19.2 C
Nova Iorque
quarta-feira, junho 4, 2025

Buy now

Início Site Página 897

O homem do saco

Aquele senhor flagrado pela televisão roubando a medalha destinada ao jovem goleiro Matheus, do time de futebol júnior do Corinthians, na celebração da Taça São Paulo, nunca me enganou. Não foi exemplo para ninguém. É bom exemplo para a juventude surrupiar o prêmio maior de um menino às portas do mundo, que deveria ser saudável, do futebol brasileiro?

Aquele senhor está preso na cidade de Nova York, por corrupção por onde passou. Aquele senhor jogou no São Paulo e virou chefe político do bairro de Santo Amaro. Ali, fica o Largo Treze de Maio, um dos berços paulistanos do PT, reduto das primeiras manifestações contra a agonizante ditadura, aproveitando o fim do AI-5. Dele saíram as primeiras passeatas, rumo aos saques a supermercados, acampamentos no Ibirapuera e perigosas invasões de casas de armas. Volta e meia, a tropa de choque da PM se armava no Largo Treze para evitar estripulias.

Em um dia de calmaria naquele velho reduto, pedi ao repórter Wilson Marini, depois editor-chefe do nosso Correio Popular, de Campinas, e renovador de jornais pelo interior afora, que mostrasse como era a vida em dia de paz naquelas paragens. Repórter que gosta de gastar sola de sapato, só escreve se o texto cheirar a mato, pó ou poluição, encafifou com um velho mendigo, alto e andrajoso, que perambulava por ali carregando um saco de estopa.

Sai de um cômodo, enche o saco com papel velho, volta para sua toca e começa de novo. Vamos ler o relato do Wilson, rememorando aquele dia: “Foi das reportagens mais difíceis de escrever. Junho de 1981. De repente, estava diante de um ex-lutador de boxe, que vivia em situação de penúria, Jack Marin, ‘El Terrible’ dos anos 1930, campeão na Espanha. Fez mais de 100 lutas e perdeu poucas. Quebrava garrafas no queixo pontudo, sem se ferir. Apoiado numa cama de lençóis fétidos, mexia os pés no chão batido de um casebre de 12 metros quadrados. Ali estava um herói derrotado pela vida, aos 78 anos, enfiado num paletó preto carcomido. O que teria ocorrido com Jack Marin? Longos minutos de silêncio eram interrompidos por moscas que sobrevoavam uma pilha de pães ainda embalados, com as pontas comidas pelas formigas. De repente, descubro quem mandava entregar os pães todos os dias. O velho aponta para uma foto oficial do governador do Estado, José Maria Marin: ‘Esse aí é meu filho, um homem muito bom’, disse. No Palácio dos Bandeirantes, quando abriu o jornal no café da manhã do dia seguinte, Marin caiu no choro: ‘Me pegaram!’”.

Se você confia em políticos, ele confidenciou a amigos que aquilo era opção do próprio pai e que falharam as tentativas da família de recuperá-lo. Recusava o abrigo dos filhos. A história de Jack tomou uma página inteira do Estadão, apesar dos apelos do filho para manter escondida sua vergonha. Hoje, Jack dá nome a um clube-escola, no bairro da Aclimação. Liguei lá e um professor confessou que não faz a menor ideia de quem seja o patrono nem o filho do patrono. O Brasil também gostaria de esquecer quem é esse filho do patrono.

