Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Há tempos a BBC vem enfrentando uma sucessão de crises que pode ser metaforicamente comparada a uma pessoa se debatendo em uma ressaca no mar, surpreendida por uma nova onda quando parecia ter se livrado da última.

O anúncio de um investimento de  £ 1 bilhão em um sistema de pesquisas internas fornecido por uma empresa do Vale do Silício, feito em meio a um corte de verbas e de cabeças, tinha poucas chances de escapar incólume.

Na verdade, a corporação não precisa gastar tanto para descobrir o grau de insatisfação e os motivos para ela.

Um deles é uma situação que remete ao maior escândalo da BBC em seus100 anos, o caso Jimmy Saville.

O apresentador era uma celebridade internacional, mas escondia um lado negro de predador sexual que só veio a público depois de sua morte, em 2011. A rede foi acusada de não ter tomado providências quando alertada, por medo do escândalo ou para não perder sua estrela.

O Saville versão 2022 é o apresentador da rádio BBC Tim Westwood, de 64 anos, DJ de um programa de hip hop da Radio 1 entre 1992 e 2017. Ele era do elenco quando a farsa Saville foi desvendada.

Tim Westwood (Crédito: BBC)

Em abril, uma investigação do The Guardian e da própria BBC revelou sete acusações de assédio sexual. As mulheres, todas negras, eram artistas aspirantes atraídas por Westwood em busca de uma oportunidade. Uma tinha 14 anos.

O enredo é o mesmo de casos semelhantes, envolvendo convite para encontros “profissionais” em hotéis e abusos físicos. As mulheres contaram suas histórias em um documentário exibido pela BBC3, com o sugestivo nome de Abuso de Poder.

Pior do que uma crise é uma crise mal gerenciada. Quando o caso explodiu, o diretor-geral da BBC, o experiente jornalista Tim Davie, disse não haver evidências de reclamações anteriores. Na primeira semana de julho, admitiu que pelo menos um dos casos tinha sido denunciado à polícia.

Seja por desconhecimento − o que é difícil crer em se tratando da gravidade do tema − ou por uma esperança vã de que a crise fosse embora, a posição soou como tentativa de acobertamento.

Também é questionável tentar amenizar sob o argumento de que os abusos não ocorreram dentro da BBC ou com funcionárias, como fez a corporação.

Mesmo que tivessem ocorrido em contextos pessoais, já seria motivo para avaliar se tal funcionário era digno de continuar na equipe. Assédio e abuso sexual são crimes.

E nem foi o caso. Os episódios tinham relação direta com a posição profissional de Westwood. Por isso, nas redes sociais muita gente pede investigação sobre a conduta da rede.

Para quem (como eu) admira a história e a competência da BBC, entristece e preocupa ver situações como essas justamente quando o governo de Boris Johnson segue com o plano de corte de verbas e de poder.

Elas dão alimento para os que sonham com uma rede pública a serviço do governo, ou gostariam que o jornalismo defendesse suas visões políticas e de mundo.

O caso Saville parece não ter ensinado muito à BBC sobre como lidar com a crise de Tim Westwood, nem durante nem depois. E não é a única crise do momento.

Na semana passada a rede teve que se desculpar e indenizar a ex-babá de William e Harry por acusações de que teria tido um romance com o príncipe Charles, feitas na época da famigerada entrevista com a princesa Diana.

Talentos como Emily Maitlis, que fez a entrevista com o príncipe Andrew dentro do Palácio de Buckingham sobre o escândalo de assédio sexual, estão indo embora.

O relatório anual dos maiores de salários foi criticado pelos valores e por alguns aumentos em tempos de crise.

Este mês, os jornalistas foram informados de um plano de cortar £ 8 milhões por meio da fusão dos canais de notícias britânicos e internacionais da BBC e redução da cobertura doméstica.

Uma pesquisa interna vista pelo The Times apontou que menos da metade da equipe se disse animada com o futuro da BBC. E 25% dos funcionários nem se deram ao trabalho de responder. O contrato com a empresa americana teria como objetivo aumentar a taxa de respostas. Será que precisa?


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