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terça-feira, abril 23, 2024

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MediaTalks: Briefings do Governo são uma questão de transparências

Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia

Luciana Gurgel

Quebrar tradições não é coisa que encante os britânicos. Em junho, uma americana residente no país causou revolta ao postar no TikTok um vídeo ensinando a fazer o “British tea” com água aquecida no microondas, 1/3 de leite na xícara e o saquinho de chá entrando por último.

Para os veteranos que cobrem o Governo, porém, adulterar a fórmula do chá pode ser bobagem perto do plano da administração de Boris Johnson de reformular o sistema de briefings para a imprensa. As mudanças fazem parte de uma revolução no serviço público capitaneada pelo poderoso assessor Dominic Cummings, que atingirá também as equipes de comunicação, projeto revelado pelo Financial Times em 2 de julho.

A ideia é radical: transformar a partir de outubro os briefings da tarde em coletivas transmitidas pela TV, sistema semelhante ao praticado pelo presidente Donald Trump. Uma inspiração preocupante, considerando seus embates com a mídia. Os briefings da manhã continuariam internos, como atualmente.

Historicamente − e na Grã-Bretanha historicamente quer dizer muito tempo −, os briefings aconteciam duas vezes ao dia na Sala de Imprensa do Parlamento, prática que remonta ao século 19, reunindo credenciados do grupo Lobby, formado por profissionais dos grandes veículos. Dois assessores falavam de pé em torno de uma mesa, em off, sem câmeras ou telefones, esclarecendo posições do Governo e tentando influenciar os rumos da cobertura. De quebra, dando farto material para tweets exclusivos.

Em janeiro Johnson mudou os encontros para a casa contígua à residência oficial, em Downing Street 10. Houve protestos pelo temor de que jornalistas críticos fossem barrados, o que no Parlamento não aconteceria. Mas tudo havia se acomodado até surgir a novidade.

A exposição direta dos líderes do país à  população tem o potencial de impactar a percepção pública a favor do Governo. Falando diretamente, Johnson, ministros e assessores podem amenizar o peso das críticas e do confronto de suas posições com terceiros nas matérias editadas.

A proposta atraente foi testada com sucesso durante a pandemia do coronavirus. Um pronunciamento do primeiro-ministro anunciando o lockdown atingiu 27 milhões de espectadores pela TV e online, batendo o encerramento das Olimpíadas de Londres.

Transparência em questão − Ninguém chegou − ao menos em público − a classificar o plano atual de “crime”, como fizeram os críticos da moça do chá. Mas setores da imprensa se movimentam para interferir no formato.

Ian Murray, diretor da SoE (Sociedade dos Editores), disse em nota: “Se o objetivo dos briefings televisionados é proporcionar transparência, precisam ter duração suficiente e serem de natureza inclusiva para garantir que todos os jornalistas possam questionar o governo”.

O pessoal da mídia tradicional está desconfortável, mas há quem goste da ideia. O blog de direita Guido Fawkes vem há tempos pressionando para quebrar a hegemonia do Lobby.  Paul Staines, o blogueiro, não é bem um jornalista tradicional: foi RP de um coletivo que organizava raves e trabalhou no mercado financeiro, chegando a decretar falência pessoal em 2003. Mas não está sozinho na tese, que sequer é nova.

James Ball, autor do livro Post-Truth: How Bullshit Conquered the World, escreveu em 2018 um artigo no The Guardian propondo eliminar o sistema em nome da transparência. Disse ele: “A instituição do Lobby é dolorosamente ultrapassada. Nunca seria criada na forma atual nos dias de hoje”. Vai ser preciso equilíbrio para encontrar a fórmula perfeita.

“Chuva forte” − As transformações chegarão também à comunicação dos ministérios e departamentos oficiais. O Financial Times revelou que toda a interação com a imprensa será centralizada no Gabinete. E que haverá uma redução significativa de gente trabalhando nas áreas de Imprensa, que hoje superam quatro mil profissionais.

Como teria dito Cummings há alguns dias, em uma declaração provavelmente vazada mas não confirmada oficialmente, “vai chover forte em Whitehall”.

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