Marcos Rozen e André Barros deixam a Agência AutoData

Duas baixas importantes atingiram a Agência AutoData nesta semana: Marcos Rozen e André Barros, respectivamente editor e subeditor, despediram-se da publicação em 31 de maio. André estava na casa há oito anos. Começou como colaborador e repórter, tanto para a agência quanto para a revista, seminários e para a extinta WebTV, até assumir o posto de subeditor. Nesse período conquistou menções honrosas nos prêmios Abraciclo e SAE Brasil, respectivamente com as reportagens Sai da Frente e BMWi: fábrica sustentável em Leipzig. Antes, foi por dois anos repórter do DCI e teve uma breve passagem pela Agência Leya. À procura de nova oportunidade e trabalhos freelance, atende pelo 11-982-226-207 ou andrejbarros@gmail.com. Caminho diferente tomará Rozen, que decidiu dar um tempo no dia a dia das redações e dedicar-se integralmente ao MIAU (Museu da Imprensa Automotiva). O projeto, que ele criou em março de 2013, reúne press-kits, press-releases, fotos, livros, catálogos, revistas, anuários e memorabilia e deverá ganhar nos próximos meses uma sede fixa, além novidades que Marcos guarda a sete chaves. “Houve uma feliz confluência de acontecimentos que permitiram isso”, explica. “Há várias coisas de que ainda não posso falar, mas o fato é que o museu será uma empreitada profissional daqui para a frente”. Com isso, despede-se da publicação após 11 anos de casa, em sua segunda passagem. Nesse período, conquistou o Prêmio SAE Brasil, em 2008, e foi jurado do Prêmio Abraciclo em duas edições. Antes, passou por Scania, Matel e Printer Press, além de ter atuado por um ano como correspondente internacional na Europa. Seus novos contatos são marcosrozen@gmail.com e miau.museu@gmail.com.

Unesco seleciona jornalista

A Unesco procura um consultor na área de Comunicação para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. O candidato deve ser graduado na área, com experiência mínima de dez anos de atuação, quatro deles em atividades de planejamento estratégico em comunicação e no mínimo três anos em comunicação aplicada a mecanismos de participação social. Os currículos devem ser enviados até esta sexta-feira (3/6). Confira o edital.

A reinvenção do jornalista ? #8 Para ser Blaster

Mais de 940 mil autores em 34 países, produzindo cerca de quatro mil novas publicações por semana, para milhões de leitores. Esses números impressionantes são resultados da plataforma Blasting News. Blasting News se classifica como uma revista eletrônica totalmente independente, que adota a filosofia do jornalismo social, baseado em colaboração. Por ela, jornalistas, blogueiros ou qualquer pessoa que queira publicar um conteúdo – em texto ou vídeo – pode fazê-lo e ser remunerada por isso. Quem resolve aderir à plataforma passa a ser um Blaster. O compromisso com a qualidade é do próprio publicador, que é encorajado a se especializar em uma área de atuação. Tecnologia de ponta, com algoritmos próprios aplicados à mídia online, são a chave de sucesso do negócio. Cada material enviado é submetido a criteriosos controles tecnológicos e, cumprido tal requisito, é revisado por uma equipe de editores sêniores. Não há, porém, hierarquia de editor-chefe. A remuneração de cada Blaster – que pode chegar a 150 euros por publicação – é contabilizada de acordo com o número de visitantes únicos em cada notícia, semelhante ao modelo adotado pelo youtube. Material com mais qualidade, mais leitores, maior a compensação financeira. O incentivo aos mais lidos também vem na forma de “caneta de ouro”, selo atribuído mensalmente a quem se destacar pela qualidade e popularidade da notícia. Para cada país também é desenvolvido um ranking, baseado nos mesmos critérios. Blasting News foi criada em 2013 pelo italiano Andrea Manfredi. Graduado em Administração pela L Bocconi, na Itália, e com MBA pelo Insead, em Paris, Manfredi também fundou a Supermoney.eu, em 2010. Sua meta para a Blasting News é ambiciosa: fazer do mundo um lugar melhor, dando a todos a possibilidade de compartilhar suas ideias com um público global e de modo independente. No Brasil, a iniciativa chegou em novembro passado, com o inventivo André Zimmermann – ex-diretor geral da Havas Digital Brasil e Z +, empresário de mídia e cofundador de ADTZ LatAm, Smartclip Brasil e NetCos – à frente das operações no País. “Conheci o fundador, Andrea Manfredi, através da rede do Insead alumni, e vi a Blasting News crescer desde o começo”, diz André em entrevista publicada na própria BN. “Como ambos temos o mesmo passado como estudantes no Insead, compartilhamos uma visão internacional e uma abordagem analítica para a inovação”. Em fevereiro deste ano, Blasting News foi selecionada a participar da Digital News Initiative, do Google, que fomenta (com um total de US$ 150 mi!) projetos europeus capazes de abrir horizontes no jornalismo digital por meio de inovação e tecnologia. “Nosso objetivo com esse projeto [Blasting News for Europe] é dar a todos os editores europeus o poder do crowdsourcing, aproveitando o incrível network que se criou e a tecnologia inovadora que a Blasting News desenvolveu ao longo desses anos. Esta é a contribuição que a Blasting News quer dar para a indústria do setor”, disse Manfredi. Na prática, o que o Blasting News for Europe pretende é estreitar relações entre editores e jornalistas freelances que atuem em diferentes pontos do continente. Outra novidade da BN foi lançada no final de maio. É o programa Social Blasters, projeto que visa a “juntar os melhores jornalistas e criadores de conteúdo do mundo com os melhores influenciadores digitais e sociais, que são capazes de promover e viralizar excelentes conteúdos online”. O propósito é fazer com que o conteúdo circule pela web por meio desses influenciadores digitais, mantendo o foco no engajamento e compartilhando entre todas as partes envolvidas o lucro gerado. “É fundamental que o mundo do jornalismo não se limite apenas a criar conteúdo de alta qualidade, mas também gerar um alto nível de engajamento entre leitores. As editoras tradicionais ainda estão distribuindo o mesmo conteúdo para um amplo grupo de pessoas diferentes, no entanto, hoje existem muitas tecnologias que permitem que esse processo seja melhorado. Com essa revolução, queremos oferecer um sistema de maior qualidade e meritocracia, combinado com uma nova oportunidade de retornos maiores tanto para os jornalistas como para os criadores de conteúdo e os masters da mídia social”, disse Manfredi na coletiva de lançamento do projeto em Londres. Ideia, notícia, tecnologia, colaboração, integração… Tem de tudo nessa explosão. 

