Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Enquanto as críticas sobre a legitimidade de Dubai para sediar a COP28 turvam o brilho da conferência do clima da ONU, outro movimento de um integrante dos Emirados Árabes Unidos colocou o Reino Unido em suspense: a possível compra do Daily Telegraph por um consórcio financiado por Abu Dhabi.

A história parece enredo de série, combinando intrigas familiares, escândalo financeiro e política. O “protagonista” é um dos principais jornais do país, alinhado ao partido Conservador e à direita, que teve papel vital em momentos históricos recentes, como o Brexit e a eleição de Boris Johnson.

Ao contrário de outros títulos vendidos nos últimos anos, como o Washington Post, o grupo Telegraph, também dono da revista Spectator e do Sunday Telegraph, não ia mal. O problema é que ele foi colocado como garantia de um vultoso empréstimo tomado pelos irmãos David e Frederick Barclay, que comandavam um império empresarial nas áreas de construção, hotelaria e varejo, mas acabaram brigando em vida.

David morreu em 2021. Em julho deste ano, o Lloyds Bank apreendeu os títulos do grupo Telegraph por causa de uma dívida de £ 1,15 bilhão. O banco não quer operar o negócio e abriu uma concorrência para encontrar interessados.

Muitos nomes se apresentaram, incluindo donos de outras empresas jornalísticas, até que a própria família Barclay emergiu como candidata provável − só que financiada pelo IMI (International Media Investments), controlado pelo xeque Mansour bin Zayed Al Nayian, vice-presidente do emirado.

Segundo os que se opõem ao negócio, ele é um proeminente membro da família que comanda Abu Dhabi, e não é possível distinguir o que são recursos pessoais, corporativos e do Estado.

O IMI formou uma joint-venture com o RedBird Capital, empresa de private equity americana. No comando da operação está Jeff Zucker, ex-CEO da CNN, que perdeu o cargo no ano passado depois de uma série de confusões e em meio a um declínio da audiência da rede.

Se a venda se concretizar, não será o primeiro jornal britânico nas mãos de estrangeiros. O grupo News Corp., dono do The Times, concorrente do Telegraph, e do tabloide The Sun, pertence ao australiano Rupert Murdoch.

Até russos são tolerados. O Evening Standard, tabloide que antes da pandemia era um dos mais lidos do país, pertence a um ex-agente da KGB, Alexander Lebedev, e ao seu filho Evgeny. Eles também compraram parte do The Independent.

Então, por que a reação? Porque em tese, seria a primeira vez que um Estado se tornaria dono de um jornal no Reino Unido. O grupo árabe já é dono do time de futebol Manchester United, mas o avanço sobre a imprensa incomodou.

Na semana passada, o jornalista Charles Moore, uma autoridade da mídia, que já dirigiu os três jornais do grupo e escreveu uma festejada biografia da ex-premiê Margareth Tatcher, assinou um artigo de opinião no Telegraph em que classifica a “nacionalização” como “imperdoável”.

Moore, que detém o título de Sir pela sua contribuição à imprensa, usa a palavra nacionalização para dizer que se o próprio governo britânico estivesse incorporando um jornal isso seria visto como uma tomada de poder sem precedentes pelo Estado. No entanto, diz ele, uma nacionalização agora parece possível, só que “por um Estado árabe que não tem liberdade de imprensa”.

Nessa segunda-feira (27/11), o editor do Telegraph, Chris Evans, enviou um e-mail à equipe para responder aos que perguntaram sobre o futuro da independência editorial: “No momento, não sei mais do que o que você já leu”.

Jeff Zucker garante que haverá independência, e acusa concorrentes de “jogarem lama” para obstruir o negócio. Ele pode ter certa razão, pois a News Corp. de Murdoch quer ficar com a The Spectator.

Após pressão de parlamentares e de o caso ganhar visibilidade na imprensa, a secretária Nacional de Mídia, Lucy Frazer, anuncia nesta sexta-feira (1º/12) se abrirá uma investigação com a participação do órgão regulador de comunicação,  fundamentada no risco ao interesse público.

O resultado do leilão está marcado para 10 de dezembro. Mas até lá alguns atores que hoje estão em cena podem ser eliminados da história.


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