Por Álvaro Bufarah (*)
Quem diria que a velha pergunta “você ouviu o episódio?” ganharia uma continuação tão natural quanto estranha: “ou… assistiu?”. O movimento, que começou discreto, virou correnteza. Em 2025, podcasts de duas, três, cinco horas ocupam telas de TVs e celulares como se sempre tivessem sido feitos para isso. A questão, como provocou o Castnews ao ecoar uma reportagem do New York Times, é menos “por que tanto vídeo?” e mais “quem está vendo tudo isso — e como está vendo?”
A resposta, por enquanto, é híbrida. Em abril de 2025, um estudo da Cumulus Media com a Signal Hill Insights mostrou que quase três quartos dos consumidores de podcast reproduzem vídeos de podcasts (muito frequentemente minimizados ou em segundo plano), contra cerca de um quarto que fica só no áudio. Aproximadamente 30% admitem deixar o vídeo rodando enquanto trabalham e apenas “dão olhadelas” quando algo prende a atenção — uma escuta visual por osmose. A preferência, portanto, não é binária; é situacional. E vale para várias idades, não apenas para a Geração Z. Em números, o áudio ainda é o modo principal de consumo, mesmo com o avanço do vídeo. Ou seja: assistimos… ouvindo.
Do lado das plataformas, a virada é oficial. Em fevereiro, o YouTube celebrou 1 bilhão de pessoas/mês consumindo podcasts por lá — um marco que reposiciona a plataforma como o “canal de TV” da podosfera, especialmente porque o consumo migrou para a sala de estar: mais de 1 bilhão de horas por dia na TV e centenas de milhões de horas de podcasts assistidas nos televisores por mês. O resultado: patrocínios e formatos passam a exigir componente de vídeo com mais frequência, e o feed se comporta como grade — com recomendação, clipes, cortes e “programas de entrevistas” que lembram a TV a cabo de outrora.
No Spotify, a trilha é semelhante. Em meados de 2024, já havia 250 mil podcasts em vídeo, com 170 milhões de usuários tendo visto pelo menos um; quase 70% dos que consomem vídeo por lá o fazem “em primeiro plano”. Em 2025, a plataforma reforçou a remuneração de vídeos de criadores, sinalizando aposta de longo prazo no formato e acirrando a disputa com o YouTube. Se antes o podcast vivia no bolso e no fone, agora ele ocupa a TV da sala — e disputa a mesma atenção de séries e jogos.
O retrato não é só de crescimento; é de mudança de gramática. A narrativa longa, de estúdio simples, contraria o culto do clipe de 15 segundos — e, ainda assim, encontra público. Parte assiste de verdade; parte “ouve com a tela ligada”. É por isso que a estatística engana quando não esclarece o que conta como visualização (30 segundos? Metade do programa? Clipes recortados?). O próprio levantamento mencionado pelo Castnews alerta: há um abismo entre acompanhar quatro horas de Lex Fridman e ver dezenas de cortes no TikTok e no Shorts. A mesma etiqueta (“view”) guarda comportamentos muito diferentes.

Nessa crônica audiovisual, três peças estão se encaixando:
- Descoberta e alcance: o YouTube empurra podcasts como empurra músicas e vídeos; o algoritmo sugere, a audiência responde, e os cortes virais “reabastecem” o funil. Daí a sensação de que podcasts viraram televisão de baixo custo: cenários simples, conversas longas, carisma no centro. A Wondery (Amazon) não esconde a previsão: mais programas sobre comida e viagens — categorias queridas de anunciantes — ganham tração justamente porque o vídeo “mostra” o que o áudio apenas evoca.
- Hábito de consumo: o multitasking manda. O mesmo ouvinte ora assiste ativo, ora minimiza a janela e volta ao puro áudio. Na média, 58% ainda tratam podcast como áudio (mesmo em players de vídeo), e a maioria usa além do YouTube uma segunda plataforma favorita (Spotify ou Apple). A onipresença em telas não matou a intimidade do fone; apenas a colocou sob luz.
- Economia e produção: vídeo profissional encarece a barreira de entrada e pressiona criadores menores — um dos temores relatados por produtoras que fizeram escola no formato narrativo em áudio. Ao mesmo tempo, para quem já tem público, o vídeo abre novas janelas (literalmente) e diversifica receita. A sala de estar voltou ao jogo — e com ela os CPMs de “tela grande”.
E a crítica? Ela passa por clareza de métricas e pluralidade de formatos. Se tudo passa a ser contabilizado como “view”, corremos o risco de julgar o ecossistema por uma régua que ignora o valor do escutar sem ver. A força do podcast sempre esteve em permitir que a vida siga — trânsito, cozinha, treino, trabalho — enquanto histórias nos acompanham. Ira Glass, guardião de uma estética que o vídeo não substitui, lembra o óbvio que esquecemos: “Há poder em não ver”. O audiovisual amplia; não precisa substituir.
Ao fim, o podcast virou televisão… sem deixar de ser rádio. O público escolhe quando precisa de companhia na tela e quando só quer uma voz no ouvido. Para quem produz, a lição é dupla: explorar o vídeo onde ele soma (descoberta, distribuição, patrocínio) e proteger o coração sonoro do formato (roteiro, edição, ritmo, proximidade). Para quem mede, o desafio é separar clipe de capítulo, play de atenção, tela acesa de ouvido presente. Sem isso, confundiremos barulho com escuta — e audiência com ausência.
Fontes
- Castnews — “Do áudio ao vídeo: quem está assistindo a todos esses podcasts?” (21 jul. 2025), com base em reportagem do The New York Times e dados de Cumulus/Signal Hill. CASTNEWS
- Cumulus Media & Signal Hill Insights — Podcast Download: Spring 2025 (relatório e release). Confirma que áudio segue modo principal de consumo e detalha hábitos de “assistir ouvindo”. Cumulus Media +1
- YouTube (Tim Katz) — “Drop the Mic: 1 Billion Monthly Podcast Users on YouTube” (26 fev. 2025). Marco de audiência e posicionamento da plataforma para podcasts. blog.youtube
- Bloomberg — “A Billion People Are Watching Podcasts on YouTube Every Month” (26 fev. 2025). Cobertura do marco e contexto competitivo. Bloomberg
- The Verge — cobertura de living room e TV: “YouTube is now even bigger on TVs than phones” (2025) e “400 million hours of podcasts watched on TVs monthly” (2024).
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