Estadão.com estreia canal sobre diversidade familiar

Acaba de estrear no portal do Estadão o blog Família Plural, novo projeto da editora do Caderno 2 Adriana Del Ré e de Claudia Pereira, também com passagens pelo Estadão. A página tem como objetivo ampliar os diálogos sobre pluralidade de gêneros e diversidade familiar. As autoras são mães solteiras e a ideia inicial era compartilhar experiências, alegrias e dificuldades com outras mulheres na mesma condição, mas, segundo elas, “a dinâmica da internet e das redes sociais abriu novas possibilidades”, e com isso o debate não se limitará apenas à condição de mães que cuidam dos filhos sozinhas, mas também de todas as formas de famílias que não se encaixam na tradicional: homem, mulher e filhos. A página debaterá conquistas alcançadas por casais homoafetivos; avós e avôs que trazem para si a criação dos netos; pessoas que decidem ter filhos sem um cônjuge etc.. O espaço, segundo as autoras, “servirá como um canal para contar histórias, tocar em assuntos importantes, trocar informações com o leitor. Afinal, família é onde nos sentimos bem, recebemos proteção, carinho e amor incondicional, independentemente de padrões ou fórmulas”. Mais informações e sugestões de pauta pelo familiaplural@estadao.com.

Três livros de Klester Cavalcanti vão virar filmes

Três livros-reportagem de Klester Cavalcanti, atual diretor de Redação do Diário do Pará, vão virar filmes em breve. Segundo Felipe Branco Cruz publicou no UOL, as filmagens de O nome da morte (2006) começaram há duas semanas, no Tocantins. Dias de inferno na Síria (2012) e A dama da liberdade (2015) também já estão encaminhados para o cinema. O primeiro, que conta a história do assassino de aluguel Júlio Santana, tem direção de Henrique Goldman (Jean Charles), roteiro de George Moura (Getúlio e Linha de passe) e elenco com Marco Pigossi, Fabíula Nascimento e André Mattos. Fernando Meirelles é o produtor executivo, ele que assina o prefácio do livro A dama da liberdade. Este, com a história da auditora fiscal do trabalho Marinalva Dantas, que libertou 2.354 trabalhadores escravos no Brasil em pleno século 21, já teve os direitos vendidos para a Paris Filmes, mas Branco informa que os nomes do diretor e do elenco ainda não foram divulgados. E o terceiro, que narra a prisão de Klester na Síria – onde ele esteve para fazer uma reportagem sobre a guerra e foi detido pelo exército daquele país –, terá direção de Caco Ciocler e Mateus Solano no papel principal.

