Por Álvaro Bufarah (*)

No começo era uma via de mão única: o locutor falava, a marca aparecia, o ouvinte seguia viagem. Agora, o anúncio pergunta, oferece botões, aceita voz de volta – e mede o que aconteceu. A tese é simples e provocativa: o futuro da publicidade no rádio é interativo – e já começou. É a linha que Rick Murphy defende em reportagem publicada recentemente pela Radio Ink, lembrando que o rádio terrestre ainda soma alcance, confiança e custo eficiente, mas que a virada virá do que ele chama de “rádio que conversa” – campanhas que pedem resposta, registram intenção e conectam mídia ao resultado, da cabine do carro ao fone de ouvido. São menos jingles ao vento, mais funil completo.

A peça que faltava sempre foi o retorno. Ele aparece, primeiro, onde a tela já existe: CTA cards que surgem no app depois do áudio, levando direto ao site, cupom ou carrinho – padrão já consolidado em plataformas de streaming. Essa camada transforma o spot em ação rastreável e aproxima rádio/áudio de um e-commerce de bolso.

No “rádio expandido” – podcasts, streams e agregadores – a lógica vai além do clique: anúncios interativos convidam o ouvinte a responder por voz (“mandar por SMS?”, “lembrar depois?”), salvam o link para quando a pessoa parar o carro ou registram um “interesse” no perfil do usuário. Redes como a SXM Media vêm defendendo o formato como antídoto para a dispersão: sai o monólogo, entra a troca mensurável.

O argumento de Murphy ganha musculatura quando se olha para a cabine: dashboards conectados, Android Auto e CarPlay puseram uma camada de interface sobre a escuta linear – o que viabiliza botões, QR codes persistentes no head-unit e sincronização de ofertas com o app do ouvinte. Do lado do planejamento, dados de audio attention (Dentsu + Lumen) começam a colocar o áudio no mesmo patamar de comprovação que vídeo e display: dá para saber quando e quanto de atenção um spot recebeu, em rádio, podcast e streaming.

Essa “programabilidade” do áudio não é de hoje – a indústria vem ensaiando segmentação avançada desde o SmartAudio, da iHeart, que uniu escala do broadcast com dados de público. Mas a calibração fina (e o ROI) sobem de patamar quando atenção e interação entram na conta, e quando a compra e a mensuração ficam mais automatizadas nas plataformas.

Há, também, um ponto cego que o rádio preenche e a compra “só digital” costuma ignorar: as audiências subengajadas de internet e TV (quem quase não vê feed nem streaming de vídeo). Estudo recente da Katz mostra que esse público – que some em planos focados só em display/social – é alcançado por rádio com consistência. Em outras palavras: a mídia sonora liga a luz onde o resto do plano é escuro.

No agregado, a atenção do áudio não é pequena: benchmarks da própria Spotify indicam que spots de 30s em áudio superam plataformas de in-stream e sociais em métricas de atenção – o que explica a pressão por inventário com retorno visível (CTA, shoppable audio, form fills assistidos por voz). E, do lado do investimento, os relatórios mais recentes do IAB e de consultorias especializadas mostram áudio avançando em share (com podcast puxando o combo), justamente porque engaja e prova.

(Crédito: commons.wikimedia)

O que muda para quem compra (e para quem vende):

  • Briefs pedem ação: todo spot deve ter um gesto possível (salvar cupom, abrir mapa, pedir catálogo por WhatsApp, “me lembra depois”). Sem isso, a interação vira promessa vazia.
  • Mensuração sobe a bordo: combinar atenção (estudos Dentsu/Lumen) com métricas in-app fecha o loop entre ouvir e agir – atributo decisivo para a verba migrar.
  • Planejamento omnicanal de verdade: rádio cria alcance e frequência; streaming e podcasts entregam interatividade e segmentação; a TV do painel vira ponte. A chave é orquestrar – não escolher um contra o outro.
  • Mercado hispânico e afro-americano: redes de áudio com dados 1P (ex.: Katz Digital) permitem segmentar com profundidade e escala faixas demográficas muitas vezes subatendidas no plano digital comum – e com contexto cultural.

Se a propaganda de rádio foi, por décadas, um recado jogado ao vento – “alô, dona de casa!” –, o que nasce agora é o rádio que responde. O anunciante pergunta, o ouvinte devolve, o sistema registra, o vendedor liga depois (ou nem precisa). Não é a morte do jingle; é o seu segundo ato. O spot deixa de ser só memória sonora e vira evento de dados.

Há, claro, riscos e exageros: “interativo” não pode significar fricção (ninguém quer motorista digitando no painel), nem vigilância opaca de comportamento. Mas, quando bem desenhado – “salvar link”, “enviar oferta por SMS”, “abra quando parar” –, o formato honra a natureza do áudio: acompanhar a vida sem exigir a mão.

Se a web transformou o anúncio em clique, o áudio conectado transforma o som em gesto. E é por isso que a tese de Murphy encaixa: o futuro interativo não depende de ficção – ele já está no ar.


Fontes

  • Radio Ink – “Rick Murphy: The Future of Radio Advertising Is Interactive – And Already Here” (6 out. 2025). Radio Ink+1
  • Dentsu + Lumen Research – Estudos de atenção em áudio (rádio, podcasts e streaming). iheartmedia.com
  • Spotify Advertising – CTA Cards e formatos de áudio/vídeo; estudo de atenção em 2024/25. ads.spotify.com+2ads.spotify.com+2
  • Katz Radio Group – Engajamento e “buracos de plano” entre pouco-usuários de internet/TV; síntese de insights 2024/25. insights.katzradiogroup.com+1
  • IAB / análises setoriais (via RadioActive Media) – crescimento do investimento em áudio, com podcasts puxando o formato. Radio Active Media
  • iHeartMedia – SmartAudio: segmentação avançada combinando escala do broadcast e dados digitais (antecedente da programabilidade atual). iheartmedia.com
  • Spotify Newsroom (out. 2025) – Parcerias e automação para compra, criação e mensuração de anúncios em áudio. Spotify

    Álvaro Bufarah

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.

(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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