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sexta-feira, abril 19, 2024

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Não é só no Brasil que a imprensa vive dias desafiadores

Especial Reino Unido

Luciana Gurgel

Por Luciana Gurgel (https://twitter.com/lcnqgur?lang=pt), especial para o J&Cia

Não há comparação entre os riscos a que estão submetidos os jornalistas no Reino Unido e no Brasil. Ou, pior, em países onde há conflito armado. Mas na semana passada, Jeremy Wright, secretário nacional de Cultura, anunciou aqui a decisão de criar um Comitê Nacional pela Segurança dos Jornalistas.

O anúncio foi feito durante a conferência Defendendo a Liberdade de Imprensa, realizada em Londres nos dias 10 e 11/7, que mobilizou jornalistas, empresas editoriais, acadêmicos e personalidades engajadas na defesa dos Direitos Humanos, como a advogada Amal Clooney.

Exagero? Nem tanto, se pensarmos que o risco não é apenas físico, estendendo-se a qualquer ato que comprometa a liberdade da imprensa. E não é um privilégio de países em crise política ou econômica. Acontece nas melhores famílias, particularmente em uma Europa varrida por ventos de extrema direita, com a ascensão de líderes que frequentemente ensaiam cercear a imprensa.

A iniciativa do Reino Unido responde a uma demanda da OSCE (Organization for Security and Cooperation in Europe), que, apesar do nome, reúne 57 países de América do Norte, Europa e Ásia. Ela atua em prol da estabilidade, paz e democracia, e cobra de seus membros o estabelecimento de comitês nacionais dedicados à segurança dos jornalistas. O objetivo é assegurar a investigação de ameaças ou ataques aos profissionais de imprensa, a implantação de ações preventivas e a adoção de medidas protetivas sempre que um risco for detectado.

O anúncio do secretário surge em um momento de turbulência política no Reino Unido, com desdobramentos envolvendo o papel da imprensa particularmente em dois escândalos que explodiram na semana passada.

No primeiro, o programa Panorama, da BBC, apresentou ex-funcionários do Partido Trabalhista denunciando seus líderes por encobrirem casos de antissemitismo. Uma situação que já vinha se arrastando há meses e desgastando o partido, cujo principal expoente, Jeremy Corbin, é um dos favoritos ao cargo de primeiro-ministro, na hipótese de eleições gerais.

A reação do partido foi virulenta, atacando a credibilidade dos denunciantes. Estes rapidamente contrataram um reconhecido advogado britânico, especializado em causas ligadas à imprensa, para obter reparação. O resultado vai dar mais um indicativo sobre a fronteira entre interesse público e liberdade de expressão.

Já o Partido Conservador foi alvejado pela publicação no Mail on Sunday de correspondência sigilosa enviada pelo embaixador do Reino Unido nos Estados Unidos descrevendo o presidente Donald Trump como inepto, atrapalhado e incompetente. O caso turbinou igualmente o debate sobre liberdade de expressão versus segurança nacional.

Como se não bastasse, o imbróglio assumiu proporções ainda mais graves graças a um movimento imprudente da Scotland Yard. Em comunicado no último dia 12, em que anunciou a abertura de uma investigação criminal para descobrir o autor do vazamento, a centenária instituição lembrou que editores poderiam ser processados pela publicação de documentos governamentais vazados.

Políticos, jornalistas e entidades da sociedade civil levantaram-se contra a ameaça à liberdade da imprensa. No dia seguinte, a autoridade policial voltou atrás. Mas o episódio foi exemplar, indicando que por aqui há uma vigilância contra iniciativas capazes de comprometer o papel do jornalismo.

Mostrando que não está nem aí para a ameaça, a imprensa continuou a tratar do caso. O Mail on Sunday publicou no domingo mais trechos dos documentos vazados. Mas a maior bomba veio do concorrente Daily Mirror, desnudando o interesse de quem vazou os documentos.

A publicação revelou que a autora da reportagem é namorada do presidente do Partido Brexit, o empresário Richard Tice. Ele teria interesse em ocupar a vaga de embaixador nos Estados Unidos. Por isso, teria carinhosamente cedido os documentos à sua cara-metade, a fim de derrubar o ocupante do posto.

Tudo foi negado, claro, mas a história faz sentido. E disparou outra controvérsia nas redes sociais: seria sexismo acusar a jornalista de ter obtido a exclusiva por causa de seu relacionamento afetivo com o político poderoso? Uma questão puxa a outra, numa ciranda sem fim.

O Comitê nem nasceu ainda, mas vai ter muito trabalho pela frente.

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