Toffoli determina retorno de Ricardo Melo à presidência da EBC

O ministro do STF Dias Toffoli determinou nesta quinta-feira (2/6) a recondução de Ricardo Pereira de Melo à presidência da Empresa Brasileira de Comunicação. Exonerado do cargo pelo presidente interino Michel Temer, Melo ingressou com mandado de segurança – com pedido de liminar – em 17/5, valendo-se da norma que garante mandato de quatro anos ao presidente da EBC. “Para suspender o ato impugnado, até decisão final do presente mandado de segurança, garantindo-se ao Impetrante o exercício do mandato no cargo de Diretor-Presidente da EBC. Notifique-se a autoridade coatora para que preste as informações no prazo de lei. Após, voltem-me os autos conclusos, para apreciação da petição nº 26797/2016.”, afirma Toffoli na decisão liminar.

Especial Dia da Imprensa – Eta programa bom!

A exemplo de outras datas marcantes para o jornalismo brasileiro, o Dia da Imprensa, comemorado neste 1° de junho, todos os anos merece uma edição especial de Jornalistas&Cia, publicada também no Portal dos Jornalistas. E o conteúdo para essas edições busca sempre algum assunto relevante para a atividade e seus protagonistas, ou seja, nós, jornalistas. Este ano não foi diferente. Há cerca de dois meses, quando pensávamos sobre um tema para esta edição, ocorreu-nos abordar algo que trouxesse algum alento ao nosso combalido mercado de trabalho, ceifado que tem sido por sucessivos cortes. Mas esse algo seria exatamente o quê? Aí nos lembramos de uma Redação que foge ao usual em termos de longevidade e faz um produto de altíssimo nível, elogiado por dez entre dez profissionais da área, que, embora segmentado, tem público fiel em todo o espectro da sociedade: o Globo Rural. Qual o segredo dessa fórmula de sucesso? Segundo Humberto Pereira, que comanda o programa desde a sua criação, há 36 anos, não há segredo: o pessoal gosta muito do que faz e é fundamentalista no fazer jornalístico. Simples assim. Confira a entrevista dele e um pouco do dia a dia do programa:  Jornalistas&Cia – Como tem sido a audiência ao longo do tempo? Humberto Pereira – A audiência do Globo Rural tem perfil um pouco diferente dos demais telejornais, porque falamos antes de tudo para o agricultor brasileiro – pequeno, médio, grande –, para o homem que está no campo. Então, é natural que tenhamos no interior relativamente mais audiência de que nas cidades. Mas o programa é muito visto e muito bem visto também nas cidades. Em São Paulo, por exemplo, estamos atualmente com a média de 10 pontos, dependendo do domingo, pois quando tem Fórmula 1 o programa entra mais cedo e a audiência cai um pouco, fica um ponto abaixo. Isso na cidade de São Paulo. Em outros locais é diferente. Na década de 1990, por exemplo, o Globo Rural e o Jornal da Globo foram pesquisados em São Paulo, Curitiba, Londrina e Maringá. Em São Paulo e Curitiba, ambos tínhamos 12 pontos. Quando ia para Londrina, o Jornal da Globo continuava com a audiência dele, de 12, e nós íamos para 19. Em Maringá, que é um pouco mais distante, o Jornal da Globo continuava com 12 e o Globo Rural subia para 36. Naquele tempo já havia essa diferença de perfil. Quanto mais para o interior, a audiência proporcional ao share vai aumentando em relação a outros programas. J&Cia – Ele alcança o Brasil todo? Humberto – O mundo inteiro, porque como é programa de rede, entra na Globo Internacional também. Acho que falar nesse patamar de dois dígitos, de 10 pontos, na cidade de São Paulo é uma coisa extraordinária para um programa segmentado. A comida, a bebida, a roupa, tudo o que vem do campo, por mais universal que isso seja, ainda é um segmento, não é? J&Cia – Segmento forte. O programa é benquisto, não? Humberto – Muito benquisto. Se você pensar em termos de Brasil, nós todos, com poucas exceções, temos um determinado atavismo rural. Meu pai, meu avô, os imigrantes que vieram para cá, os italianos, não vieram de Roma ou de Milão, vieram da zona rural italiana, assim também os japoneses, os portugueses. Por isso o brasileiro tem essa