura favorável do relatório mensal.

Investidores continuam satisfeitos ao verem as empresas em que aplicaram seus recursos dando lucro. Mas nem todos estão vendo os ganhos com tanta simpatia em tempos de clamor da sociedade por justiça social ou por ações para mitigar questões sociais e ambientais.

Nas últimas semanas, balanços trimestrais serviram de motivo para protestos de cidadãos e ativistas que cobram de grandes companhias menos lucro e mais investimentos na sociedade ou na equipe.

Mas um deles tomou proporções maiores e virou uma greve. Mostrando que sabem como virar notícia, quase 300 jornalistas da Reuters cruzaram os braços no dia 4 de agosto.

Organizado pelo NewsGuild de Nova York, o ato teve como slogan “No Contract, No News”, em referência às dificuldades para negociar um acordo salarial.

A data foi bem escolhida: era o dia da teleconferência para investidores para falar dos resultados do trimestre: aumento de 5% nas receitas e de 25% no lucro operacional.

O alvo direto do protesto foi um nobre inglês, David Thomson, o bilionário acionista majoritário da Thomson Reuters, o 3º Barão Thomson of Fleet, um dos homens mais ricos do mundo.

No texto em que anunciou a greve, o sindicato destacou que “a riqueza de sua família aumentou em mais de US$ 17 bilhões desde que os jornalistas receberam pela última vez um aumento salarial geral, em março de 2020”.

Foi a primeira grande greve da Reuters em 30 anos. Nas redes sociais, jornalistas postavam sua adesão, com imagens de manifestações em várias cidades americanas. Uma delas em plena Times Square, em Nova York.

Segundo o NewsGuild, a empresa ofereceu um aumento salarial anual de apenas 1%, o que, segundo a entidade, significaria um corte salarial devido à elevação do custo de vida. O sindicato reclama também da falta de diálogo.

Os lucros da Reuters foram eleitos os vilões no enredo. A nota do sindicato compara os resultados recordes ao esforço feito pela equipe da agência de notícias cobrindo temas difíceis, como a Covid-19, a guerra da Ucrânia e as mudanças climáticas.

No melhor estilo luta de classes, o comunicado oficial do NewsGuild citou o repórter de vídeo Julio-César Chávez, que disse:

Enquanto nós, repórteres, somos chamados para longe de nossas famílias no meio do jantar, algo que fazemos com prazer pelo trabalho, os executivos da Reuters sentam-se no conforto de seus escritórios domésticos gerenciando os lucros que trazemos para a empresa.

Estou em greve hoje porque nosso trabalho é o que impulsiona o sucesso da Reuters e merecemos ser compensados adequadamente por isso.”

Crédito: NewsGuild of New York/Twitter

A Thomson Reuters disse que estava em conversas construtivas com o NewsGuild, sem no entanto assumir posição sobre a demanda da entidade.

Embora sem tanto barulho, as mudanças climáticas motivam cobranças por mais investimentos diante de lucros fabulosos de companhias de óleo e gás.

No Reino Unido, que vive uma crise de aumento do custo de vida cujo principal elemento é o preço da energia, item essencial em um país que depende de aquecimento boa parte do ano, a fúria maior foi contra a BP (British Petroleum). A petrolífera foi criticada nas redes sociais, por políticos da oposição ao governo de Boris Johnson e por alguns órgãos de imprensa pelo que seria uma boa notícia: triplicou seus lucros para quase 7 bilhões de libras no segundo semestre do ano devido à elevação dos preços do petróleo por causa da guerra da Ucrânia.

A reportagem do The Guardian sobre os resultados da BP abriu falando da “raiva de parlamentares e ativistas enquanto famílias lutam com a crise do custo de vida”.

Nas redes, adjetivos como “obsceno” foram usados para se referir ao lucro − ou outras palavras menos elegantes, como “f*cking”.

Lucro não é pecado, mas pode virar crise corporativa se existe uma insatisfação dos empregados ou da sociedade em relação a uma companhia.

A preocupação com os efeitos das mudanças climáticas está ajudando a turbinar esse mau-humor, diante de expectativas por mais investimentos em proteção ambiental ou em migração para energia limpa. Ativistas têm sido hábeis em comparar lucros altos com baixos investimentos em mudança.

Certo ou errado, justo ou não, esse movimento existe e deve ser observado com atenção por empresas de qualquer segmento.

O caso da Reuters, uma empresa jornalística reconhecida e admirada e onde muitos jornalistas sonham trabalhar, mostra que ninguém está a salvo de uma associação entre resultados financeiros e o bem-estar de quem ajuda a construí-los, ou do ambiente onde opera.


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