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sexta-feira, março 29, 2024

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A brincadeira adolescente que virou jornalismo

Quando montou seu blog, em março de 2004, Ricardo Noblat pensava apenas num espaço onde aproveitaria algumas notícias que envelheciam durante a semana. Na época, editava uma página publicada somente aos domingos, em O Dia (RJ). Tanto que quase encerrou sua conta quando deixou o jornal, alguns meses mais tarde.   O que ele não podia imaginar é que aquela ferramenta que ele conhecia apenas como uma espécie de diário adolescente se transformaria em sua principal atividade e abriria as portas para mais uma plataforma no jornalismo, os blogs de notícias. Não que a iniciativa fosse pioneira, já que nos EUA alguns jornalistas já se aproveitavam dessa ferramenta; mas no Brasil, a idéia de um blog se tornar um veículo independente de notícias ainda estava longe de ser aceita.   Hoje, o Blog do Noblat é um dos mais visitados e respeitados do Brasil. Recentemente faturou, pela segunda vez, o Prêmio Comunique-se, na categoria Jornalista Nacional ? Blog. Nesta entrevista exclusiva, que comemora o lançamento do Portal dos Jornalistas, ele conta detalhes do nascimento de seu blog bem como do preconceito dos demais colegas que enfrentou na época, os casos interessantes, furos, a relação com os políticos etc..   Noblat começou na profissão na sucursal de Recife do Jornal do Brasil e ao longo de quase 45 anos de carreira passou por Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Veja, revista Manchete, IstoÉ e atualmente mantém uma coluna semanal em O Globo, além de seu blog, é claro.   Portal dos Jornalistas ? Como é sua rotina de trabalho?Noblat ? Todos os dias vou dormir de madrugada, entre 3h e 4h, mas já teve época de eu dormir invariavelmente entre 5h e 6 horas. Aproveito as madrugadas para fazer o clipping dos jornais que circulam no dia seguinte. São vários os que leio para separar o mais importante. Eventualmente uma daquelas matérias pode inspirar algum comentário.   PJ ? Você já tentou mudar essa rotina?Noblat ? Já. O problema é que os leitores se acostumaram dessa maneira. Eu me arrependo profundamente de ter inventado isso, mas lá se vão uns seis anos desde que comecei a fazer esse clipping de madrugada. O leitor se habituou a abrir o blog logo cedo e já ter alguma coisa pra ler. Se eu deixasse pra fazer isso durante o dia, provavelmente eles só teriam notícias do dia anterior.   PJ ? Como surgiu a idéia de fazer um blog?Noblat ? Foi uma coisa acidental, não teve nenhum grande mérito não. Eu estava fazendo uma página sobre política nacional em O Dia, em 2004, e me queixava que as informações que eu apurava no começo da semana envelheciam e não podia aproveitá-las na página dominical. Aí um colega de O Dia Online, o André Falcão, falou pra eu fazer um blog. O problema é que eu nunca tinha entrado num blog na minha vida, eu ouvia falar que era um diário de adolescente. Então ele começou a citar alguns jornalistas nos EUA que já estavam fazendo disso um meio de distribuição de notícias, de informação, e ele mesmo desenhou a página, me hospedou no iG, que era quem hospedava O Dia, e eu comecei a jogar lá as notícias que eu sabia não se sustentariam até o domingo.   PJ ? Como os mercados jornalístico e político receberam essa ideia?Noblat ? No começo eu tinha dificuldade para conseguir credencial, as pessoas não sabiam o que era blog, achavam isso uma coisa esquisita, estranha. Não tive problemas com as fontes porque já moro e trabalho em Brasília desde 1982; nunca tive. O cara podia não saber direito o que era aquilo, mas os políticos são muito espertos; eles sacaram o negócio mais rapidamente do que os próprios jornalistas, começaram a enxergar o potencial, até porque são alvos constantes de comentários e críticas, então ficam muito atentos a esse tipo de coisa. Quem demorou mais para aceitar foram os próprios coleguinhas, que não davam muita bola, achavam que isso era jornalismo de segunda, de terceira categoria, que jamais se faria jornalismo assim e que blog jamais seria um veículo jornalístico. Isso eu ouvia muito.   