raiz muito determinante no campo. J&Cia – Houve tempo em que o apresentador ficava lendo cartas. Como é isso hoje? Humberto – Mudou muito. Quando o programa começou, chegamos a ter a média de 270 cartas por dia. Houve assunto que gerou correspondência física, de envelope e papel, de 70, 80 mil missivas. Foi o caso de receitas, ou como a muda de acerola que fizemos com a Universidade Federal Rural de Pernambuco. Chegamos a receber carta de ministro da Agricultura, de ex-presidente da República. O Geisel [N. da R.: general Ernesto Geisel] escreveu para nós uma vez pedindo muda para a chácara dele em Teresópolis, carta pessoal. Naquele tempo recebíamos muitas cartas. J&Cia – Essas cartas estão guardadas? Humberto – Deve haver uma montoeira delas por aí nos arquivos, nos almoxarifados da Globo. Mas, à medida que o mundo foi se informatizando, esse volume de cartas diminuiu. Hoje, se recebemos cinco por dia é muito. Passamos a receber e-mails. O próprio site do Globo Rural dá ao telespectador acesso a várias informações dominantes dentro do meio rural. Por exemplo, em criação animal, vaca de leite, tem uma doença chamada mastite que é recorrente, existe desde antes do Globo Rural e vai continuar existindo depois. Então, o telespectador acessa, já tem determinadas alternativas às quais recorrer no sentido de resolver esse tipo de problema. Hoje temos um volume enorme de acessos pelas redes sociais também. O mundo das comunicações mudou. J&Cia – Há alguém aqui na redação que cuide especificamente desses contatos? Humberto – Não fica dentro da redação, fica no universo do G1. Uma pessoa que cuida do site do Globo Rural. Durante a própria exibição do programa é possível monitorar facebook, twiter, os comentários já vão aparecendo. E ainda temos cartas. J&Cia – E e-mails, são muitos, direto para a redação? Humberto – Muitos, muitos. Vão todos para uma central de atendimento ao telespectador e aí selecionamos alguns. J&Cia – Tem muita sugestão de pauta? Humberto – Sim, principalmente para seção de interatividade, que ocupa um bloco inteiro do programa. Ainda chamamos de seção de cartas, mas praticamente só recebemos e-mails. E selecionamos para responder no ar os assuntos mais universais, como a mastite, doenças virais do feijoeiro, o mosaico dourado do feijão, por exemplo. Selecionamos também os que têm mais apelo para televisão, pois não podemos esquecer da natureza do veículo. J&Cia – O que mais marcou o Globo Rural nesses 36 anos? Algum assunto que teve desdobramento muito grande na sociedade, por exemplo… Humberto – Houve alguns assuntos de muita repercussão. Lá no começo, no segundo ou terceiro ano do programa, fizemos uma boiada se deslocando do Pantanal mato-grossense para o Paraná. Quem acompanhou essa boiada foi o repórter Carlos Azevedo, que atuou na revista Realidade. Aliás, eu diria que a Realidade teve um papel muito importante na constituição e no jeito de ser do Globo Rural, até hoje. Paulo Patarra, que foi diretor de Redação da revista Realidade, foi chefe da Redação do Globo Rural. O programa foi lançado na administração do Luiz Fernando Mercadante, que também era da Realidade. José Hamilton Ribeiro, nosso repórter até hoje, foi da Realidade. Então, houve uma influência muito grande daquele tipo de jornalismo inaugural que a Realidade fazia, de criar pautas. Mas estava falando daquela boiada; aquilo foi uma coisa acompanhada com entusiasmo, com uma audiência fantástica. Naquele tempo as audiências eram maiores porque não havia concorrência da internet, do celular. A boiada se deslocava e semanalmente, no domingo, púnhamos o que tinha sido filmado. J&Cia – Quanto tempo durou esse deslocamento? Humberto – Mais de dois meses. Fizemos em 2006 outra epopeia dessas com uma tropa de mulas que trouxemos desde Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Houve uma reportagem anterior mostrando que a Argentina e o Uruguai produziam muares para o Brasil. De Cruz Alta eles vinham a pé até Sorocaba, Itapetininga, no interior de São Paulo. Foram vários repórteres. José Hamilton