Por Vicente Alessi, filho

Ele, que se assinava S Stéfani, foi, na sua geração, o mais importante jornalista da área de economia e negócios a cobrir a indústria de veículos e de autopeças e os negócios da distribuição. Repórter arguto, dispunha de incrível memória e raramente tomava anotações. Deixou uma legião de amigos e admiradores ao morrer no sábado, 11 de setembro, enquanto tomava o café da manhã, em casa, vítima de forças fulminantes.

Tinha 72 anos, completados em maio, e em família atendia por Aparício, homenagem do pai corinthiano a ídolo de época.

Pois Aparício de Siqueira Stéfani viveu para acompanhar o começo das comemorações dos primeiros 29 anos de uma de nossas obras comuns, a AutoData Editora, que começou a funcionar na rua Machado de Assis, na Vila Mariana, em São Paulo, exatamente na quarta-feira, 2 de setembro, ano 1992.

29 anos atrás, na rua Machado de Assis: Stéfani batuca as “pretinhas”

Conhecemo-nos no início dos anos 1980, eu na Quatro Rodas e ele na Gazeta Mercantil, em meio aos eventos do setor, mas quem nos colocou em contato, mesmo, foi Sérgio Duarte, que nos deixou em 2019.

O que nos unia, naquele instante mais remoto, era o fato de sermos repórteres de economia e negócios e termos nosso foco exclusivamente no mundo dos veículos. Nossas exclusividades rendiam muita conversa e intermináveis trocas de ideias e de pautas.

É preciso compreender a época, também conhecida como a Década Perdida, período de mercado fechado para veículos importados e para a informática estrangeira, de veículos nacionais que ficavam em linha de produção por 20, 25 anos, na mesma geração, de inflação em expansão, de movimento sindical em ascensão, da última eleição presidencial realizada de maneira indireta, da derrocada da ditadura civil-militar.

Nossas fontes estavam em todas as inflexões dos níveis das empresas, e as mais completas habitavam aquele espaço em que eram tomadas as decisões solitárias, as salas das presidências. Os presidentes, vale recordar, tinham outro matiz, um verniz diferente: discutiam música, literatura, cinema e teatro com o mesmo desprendimento que reservavam a automóveis, a caminhões, ônibus e tratores. Àquela economia engessada.

Neste movimento cheio de ebulições tivemos a ideia de criar um serviço de informações exclusivo para o setor automotivo que funcionasse a partir de máquinas maravilhosas que começavam a chegar ao Brasil a peso de ouro, tudo contrabando: as faxes. Era o ano de 1987.

E assim, pela primeira vez, começamos a beber uísque juntos e a gastar noites e madrugadas na tentativa de gestar, com Serjão e com Ciro Dias Reis, o serviço inédito de informação a ser distribuído por meio de máquinas de fax. Fomos atropelados pelas consequências do Plano Funaro. Tempos depois o próprio ministro telefonou: soubera de nosso projeto tornado inviável e nos pedia desculpas “em nome dos melhores interesses do País”. Aquele era ministro sério.

AutoData surgiu quase cinco anos depois quase que como consequência lógica do serviço tocado à, hoje, fornalha do fax que não deu certo.

Nos últimos tempos, antes de pandemia, em reunião na rua Pascal

À custa de muitas concordâncias e de muita divergência completamos 29 anos de jornada de um projeto que poderia, muito bem, ter ficado prostrado no meio do caminho. Mas ele caminhou desde a rua Machado de Assis e, depois, da Casa Rosada da Saccab foi para as casas da Pascal e para a Verbo Divino e, por fim, pousou de volta ao mesmo quarteirão da Pascal.

Nossa sociedade, que por pouco tempo, infelizmente, incluiu Sérgio Duarte, e, de forma mais duradoura, Fred Carvalho e o irmão Márcio Stéfani, até hoje, foi extremamente feliz ao descobrir-se como tendo a missão de Transformar a Informação em Conhecimento, axioma no qual Stéfani investiu muitos neurônios. E tivemos muito sucesso, também, ao descobrir que havia uma revolução em curso e que requeria ser explicitada, o processo de globalização pelo qual passavam as novas vidas, as atividades das pessoas no mundo.

Fomos dos primeiros a tratar de entender a tal de globalização e Stéfani certamente foi um dos maiores expoentes daquela autêntica clarificação de mentes. Foram dois, três anos em que nossa principal dedicação era decodificar virtudes e amadorices da globalização e a sua aplicação sobre o mundo de veículos nativo. A partir desse instante, de sucesso diante de nosso público e de nossa autocrítica, sabíamos que tínhamos, definitivamente – nós, AutoData – ganho nosso lugar no panteão reservado aos especiais do jornalismo econômico e de negócios dedicado ao setor automotivo. Tínhamos suficiente massa crítica para nos sentirmos quase que à vontade para criar, por exemplo, o Prêmio AutoData.

Tivemos anos felizes.

E também anos difíceis, de rearranjos e de reacertos internos, de exercício de maior ou menor tolerância e empatia. Os feudos, os feudos!

Mas nada transcendeu tanto nossas resistências como aquela passagem difícil de 2015 para 2016, principalmente os acontecimentos daquele inverno. Retornamos, em pleno verão de 2017, já outros e certos da necessidade de criarmos o nosso revival, a nossa transformação. E Stéfani foi um dos artífices desse processo. Até o último instante.

O que acontece, agora, como diz Marco Piquini, é a falta de nossos contemporâneos, de nossos interlocutores privilegiados.


Vicente Alessi, filho

O texto desta semana é de Vicente Alessi, filho, que integra o Conselho da AutoData Editora. Ele foi publicado na edição de 11/9 da AutoData.

Nosso estoque do Memórias da Redação acabou. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

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