Pela primeira vez em seus 23 anos de história, a eleição da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) não será em chapa única; duas estão na disputa. De um lado, está a Chapa Plural, encabeçada por Ana Carolina Moreno, atual diretora da entidade e jornalista especializada na cobertura de dados; do outro, a Contraponto, liderada por João Peres, diretor de O Joio e O Trigo.

Das 10h desta sexta-feira (31/10) até às 18h da próxima segunda-feira (3/11) os 286 associados aptos participarão do pleito que definirá quem comandará a entidade, uma das mais representativas do jornalismo brasileiro, pelos próximos dois anos. Este número representa cerca de 65% dos quase 450 associados ativos, uma vez que para participar do processo, como eleitor ou compondo uma das chapas, é necessário ser filiado à associação há mais de um ano.

A expectativa é que a Comissão Eleitoral divulgue o resultado final ainda na noite de segunda-feira, logo após o fim da votação online. Conversamos com os candidatos para conhecer as propostas de cada chapa para o próximo biênio. Confira:

 

Chapa Contraponto: discordância em Congresso da Abraji altera status quo

Jornalistas&CiaO que motivou a criação de uma chapa de oposição nesta eleição?

João Peres

João Peres – A ideia surgiu quando divulgaram a lista dos patrocinadores do Congresso da Abraji deste ano. Entre as corporações estava uma em específico, que é conhecida por adotar práticas que afetam negativamente, de várias maneiras, a vida humana. Quando eu vi, mandei uma mensagem manifestando o meu incômodo, explicando inclusive que se o apoio tivesse sido anunciado antes era provável que eu nem fosse ao evento. Isso é uma preocupação muito importante para mim, uma vez que estamos falando do principal congresso de jornalismo investigativo do Brasil.

Depois disso percebi que várias pessoas também compartilhavam do mesmo incômodo. Isso motivou alguns debates e até a realização de dois encontros da diretoria com os associados para explicar os motivos. Ainda assim não concordei com as justificativas, entre elas de que só o poder público seria problema para eventuais apoios. Como entidade, a gente precisa ter um olhar atento pelas perspectivas do Século 21, em que algumas corporações têm mais poder do que muitos governos.

J&CiaE como foi a formação da chapa e sua escolha para liderá-la?

João – Começamos a reunir associados que também entendiam que formar uma chapa de oposição seria o melhor neste momento. Conseguimos formar um grupo bastante representativo, com muitas pessoas de veículos independentes, de várias regiões do Brasil, e que hoje produzem um volume de jornalismo investigativo muito grande. A Abraji precisa entender melhor este momento do jornalismo, em que mudaram as relações de trabalho e se ampliaram as questões de diversidade.

Por esses e outros motivos, ter uma segunda chapa faz sentido e é saudável. Inclusive, várias questões de transparência evoluíram nos últimos meses só por causa dessa decisão. Uma chapa de oposição força a situação a melhorar seus processos. Qualquer que for a próxima diretoria ela já sabe que terá cobranças e demandas que não havia antes.

Ainda assim não foi fácil chegar à definição de quem seria o cabeça de chapa, até porque é um trabalho voluntário, que demanda muito tempo. No final percebi que seria possível assumir com o apoio de uma diretoria colegiada, descentralizada, com uma divisão de trabalho bem definida entre seus membros.

J&CiaQue soluções vocês propõem em relação ao Congresso?

João – Olhando os dados financeiros, percebemos que o Congresso passou a ter um volume de receita que fica parecendo que ele é a única atividade existente na associação, o que não precisa ser verdade. A gente quer dar mais ênfase aos cursos. Várias pessoas da nossa chapa passaram por treinamentos promovidos pela Abraji que foram marcantes e ajudaram a formar muitos profissionais que estão fazendo a diferença no jornalismo.

Entendemos que o Congresso não precisa ser tão grande, como na última edição, em que tínhamos 12 mesas simultâneas, algumas delas esvaziadas. Um congresso que custe menos também diminui a pressão para conseguirmos patrocínios de qualquer maneira. Essa ânsia de ter 20 patrocinadores é muito recente. Também por isso precisamos de uma política clara de financiamento e patrocínio, com 100% das decisões registradas publicamente.

J&CiaAlém das questões envolvendo o Congresso, que outras pautas sua chapa está priorizando neste momento?

João – Nossa chapa nasceu ancorada em três pilares: governança profissional e estatuto atualizado; transparência e prestação de contas contínua; e aproximação real com os associados. Entendemos que é urgente a necessidade de reposicionar a Abraji como uma referência institucional sólida, eficiente e sustentável, a partir da reestruturação de seus processos internos e estatuto.

A Abraji, embora tenha uma representatividade muito grande, não é uma entidade com muitos associados e os cargos na diretoria são voluntários. Precisamos de um quadro de funcionários robusto, que trabalhe no dia a dia para o crescimento da associação para que a diretoria atue apenas quando necessário. Está claro para nós que hoje há um problema de governança, em que as coisas são muito personalistas e centralizadas na figura do presidente.

Sobre a chapa Contraponto: Encabeçada por João Peres, tem como vice-presidente Cecília Olliveira, cofundadora do The Intercept Brasil. Para a diretoria, foram escolhidos os nomes de Anelize Moreira (ACT), Ariel Bentes (Abaré – Escola de Jornalismo), Fábio Bispo (InfoAmazonia), Fred Santana (Vocativo), Jeniffer Mendonça (Núcleo Jornalismo), Leandro Barbosa (repórter socioambiental freelancer), Mateus Araújo (UOL), Piero Locatelli (repórter freelancer de política e direitos humanos) e Tatiana Dias (Intercept Brasil); o Conselho Fiscal é formado por Gisele Lobato (Aos Fatos), Maria Esperidião (Grupo Globo) e Naira Hofmeister (repórter socioambiental freelancer).