PJ ? Hoje essa visão é diferente?Noblat ? Acho que nem existe mais essa visão. Talvez em alguns mais velhos e implicantes.;Em geral não tem não. No começo, sim, havia mais preconceito de jornalistas do que de outras pessoas. Os leitores não estavam nem aí, mas os jornalistas depreciavam e minimizavam o trabalho, descartavam, enfim, a possibilidade de isso se tornar uma coisa importante.   PJ ? E o blog acompanhou a página por muito tempo?Noblat ? Na verdade, depois de uns três meses O Dia mudou de direção e acabou com várias coisas, inclusive com essa página no jornal. Foi quando eu achei que o blog não fazia mais sentido, já que na minha cabeça ele era caudatário da página e não o contrário. Cheguei a me despedir dos leitores, avisando que estava caindo fora, acabando com o blog porque a página do jornal havia acabado. Foi então que vários leitores me incentivaram a continuar produzindo o conteúdo, pelo menos até eu arrumar um novo emprego. Eu continuei fazendo e isso acabou virando meu emprego.   N.R.: ?Durou pouco mais de dois meses a participação de Ricardo Noblat em O Dia, com a coluna política que assinava nas edições dominicais do jornal. Noblat foi comunicado pela nova direção que a coluna está cancelada. Como se sabe, sua chegada se deu pelas mãos da ex-diretora Ariane de Carvalho, que deixou o cargo na última semana. Noblat esteve nesta 2ª.feira (7/6), em SP, participando de mesa-redonda sobre o tema A comunicação pública, que marcou o lançamento do curso de Pós-Graduação em Comunicação Pública, da Escola Superior de Propaganda e Marketing.? (Jornalistas&Cia ? Edição 441 ? 9 de junho de 2004)   PJ ? Um emprego rentável? Noblat ? No começo, não. Trabalhei quase um ano de graça sem saber que estava trabalhando. Eu era um produtor gratuito de conteúdo. Depois de um ano me dei conta disso e então cheguei pro pessoal do iG e falei: ?Ou vocês me pagam ou eu vou para algum outro provedor?. Então, fiz um contrato com eles e o blog começou a virar o meu emprego de verdade.   PJ ? Nessa época da saída de O Dia, como andava a repercussão da página?Noblat ? O blog se beneficiou muito do escândalo do mensalão em 2005. Como naquela época não havia outro blog político, com atualização diária, nadamos de braçada por pelo menos seis meses, praticamente sem concorrência. Aliás, eu não tive concorrência por quase um ano e meio, foi só depois que começaram a aparecer outros blogs.   PJ ? Inicialmente sua página em O Dia pautava seu blog. Hoje é ele que pauta sua coluna em O Globo? Você segura informações para a coluna?Noblat ? Não, eu raramente seguro alguma informação, até porque em O Dia era uma página de notícias, tinha um comentário de abertura, mas o resto era notícia. A coluna em O Globo, na 2ª.feira, pode e deve ter notícia, mas seu principal foco é o comentário, a análise. Claro,no blog há espaço suficiente para você fazer análise todo dia, quantas vezes quiser, mas não colide tanto quanto colidia quando eu fazia esse trabalho em O Dia.   PJ ? Em todos esses anos, qual foi ou quais foram os assuntos que geraram maior repercussão?Noblat ? Foram vários, mas o próprio mensalão foi um assunto muito polêmico. Em todos esses grandes momentos da política, como eleições, o blog estoura. Nesses momentos cresce não apenas em audiência, mas também em importância.   PJ ? Algum fato curioso ou engraçado que tenha te chamado a atenção nesse período?Noblat ? Me lembro quando anunciei em primeira mão que o ministro José Dirceu ia pedir demissão, que sua saída ia ser anunciada na Chefia da Casa Civil, em uma hora mais ou menos. A mulher dele na época me telefonou e disse: ?Noblat, você deve estar maluco, o Zé almoçou comigo agora, saiu daqui pro Palácio há pouco tempo e não tem nada dessa história de pedir demissão. Você não acha que se tivesse eu estaria sabendo??. Em uma hora a demissão dele foi anunciada!   PJ ? E qual a importância do episódio do ?foda-se?