Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

O Reino Unido é um país traumatizado com invasão de privacidade de famosos. Os tabloides britânicos são referência da falta de limites entre o que é informação de interesse público e o que só interessa a quem é o objeto da notícia.

O assédio de paparazzi é apontado como causa da morte da adorada princesa Diana em um acidente automobilístico em Paris, em 1997.

Mas vieram do Hemisfério Sul os dois casos mais recentes em que a imprensa teve suas práticas questionadas ao revelar (ou tentar revelar) histórias íntimas cujos protagonistas teriam preferido manter fora do conhecimento público.

Um deles todos no Brasil sabem. O outro tinha acontecido duas semanas antes do episódio com Klara Castanho.

A atriz australiana Rebel Wilson foi obrigada a anunciar seu relacionamento com a estilista Ramona Agruma depois de um ultimato do colunista de celebridades Andrew Hornery, do Sydney Morning Herald da Austrália.

Rebel (dir.) e Ramona

Estrela de A escolha perfeita, a atriz de Hollywood não teve escolha ao ser informada que o jornalista sabia do namoro e gostaria apenas de sua posição para a matéria a ser publicada dois dias depois.

Perguntar se ela se importaria em ver a intimidade revelada? Nem pensar. Foi um ultimato.

Antes de a matéria sair, no entanto, ela anunciou o namoro no Instagram, dizendo ter descoberto que, na verdade, estava em busca de uma “Disney Princess”, e não de um príncipe encantado.

Até aqui a história poderia ser tomada como um mal-entendido sobre o suposto ultimato. O que veio depois, no entanto, mostra que nem todos entenderam ainda o cuidado necessário ao lidar com informações de caráter pessoal.

Revoltado por ter perdido o “furo”, Hornery (que é gay, e poderia ter tido mais sensibilidade ao tratar do tema) publicou uma matéria criticando a atriz por ter se antecipado.

Parecendo falar com coleguinhas no café da redação, ele escreveu que já sabia do relacionamento. E acusou a atriz de ter “optado por capitalizar em cima da história” ao ser informada de que o jornal revelaria o namoro.

O editor ainda tentou defender seu colunista. Mas a repercussão internacional foi tamanha, com manifestações de nomes como a atriz Whoopi Goldberg, que um pedido de desculpas tornou-se inevitável.

O problema é que desculpas não apagam a infelicidade causada por irresponsabilidades movidas pela busca de audiência. Ou por mera vaidade.

Colunistas como Hornery não perderiam o emprego se não dessem o furo. No entanto, o que os move não deve ser apenas a cobrança dos chefes, mas também o ego, a competitividade.

Os tabloides britânicos passaram a ser mais regulados e observados depois do escândalo de escutas telefônicas do News Of The World, que rende processo até hoje.

O jornal, de propriedade do magnata da mídia Rupert Murdoch, fechou em 2011, mas a então editora-chefe Rebecca Brooks segue como executiva da empresa News UK, dona de títulos como o prestigiado The Times e o criticado The Sun.

E foi justamente o The Sun que em 2019 provocou sofrimento familiar a uma outra celebridade, o jogador de rugby galês Gareth Thomas.

Um repórter bateu na porta dos pais do atleta para ouvir a opinião deles sobre o diagnóstico do filho, que tinha testado positivo para o vírus HIV. Antes, publicou matéria sugerindo que um atleta importante do esporte anunciaria em breve sua condição médica.

Assim como Rebel Wilson, Thomas antecipou-se e revelou ter HIV, só que em uma entrevista para um tabloide concorrente.

E lamentou ter sido forçado a isso antes de ter entendido o diagnóstico e avaliar se e como contaria aos pais: “Eu nunca posso ter aquele momento de volta, para poder explicar que seu filho vai ficar bem e será capaz de sobreviver a isso. Essa pessoa tirou esse momento de mim”.

Essa pessoa era o jornalista, representando um jornal. E indiretamente representando a instituição imprensa.

Esses casos se repetem. E servem como reflexão para jornalistas e veículos analisarem o que podem fazer para reconquistar o interesse e a confiança do público, que, segundo as pesquisas, andam em queda. Não ser cruel e agir com mais humanidade talvez seja uma delas.


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