trabalhou na primeira parte, depois outros foram se revezando. Ao contrário da primeira, em que havia um repórter e só revezavam os repórteres cinematográficos. Houve um dia, por exemplo, que a boiada passou dentro da cidade de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul. No trajeto havia um bar, com televisão. Naquele momento, oito e meia da manhã de um domingo, a boiada estava passando na rua e ali na televisão, o episódio que havíamos gravado durante a semana anterior. Houve também um momento muito importante que foi uma campanha pela preservação do Pantanal feita em Campo Grande por um farmacêutico, Ascânio, já falecido. Discutia-se então a construção ou não de uma usina de álcool dentro do Pantanal. Segundo a visão do pessoal lá, a cana seria um fator de destruição do ecossistema e o Ascânio fez uma campanha de assinaturas para a preservação do Pantanal. Nós falamos no programa: “Quem quiser também subscrever esse manifesto pode mandar para a gente”. Foram milhares de cartas do Brasil inteiro, de gente contra a instalação da usina de álcool lá no Pantanal, uma campanha de meio ambiente muito boa. Nós, do Globo Rural, temos a sorte de trabalhar com o brasileiro do interior. E esse brasileiro é a matriz do Brasil geral. O fato de ouvirmos esse homem do campo e de fazermos da pessoa humana dele o principal veículo das mensagens que o próprio campo dá enriquece demais o programa. Temos pontos altos no programa quase que semanalmente. São seres humanos de uma riqueza extraordinária. Ter esse ser humano no primeiro plano remonta à herança dessa geração mais antiga, da década de 1960, da revista Realidade. O próprio José Hamilton é um mestre nisso, de ouvir as pessoas. Essa é a essência da reportagem. J&Cia – Tirar do personagem o que ele tem de bom… Humberto – Falando do jeito dele, com o sotaque dele. J&Cia – Vocês sabem quantas reportagens foram feitas até hoje? São quantos programas? Humberto – Número de reportagens não temos, mas o programa é numerado. O do dia 15 de maio é 1.865. Vamos completar 1.900 lá por fevereiro do ano que vem. Estamos chegando no programa 2.000. Mas houve um período de 15 anos em que tivemos também uma versão diária. O lançamento foi em 2001. Ele ainda persiste dentro do Hora 1, porque foi a equipe do Globo Rural diário que foi fazer o Hora 1. Ficamos com o semanal e com o Globo Natureza. J&Cia – O que explica a longevidade da equipe, fato incomum na imprensa brasileira? Humberto – Ricardo Kotscho também passou por aqui como repórter. De vez em quando a gente almoça. Ele diz que é a redação mais longeva da história do jornalismo brasileiro. Mas tem uma meninada nova aí, embora o núcleo seja bem antigo… J&Cia – Do primeiro programa até hoje quem está? Humberto – Gabriel [Gabriel Romeiro, chefe de Redação] veio um pouquinho depois. Lucas, seis meses depois. José Hamilton, um ano e meio depois. Eu conheço essa turma há mais de 30 anos. Ivaci estava no primeiro número. É um programa bom de fazer, é muito gostoso você trabalhar com o interior do Brasil. Quem está aqui acha melhor do que trabalhar na cidade e embora tenha muita viagem, muito safári, é uma paisagem muito bonita. O brasileiro do interior é muito interessante, o nordestino, o amazonense, o amazônida, essa parte toda dos imigrantes daqui do Sul, matriz do Brasil, Minas, Serra da Mantiqueira. Quando começou, quando fomos estabelecer o Globo Rural, eu disse pro Mercadante: “Cobrir roça é uma coisa que vai ser muito difícil, porque o setor agrário, agrícola, rural, é um setor menor na imagem de qualquer jornalista do mundo inteiro. Se a gente fizer a redação com jornalistas iniciantes, com pessoal que não está dando certo em lugar nenhum…”. E ele mesmo respondeu: “Aí não vai durar seis meses. Tem que colocar gente de primeiríssima qualidade aqui”. Foi aí que vieram o Paulo Patarra, o Lucas Bataglin, que já era professor da ECA, Carlos Azevedo… José Hamilton Ribeiro não tinha mais nada para provar como profissional, já era consagrado, tinha meia dúzia de prêmios Esso, veio por