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quinta-feira, abril 25, 2024

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Vídeo conta história da censura no Estadão

Estranhos na noite – Mordaça no Estadão em tempos de censura é o título do vídeo que José Maria Mayrink, repórter especial do jornal, concluiu recentemente ainda como parte das comemorações dos 140 anos do Estadão, completados em 4 de janeiro de 2015. Segundo ele, a ideia surgiu em 2014, de um encontro do diretor de Conteúdo Ricardo Gandour (em licença até o final de maio, fazendo pesquisas nos EUA) com o cineasta Camilo Tavares, da PequiFilmes, diretor do documentário O dia que durou 21 anos, sobre o golpe militar de 1964: “O roteiro de nosso filme foi o livro Mordaça no Estadão, que publiquei em dezembro de 2008, aniversário do AI-5. Terminei as entrevistas no primeiro semestre de 2015. Tiramos cópias em DVD para distribuição interna e testes. O jornal está montando um esquema de divulgação, para a segunda quinzena de janeiro. O link deverá ser acessível pela TV Estadão e pelo Portal Estadão”. Mayrink, também responsável pelo roteiro, entrevistou 27 pessoas e incluiu um depoimento próprio. A maioria dos entrevistados é de profissionais que trabalharam no Estadão e no Jornal da Tarde no período da censura do AI-5. Alguns foram presos e torturados, como Carlos Garcia, na época diretor da sucursal do Recife: “Todos foram testemunhas da repressão e sofreram suas consequências na redação. O ex-ministro Delfim Netto, o último a falar, deu uma bela e honesta entrevista, em contraponto. Outras contribuições importantes foram as das atrizes Eva Wilma e Irene Ravache, que falaram sobre a censura na cultura”. Os outros entrevistados são Carlos Brickmann, Carlos Chagas. Edmundo Leite, Fernando Mitre, Flávio Tavares, Gellulfo Gonçalves (Gegê), Hagop Boyadjian, Ivan Angelo, João Luiz Guimarães, Júlio César Mesquita, Ludenbergue Góes. Luiz Roberto de Souza Queiroz, Manuel Alceu Affonso Ferreira, Marco Antônio Rocha, Maria Aparecida de Aquino, Miguel Jorge, Oliveiros S. Ferreira, Raul Bastos, Ricardo Kotscho, Roberto Godoy, Ruy Mesquita Filho, Selma Santa Cruz e Sérgio Mota Mello. Bebeto Souza Queiroz, um dos entrevistados, publicou na comunidade eXtadão do facebook uma análise do vídeo que reproduzimos a seguir, com a devida autorização; A história da censura Recebi como “presente de Natal” enviado pelo Mayrink o vídeo Estranhos na noite – Mordaça no Estadão em tempos de censura, trabalho que sei lá quanto tempo ele demorou para produzir e que conta cronologicamente a história da censura, numa verdadeira aula de jornalismo. O vídeo, feito com entrevistas das principais “vítimas” da censura, inclusive este escriba, é um preito de saudade, e quase faz chorar a imagem do Gegê, velhinho, cantando com a voz de barítono de sempre Strangers in the night, para mostrar como ele “saudava” a chegada dos censores à redação. Mayrink conseguiu ir muito além da censura do Estadão, com o depoimento da Irene Ravache dizendo de como a censura afetou o teatro, com o Kotscho lembrando como o Estadão era proibido de noticiar fatos que saíam nos demais jornais, o depoimento do Sérgio Mota Mello, do Carlinhos Brickman, do Ivan Angelo, que teima em não envelhecer, do João Luiz Guimarães contando como o censor riscava as matérias e entregava a ele para que tirasse da edição, com o Carlos Garcia contando como foi torturado pelo Exército, o pavor que tinha do “gancho”, quando suas mãos, algemadas, eram penduradas num gancho a tal altura que os pés apenas tocavam o chão, para que contasse quem participava da “célula” comunista do Estadão. Um depoimento tão detalhado que, para mim, que várias vezes ouvi do Garcia a história de sua prisão, ainda havia muita novidade. A entrevista do Marquito, contando como Ruy fez questão de ir com ele quando foi preso no II Exército, a quem responsabilizou pela saúde do seu repórter, ganha vida quando a estória, que conhecia, é ouvida de viva voz, e mais viva ainda, quando Ruizito conta que na véspera teve que ceder sua cama, em casa, para o repórter ameaçado de prisão. A afirmação de Júlio Neto ao chefe da Polícia de que não era ele o responsável pelo que saía no jornal, mas o ministro da Justiça, cujos censores decidiam o que podia ser publicado, ganha novos tons no depoimento do Oliveiros, como também a saga do Flávio Tavares, exilado na Argentina e contratado por dr. Júlio como correspondente, com pseudônimo, é claro, e a afirmação de que a Polícia Federal sabia quem era “Júlio Delgado”, nome que assinava, mas não ousou fazer nada. Flávio Tavares retrata com precisão o apoio do jornal ao golpe, a decepção ao verificar que, em vez da levar à democracia, o movimento levou a uma ditadura e a decepção do dr. Julinho. Como contraponto, Mayrink entrevista Delfim Neto, que explica porque assinou o Ato Institucional nª 5 e que, nas mesmas condições, assinaria de novo. Firme ainda, apesar da idade, o arquiteto Hagop conta diante do prédio da velha redação como no dia das Instituições em Frangalhos aproveitou uma canaleta para entulho de uma obra dentro do jornal, que saía na Martins Fontes, para soltar uns 150 mil exemplares pela parte de trás do prédio, enquanto as “autoridades” fiscalizavam as docas de saída da Major Quedinho. Na capa do DVD, a fotografia de um dos censores, tirada à socapa por um dos fotógrafos do jornal, e o texto do dr. Ruy ao ministro Buzaid, “todos os que estão hoje no poder, dele baixarão um dia e então, sr. Ministro, como aconteceu na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, ou na Rússia de Stalin, o Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período”. O jornal no qual trabalhamos e que, como tudo, envelheceu, e envelheceu mal, encolhendo inclusive, renasce à medida que a peça de mais de uma hora aparece no vídeo. E meu próprio depoimento dá saudade de um tempo em que o repórter podia “aprontar” o que hoje é impossível. Eu conto no vídeo como chantageei o ex-ministro Cirne Lima quando, demissionário e a caminho do Rio Grande, ele pousou em São Paulo. Da porta do avião ele me pediu que contasse o que o Estadão estava publicando sobre sua demissão e a briga com Delfim, que a causou, e expliquei que não publicava nada, pois a censura impediu, mas que eu tinha na mão a página censurada, mas só a entregaria se me permitisse entrar no avião e seguir com ele e os gaúchos do seu “staff” para o Rio Grande. (Imaginem hoje, um repórter entrar tranquilo pela pista do aeroporto, ir até o avião, pois não havia “fingers” de embarque na ocasião e exigir ir a bordo.) O fato é que Cirne Lima concordou, fiz uma das melhores matérias de minha vida, mandei de Porto Alegre para São Paulo – pelas cabines de datilografia, vocês se lembram? – e o vídeo mostra o Góes contando como o censor cortou tudo e o jornal saiu com um grande anúncio da Rádio Eldorado na primeira página, onde deveria estar meu texto: AGORA É SAMBA. Sinto ter-me alongado, mas felizmente no eXtadão não há “copy” para enxugar a matéria e escrevinhei muito porque acho que todos que tiveram um dia o privilégio de trabalhar no jornalzão precisam efetivamente assistir à obra que o Mayrink deve ter muito orgulho de assinar.

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