Por Luiz Roberto de Souza Queiroz

“Os novaiorquinhos bebem diariamente 460 mil galões de cerveja, devoram 3,5 milhões de libras de carne e gastam 34 quilômetros de fio dental na cidade, onde morrem a cada dia 250 pessoas, nascem 460, mas várias deficientes visuais, tanto que 150 mil moradores de New York usam olho de vidro.

Entre as esquisitices de New York, diariamente um mendigo chega de táxi a seu ‘ponto’, em Manhattan, onde pede esmolas perto da placa de uma ‘clarividente, clariauditiva e clarisensual’. Também a cada dia uma senhora espera seu motorista abrir a porta do Rolls-Royce 1948 e desce em Times Square com uma Bíblia e o cartaz anunciando ‘Os condenados irão todos perecer’, com o qual fica passeando frente aos teatros, até que o motorista vá busca-la ao entardecer.”

Essa apresentação de New York, cidades de coisas inadvertidas, do genial repórter Gay Talese, só consegui encontrar em espanhol, Gay Talese – retratos y encuentros, mas, apesar de uma ou outra expressão difícil de compreender, vale muito a pena. É que a obra inclui a famosa matéria Frank Sinatra está resfriado, a entrevista que ele NÃO FEZ com Sinatra, que não o recebeu por estar de cama, mas que é a mais completa jamais escrita sobre o cantor, ao lado dos textos sobre Peter O´Toole, Ernest Hemingway, Joe Louis e muitos outros.

Mas este textinho é para lamentar que não se façam mais repórteres desse naipe, dispostos a pesquisar meses para fechar uma matéria. Afinal, se é fácil contar que na porta de um hotel de Park Avenue há um porteiro com três fragmentos de balas incrustados na cabeça e quantos metros de fio dental se vende diariamente em New York, imagino a dificuldade de descobrir que os gatos-vampiros que vivem a 35 metros sob o solo – sem jamais chegarem à superfície −, na estação Grand Central, vivem em média dois anos, contra dez anos de um “gato de madame”. Ou como diabos garantir que os clientes da Macy´s piscam 28 vezes por minuto, mas passam a piscar 40 vezes quando vão descer uma escada-rolante, e que os torcedores no Yankee Stadium param de mastigar chiclete alguns segundos cada vez que há uma jogada importante.

Só mesmo Gay Talese para me empurrar a cultura inútil mas cativante de que o atelier de Louis Feder, na 5ª avenida, recebe 500 quilos de cabelo ruivo de alemãs, castanhos de francesas e italianas, mas nem um fio de cabelo norte-americano, pois como são tratados com xampu demais não servem para fazer peruca.

E só mesmo Gay Talese para descrever em oito páginas os manequins da Lord & Tailor, da Saks, da Bergdorf´s, tão perfeitos que uma lei municipal proíbe que sejam expostos sem roupa. Afinal, tiveram como modelo Susy Parker, Brigitte Bardot e parecem tão humanos que já houve vitrinistas precisando da ajuda de psicólogos, pois passavam horas conversando com “seus manequins”.

E para terminar, dá para imaginar a dificuldade e o tempo gasto pelo repórter para conseguir uma fonte (não identificada, por supuesto), para contar que, infestada de ratos, a biblioteca da ONU pediu e recebeu dois gatos, um dos quais só consegue dormir à vontade sobre um alentado dicionário de chinês.

Só mesmo um grande repórter para contar essa história e, mais, para nos encantar com ela e ensinar a nós, seguidores de Talese e de Hemingay, como escrever e principalmente… como reportariar, como dizia Moacyr Castro, na Chefia da Reportagem do Estadão.


A história desta semana é novamente de Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto, assíduo colaborador deste espaço, que esteve por muitos anos no Estadão e hoje atua em sua própria empresa de comunicação.

Nosso estoque do Memórias da Redação continua baixo. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

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