vontade, “eu quero é isso, vou fazer é isso”. Formamos uma equipe de muita qualidade, que só foi melhorando com o tempo, porque a própria televisão foi se aperfeiçoando. Era todo mundo de imprensa escrita e nos abeberamos muito da estética que foi criada pelo Boni. O Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho [N. da R.: dirigiu a programação da TV Globo de 1967 a 1997], teve uma influência muito grande, pegamos a época áurea dele. A Globo tinha praticamente dez anos quando ele estava criando aquela estética de qualidade que marcou a emissora. Em termos de televisão o Globo Rural caiu no melhor lugar do mundo para mostrar aquele momento. Mas o veículo veio evoluindo, saiu do filme, passou para o tape e hoje já está no disco digital, cartão digital, no HD, que é outra coisa que também favorece bem o Globo Rural. Se você tem uma paisagem bonita, com esse recurso de alta definição ela fica mais bonita ainda. Acho que por essas razões a gente acabou gostando e o time foi ficando, ficando, ficando… J&Cia – E quanto ao futuro, como vocês encaram o processo sucessório? Você falou em uma turma jovem, que está chegando… Humberto – Tem uma turma jovem, que está entendendo muito bem o programa, mas tem uma turma intermediária também. Porque não temos só gente de cinco e dez anos, temos gente de 15 no meio desses 36 do programa. Nessa faixa intermediária temos, por exemplo, Vico Iasi, que veio pra cá deve ter uns 20 anos. Vestiu a camisa do Globo Rural, entende como a gente a importância do setor. Ele não está aqui torcendo o nariz por estar fazendo boi. O José Hamilton tem uma história ótima, que conta com mais graça do que eu. Ele era diretor daquele jornal do Quércia, em Campinas, Diário do Povo. Zé era muito conhecido lá, fez muita coisa importante na cidade, fez até livro, do jequitibá rosa. Saiu de lá, veio para o Globo Repórter e depois para o Globo Rural. Um dia ele estava em Campinas e se encontrou com uma senhora que era a torcedora-símbolo da Ponte Preta, que conhecia muito bem ele, vivia lá na Redação para defender as cores da Ponte Preta. Encontra com ele na rua: “Sr. José Hamilton, que desgraça aconteceu com o senhor? O senhor era diretor do jornal do Quércia e agora está fazendo jornal de couve, de cebola, de boi, de vaca! Que desgraça, Sr. José Hamilton!”. Vejam como é o preconceito, eivado assim dentro das pessoas. J&Cia – Mas o Globo Rural contribuiu muito para acabar com esse preconceito, pelo menos no jornalismo… Humberto – Aí é que entra outro fator também. É importante acentuar que o Globo Rural começou quando a agricultura brasileira se transformou nisso que hoje se chama agronegócio. Foi quando esse avião decolou. A Embrapa acabara de ser fundada. Divulgamos muita coisa interessante de pesquisa de altíssimo nível, que é a pesquisa da Embrapa. E chegamos ao ponto de hoje, ter no campo, nos produtos – soja, laranja, café, milho, porco, açúcar, cana de açúcar, etanol – uma exuberância econômica fantástica. Viemos junto com isso e creio que tivemos um papel importante, na medida em que a Globo, principal rede de televisão do País, abre esse espaço para um programa segmentado como o Globo Rural, 15 anos de Globo Rural diário, e agora tem Globo Natureza, que não é propriamente urbano, embora tenha coisa da cidade também. Viemos junto com essa evolução, que passou da virada do milênio, das décadas de 1980 e 90, que virou essa potência que é hoje, o chamado agronegócio brasileiro. O Globo Rural também surfou nessa onda e participou desse processo. J&Cia – O serviço que vocês prestam é fantástico. A gente, que não é do campo, aprende um monte de coisas. Humberto – Internamente, quando o Globo Rural começou, na praça Marechal Deodoro, os nossos colegas do Jornal Nacional, do Jornal Hoje, apelidaram aquela redação de “mandioca news”. Hoje ninguém tem peito de chegar aqui e desprezar a gente. J&Cia – Mas você estava falando do futuro e da turma intermediária… Humberto – Eu, por exemplo, estou com 77 anos. O José Hamilton, com 80. Nós estamos saindo. Então, você pega o