Congresso da Abraji registrou mais de 2 mil participantes em 2025

Chapa Plural: interesses coletivos acima dos projetos individuais

Jornalistas&CiaComo você analisa este momento, em que a Abraji terá uma chapa de oposição pela primeira vez em sua história?

Carol Moreno

Carol Moreno – Ficamos muito felizes em ter duas chapas, porque isso amplia a possibilidade de fazer debates e discutir ideias, convidando a participação das pessoas. Apesar disso, estamos evitando rotular como situação e oposição, até porque será uma nova gestão, com novos projetos, e não uma continuação da atual. Mesmo nos anos anteriores, apesar das chapas únicas, as eleições sempre foram marcadas por uma grande renovação, até porque o estatuto da Abraji foi feito para que as pessoas só possam ficar na diretoria por no máximo dois anos.

Ter duas chapas é uma oportunidade única para a Abraji amadurecer nesse processo de participação dos associados. Mesmo quando não sabíamos se teríamos ou não uma segunda chapa, queríamos que o debate fosse ampliado para que a eleição não se resumisse aos associados votarem em sim ou não na única opção possível. No final, o que esperamos é que quem vença essa eleição seja a Abraji.

J&CiaComo foi o processo de formação da chapa liderada por você?

Carol – A nossa chapa já nasceu diferente. Com uma renovação de 50%, procuramos misturar a vivência de quem já atua há bastante tempo pelo bem da associação com novas ideias e pessoas com experiências em outras áreas, que integrem veículos dos mais variados tamanhos e plataformas.

Além disso, buscamos em nossa equipe um olhar mais regionalizado, por isso fizemos um esforço para trazer jornalistas de outros territórios, que possam contribuir com essa experiência. Nossa chapa quer fazer um trabalho coletivo e criar canais para que a gente possa aproveitar na Abraji a expertise das pessoas associadas.

J&CiaO Congresso da Abraji foi o principal ponto de descontentamento da outra chapa. Como você analisa e pretende abordar essas demandas?

Carol – Ao longo dos anos, o Congresso ficou muito grande e se firmou como um dos principais eventos do jornalismo brasileiro. Nossa ideia para o próximo ano é, sim, fazer um evento mais enxuto, até porque a última edição era comemorativa, de 20 anos do encontro. Isso certamente diminuirá o desafio da captação de recursos.

Mas não podemos ignorar que nos últimos anos também houve uma queda nos valores de patrocínio, o que naturalmente força a necessidade de ampliar a quantidade de empresas apoiadoras. Então, inegavelmente existe esse desafio de gestão e captação de fluxo. O que a gente propõe é uma estratégia para que a comunicação com os associados aconteça de uma forma mais fluída e que uma nova política de financiamento e patrocínio seja construída de forma coletiva e transparente, respeitando democraticamente a visão da comunidade da Abraji.

Em relação aos painéis que não atingem a capacidade máxima dos espaços, isso é algo que realmente não me preocupa. O nosso objetivo é levar conhecimento, e se um grupo de pessoas, mesmo que reduzido, aprendeu algo de importante em nossos encontros, não vejo problema se a sala estava lotada ou não. Até porque se esse for o único parâmetro, podemos abrir brechas para sensacionalismo e reduzir a diversidade dos palestrantes. Hoje a gente tem um olhar muito grande para incluir pessoas que tradicionalmente ficam à margem dos debates e isso eventualmente resulta em uma procura menor por eventuais discussões que são relevantes.

J&CiaQue outras ideias sua chapa apresentou aos associados?

Carol – Toda nossa proposta de trabalho foi criada valorizando os três pilares que sustentam a Abraji, que são a proteção a jornalistas, o aprimoramento profissional e a defesa do direito de acesso a informações públicas. Pretendemos fazer isso com uma gestão colaborativa, democrática e transparente, sem decisões individuais. Respeitamos o legado da Abraji, mas queremos prepará-la para o futuro, mantendo o que funciona e melhorando o que for preciso.

Outro ponto importante é que no ano que vem teremos eleições no Brasil, um período que tradicionalmente resulta no aumento de ataques aos jornalistas. Por isso, ampliaremos os mecanismos de prevenção a ataques, de proteção e de acolhimento, buscando financiamento específico para o Programa Tim Lopes, que foi criado justamente para combater a violência contra jornalistas no Brasil, em especial no interior do País.

Sobre a Chapa Plural: Liderada por Ana Carolina Moreno e tendo como vice-presidente Juliana Dal Piva (ICL Notícias/CLIP), conta em sua diretoria com Basília Rodrigues (SBT News), Breno Pires (piauí), Catarina Barbosa (Sumaúma), Hyury Potter (jornalista e documentarista freelancer na Amazônia), João Pedro Pitombo (Folha de S.Paulo), Maiá Menezes (Estadão), Maíra Mathias (O Joio e O Trigo), Nayara Felizardo (g1) e Paula Bianchi (Repórter Brasil). Compõem o Conselho Fiscal Barbara Libório (AzMina/ESPM), Julia Affonso (UOL) e Sarah Teófilo (O Globo).

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