Quando aceitei ser o primeiro ombudsman mulher num importante jornal carioca, após deixar o Estadão, sabia que teria de rever alguns conceitos e preconceitos em relação ao jornalismo dito popular. Minha raiz profissional sempre havia sido outra, mais sofisticada, mais voltada para um tipo de leitor que eu não iria encontrar no novo emprego. Um grande desafio, que enfrentei cheia de medos, inseguranças, mas também esperança numa nova proposta de trabalho, num novo tipo de fazer jornal que iria exigir de mim mais do que conhecimentos acumulados ao longo de décadas. Aconselhada pelos mais experientes nessa área, entrei nela com aquele cuidado de quem entra num galinheiro cuidando para não pisar nos ovos ou assustar as galinhas.

Já falei muito no Face sobre esse tão complexo cargo − ombudsman −, por isso não vou me deter nele. Mas uma das minhas tarefas, talvez a mais importante, era contribuir para mudar o que não estava bom e ajudar aqueles que haviam chegado para mudar o que precisava ser mudado. Trabalho não me faltaria. A começar pela formatação e ilustração das páginas de classificados, onde anúncios oferecendo vagas para médicos, advogados e professores saiam na mesma página dos prostíbulos oferecendo garotas de programa, “massagistas do sexo”, anúncios às vezes ilustrados por mulheres em poses eróticas com animais. Aquilo me chocara.

− Magda, tem um general na linha querendo falar com você. Está furioso. Diz que vai mandar tanques e bazucas para a porta do jornal até resolvermos o problema −, avisou a secretária.

Desde o começo de minha nova e difícil atividade fui surpreendida com a quantidade de reclamações de leitores e empresários sobre anúncios trocados, anúncios mal escritos e, pior, anúncios com números de telefones errados. Os dos prostíbulos estavam caindo em casas de famílias. Era o caso do general. Estava furioso e com razão. Há semanas ligavam para a casa dele perguntando o preço do michê.

Consegui acalmá-lo e fui atrás do miserável que havia feito aquela desgraceira. A agência responsável era de Copacabana e o anúncio havia sido escrito pela própria cafetina, “freguesa antiga e pontual, gente boa”. Pedi o endereço da freguesa antiga, pontual e gente boa. Ficava na Barata Ribeiro 200, um famoso pombal de pequenos aptos onde rolava de tudo para todos os gostos e taras. Um bordel que determinada fauna chamava de seu, com direito a documentários, filmes, avisos nos postes do bairro etc…

Me aprumei, ajustei a coluna, me dirigi ao tal endereço e muitos andares depois cheguei na “gerência”. Antes, passara por um corredor longo e estreito onde gritos e sussurros me diziam que estava no lugar certo. Abri a pesada porta de vidro esfumaçada e entrei. Fui recebida com um “as salas estão lotadas. Espera lá fora”.  Mas o crachá me denunciou, mania de esquecer de tirá-lo quando na rua. Corre-corre, chama fulano, chama sicrana, ninguém sai, ninguém entra, o que foi, o que não foi, é a polícia????

Tudo esclarecido, anúncios refeitos, promessas de não mais acontecer, essas coisas. No jornal, liguei para o general, que já chamara seu advogado e ex-comandados. Estava na reserva, mas ainda tinha força política em seu meio. Conversei com os dois, expliquei tudo que acontecera, mil desculpas, não precisa chamar os tanques nem trocar o número do telefone. Aproveitei e os convidei a visitar o jornal e conhecer o projeto do novo parque gráfico que seria construído em Benfica. Seria o maior da América Latina, um sonho que Roberto Marinho desmoronou ao construir o portentoso parque gráfico de O Globo na Baixada Fluminense.

A cafetina “gente boa” me mandou flores e um cartão de agradecimento.


Magda Almeida

A história desta semana é novamente uma colaboração de Magda Almeida. Carioca, hoje residindo em Porto Alegre, no Rio teve passagens por Jornal do Brasil (repórter especial e editora), Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo (repórter especial) e O Dia, onde foi ombudsman e criou e administrou o Instituto Ary Carvalho, braço social, cultural e de educação do grupo O Dia.

Nosso estoque do Memórias da Redação acabou. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

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