(*) do Lula para a divulgação do blog?Noblat ? Ali foi a primeira vez em que o blog foi citado em discursos na Câmara e no Senado. Claro que os que o mencionavam no discurso não diziam exatamente o que havia sido dito. Davam a entender que havia sido uma frase forte, mas não reproduziam o conteúdo dela. Mas ali, com certeza, o mercado começou a conhecer.   PJ ? E como é o relacionamento com outros blogueiros? Há alguma troca de ?figurinhas??Noblat ? Não, na verdade há muita competição. Não que eu ache que deva ser assim, mas até que é bom, porque o leitor ganha com isso. O que eu faço ? e poucos outros fazem, talvez por orientação de suas empresas ou deles mesmos ? é sempre dar o devido crédito quando reproduzo o conteúdo de outros blogs e sites. Isso porque, desde o princípio, entendi que meu blog é um espaço de noticias, preferencialmente políticas; mas quando há notícias boas eu dou, sejam apuradas por mim ou por outros jornalistas, desde que mereçam confiança, é claro.   PJ ? Você acompanha muitos outros blogs diariamente?Noblat ? Eu tenho por obrigação acompanhar todos aqueles que são mais aplicados em dar notícias do interesse do meu público. Além disso, passo o dia todo ligado, não só ao telefone, mas também no Congresso e em outros estados.   PJ ? Algum em especial?Noblat ? Nenhum em especial, eu acompanho vários blogs e os grandes portais em geral.   PJ ? Quantos posts chegam a sair em um dia?Noblat ? A média de 60.   PJ ? Eles são publicados apenas por você ou há outras pessoas em sua equipe?Noblat ? Geralmente tenho a meu lado um repórter. Nesse momento estou sozinho, porque o Erich Decat, que estava comigo, foi trabalhar no Correio Brasiliense e ainda não preenchi a vaga (Ver J&Cia 812). PJ ? Por estar numa plataforma em que os comentários são tão dinâmicos e rápidos, como você lida com as críticas?Noblat ? Se você não for capaz de ter uma certa dose de humildade para ser criticado e saber conviver com as críticas, para tirar proveito delas e ignorar as que pareçam profundamente injustas, melhor não ter um blog de notícias. É inevitável: a partir do momento em que você tem um blog, está sujeito a apanhar o tempo todo. Eu já me acostumei a isso, mas a sabedoria não está apenas em ter o couro grosso, saber que vai apanhar e conviver com isso, é tirar proveito dessa situação.   PJ ? E quando as críticas têm fundamento?Noblat ? Há sempre aquelas críticas que podem e enriquecem o seu trabalho. Muitas vezes você está escrevendo sobre algo e aparece alguém com uma leitura mais interessante do assunto, mostrando algum equívoco no que está dizendo ou analisando. Mesmo não escrevendo de imediato, você é capaz de ler aquilo de alma limpa e aproveitar muita coisa. Várias vezes repensei e reescrevi coisas a partir de comentários dos leitores.   PJ ? Como faz a moderação dos comentários?Noblat ? Eu tenho um moderador que lê todos os comentários publicados e caso algum deles fira as regras do blog é cortado. As regras estão publicadas claramente no menu. Desconfio que poucos leitores leem, por mais que eu chame a atenção para elas, mas estão ali todas as regras.   PJ ? Quais são as principais?Noblat ? Não pode caluniar, difamar, escrever em caixa alta todo comentário, como se estivesse gritando. Também não pode usar palavrão. Mas ao contrário dos outros blogs, em que só são liberados após passar pelo crivo dos blogueiros, no meu eles entram, o moderador lê e se ferirem alguma regra são cortados.   PJ ? E no Twitter, a moderação é mais complicada?Noblat ? No Twitter você pode até bloquear o cara para que ele não entre mais na sua página, mas isso eu faço muito pouco. Na época da eleição fiz um pouco mais porque estava muito pesado, aí os ânimos ficam acirrados e exaltados.   * Episódio em que o então presidente Lula, ao saber que seria contra a Constituição expulsar o correspondente do The New York Times Larry Rother, que havia escrito uma matéria sobre sua compulsão alcóolica, teria dito ?foda-se a Constituição? durante uma reunião fechada com o alto escalão do governo. Na época, Ricardo Noblat soube dessa declaração por uma fonte presente na reunião e a publicou em seu blog, o que teve grande repercussão.

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