Por Antonio Carlos Seidl

Sempre fui um grande fã de comédias. Um gênero que consagrou artistas hilariantes nas telas. Quem nunca morreu de rir com as comédias-pastelão, com as situações engraçadíssimas e surreais vividas pelo Gordo e o Magro, Carlitos, pelos Irmãos Marx, por Abbott e Costello…

Nos anos 1990, passei a incluir entre meus comediantes favoritos uma absolutamente improvável dupla, formada pelo mais longevo rei à espera do trono, o príncipe Charles, e pelo aclamado “comediante dos comediantes” da Grã-Bretanha, John Cleese, destaque do grupo britânico de comédia nonsense Monty Python.

Eu os vi contracenando num sketch de comédia soi-disant verde. Foi − segundo se tem notícia − o único ato de todos os tempos dessa singular dupla de estrelas. Num vídeo de 15 minutos, intitulado Grime Goes Green (Grime se Torna Verde), John Cleese faz o papel de um mal-humorado industrial, chamado James Grime. Na cena central da fita, ele rejeita a acusação de que sua empresa estaria poluindo o meio ambiente, mas é aconselhado por assessores a preparar a fábrica para uma iminente visita de inspeção a ser feita por um membro da monarquia britânica.

Em seguida se dirige, aos gritos, a um visitante sentado numa poltrona na sala de espera, que lê, encoberto pelo jornal bem aberto, bradando que não vai mudar sua empresa por causa de “monarcas bisbilhoteiros”. Grime para de gritar, constrangido, em meio a uma frase, quando o visitante abaixa o jornal, revelando ser His Royal Highness Charles Philip Arthur George, Prince of Wales.

Charles (terceiro, a partir da esquerda) e Cleese (extrema direita), com integrantes do elenco do filme

“Aquela importante visita real que o senhor estava esperando, o senhor acaba de recebê-la”, diz o príncipe a um envergonhado James Grime. E repreende o businessman poluidor, com humor seco, sarcástico, e uma expressão cênica à altura de um Buster Keaton, mas com voz:

“Se todos os empresários forem esperar uma visita real para pôr fim às suas atividades nocivas ao meio ambiente, nós não chegaremos a lugar nenhum… Cuidar do meio ambiente deve se tornar um componente fundamental da boa prática empresarial”.

O filme foi exibido pela primeira vez durante um almoço de lançamento do Guia do Empresário Verde, pela organização ambientalista Business in the Environment, presidida pelo príncipe Charles. Assim, Charles tornou-se o primeiro membro da família real a falar em um filme de ficção. A ideia foi dele, com o apoio de John Cleese, que àquela época produzia filmes humorísticos para treinamento de executivos.

Cleese disse que achava muito fácil representar um empresário: “Ser simpático, um tanto cruel e incompetente é a coisa mais natural para mim”, afirmou com seu característico tom sarcástico.

A pré-estreia do filme que uniu o Monty Python à Coroa, em defesa do meio ambiente, foi em 8 de novembro de 1990 no Hotel Café Royal, ou “The Café”, na Regent Street, um dos mais requintados restaurantes de Londres, predileto de muitos nomes famosos da vida britânica, das artes à política, entre eles, em tempos passados, Oscar Wilde e sir Winston Churchill, sempre saboreando charutos cubanos Romeo y Julieta e sorvendo champanhe Bel Roger.

Presente ao convescote como representante da Folha de S.Paulo, enviei reportagem para a Redação, que teve uma chamada na primeira página: “Charles vira ator contra a poluição”, ao lado de uma foto colorida do príncipe Charles contracenando com o ator John Cleese no vídeo ambientalista para empresários.

Em seu discurso, o príncipe Charles disse que a defesa do meio ambiente também é um bom negócio. E, num tom de advertência, afirmou: “As pressões para a tomada de medidas ambientais não vão cessar, e os custos da inércia poderão ser ainda mais altos, em termos da perda de negócios e de competitividade.”

Essas declarações foram publicadas em 16 de novembro de 1990. Muito tempo se passou, mas continua tudo como dantes no quartel d’Abrantes: corremos o risco de um holocausto ambiental, convivendo com uma realidade perversa de desastres ecológicos, descaso com a natureza, desmatamento, queimadas, poluição dos rios, efeito estufa, negligência das empresas e dos governos com o meio ambiente em todo o mundo… Exxon Valdez, Tokaimura, Deep Water Horizont, Ultracargo, Samarco, Vale, Mariana, Brumadinho … Três décadas depois, há algo mais atual? Nihil sub sole novum… (Nada de novo sob o sol)

P.S.: Exemplares de O beijo na calçada – Crônicas extraordinárias de um repórter ordinário, com dedicatórias exclusivas e frete grátis, podem ser encomendados pelo correio eletrônico do autor: [email protected].


Antonio Carlos Seidl

A colaboração desta semana é do jornalista e escritor Antonio Carlos Seidl. Ele acaba de lançar O beijo na calçada − Crônicas extraordinárias de um repórter ordinário, livro que reúne 40 textos independentes, dos quais selecionou para este Memórias a versão resumida de uma das crônicas.

Formado pela UFRJ, com mestrado na London School of Economics, foi editor assistente do Serviço Brasileiro da BBC de Londres, repórter e correspondente da Folha de S.Paulo em Londres e assessor de imprensa do HSBC Bank Brasil. É também autor de Do palácio ao bordel – Crônicas e segredos de um jornalista brasileiro em Londres (Grua Livros − 2018).

Nosso estoque do Memórias da Redação continua baixo. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

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