Vico, que está numa faixa entre 40 e 50, vestiu a camisa e quis fazer no mundo acadêmico uma tese sobre o Globo Rural. Foi fazer na Sorbonne. Fez mestrado e doutorado na Universidade de Paris. A tese de mestrado dele foi muito bem avaliada, foi considerada a melhor de estudante estrangeiro naquele ano, no departamento dele. Depois fez o doutorado. Ele tem uma visão mais importante do Globo Rural, porque estudou melhor, fez a tese e se aprofundou naquilo em uma universidade exigente, embora haja outras teses de estudantes brasileiros sobre o Globo Rural na Universidade de Milão, nos Estados Unidos. O Vico está ai para dar continuidade. E mesmo pessoas que estavam no Globo Rural diário e hoje estão no Hora 1 são standby nossos. J&Cia – Loucos para voltar… Humberto – Não é isso. Há um entendimento meu com a nossa direção, Mariano Boni e Silvia Faria, de recorrermos a esse pessoal quando precisarmos fazer a sucessão. É como naquela passagem do Riobaldo [N. da R.: personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão, Veredas], ele contando a histór
a: “Estou aqui, mas tem ali fulano e cicrano, está todo mundo em volta aqui, a hora que precisar a gente pega… “. Tem muita gente que já passou no Globo Rural, ficou dez anos aqui, que volta na hora se a gente falar. Há uma sucessão aí. J&Cia – Tranquila, no padrão Globo… Humberto – É claro que as coisas mudam. Eu sempre falo o seguinte: na hora em que entra uma pessoa nova, seja quem for, no Globo Rural, ela modifica o programa, pois todos os jornalistas aqui são autores, é um trabalho de muita autoria. Aquela menina ali, que acabou de levantar (aponta para Cristina Vieira), gaúcha, é uma jovem jornalista, trinta e poucos anos… Ela senta na mesma bancada que o José Hamilton, tem uma osmose que vai passando. Está prontinha para fazer 40 anos de Globo Rural, ouvindo gente. O Cesar, que é da idade dela… Eles descobriram uma coisa que é preciso descobrir, além do que se aprende na faculdade: descobriram que ouvir é a principal tarefa do Jornalismo. Essa é outra questão importante: nós trabalhamos aqui, denodadamente, com os fundamentos do Jornalismo. Somos até fundamentalistas demais nesse ponto, mas achamos que ainda é o melhor jeito de trabalhar. J&Cia – Em termos mundiais, onde há coisas parecidas com o Globo Rural? Humberto – Houve um tempo em que viajei muito para fora do País, para encontros, congressos, seminários para jornalistas de programas rurais em geral, principalmente aqui nas Américas, do Alaska até a Patagônia. Não há nenhum lugar em que eu tenha visto um programa com a expressão e a importância que o Globo Rural tem no espectro geral de cobertura, nem na Rede Globo. Não falo de cobertura local, porque aí há muita coisa boa. Em Guarapuava (PR), a cooperativa tem uma publicação, tem participação na televisão local. A coisa mais parecida que vi foi um programa só para o Estado da Califórnia, feito por um jornalista de etnia indígena, inclusive chamado Bill Evans, o mesmo nome do pianista. Mas era um programa patrocinado pela Federação da Agricultura da Califórnia, que é o principal em produção agropecuária nos Estados Unidos. Em Chicago tem um programa diretamente ligado à agricultura, mas que só faz a cobertura das cotações da Bolsa de Chicago, algo na linha Bloomberg, onde só se veem números: quanto está o trigo, quanto está a cevada, o milho. Dá aquela cotação inclusive com várias emissões durante o pregão da Bolsa de Chicago, mas é outra coisa, não é um programa cultural. J&Cia – Vem muita gente de fora visitar vocês? Humberto – Eventualmente. No ano passado teve uma delegação do Vietnã, já recebemos gente de Moçambique. J&Cia – Pessoal de televisão? Humberto – De programas de televisão… Na Europa há muitos programas também, mas a televisão europeia é inferior à brasileira, por incrível que pareça. Ou são muito setorizados. O pessoal da França gosta muito. Tem lá um organismo parecido com a Embrapa, chamado INRA, que conhece e gosta muito do Globo Rural. Eles têm feito alguns movimentos no sentido de nos encontrarmos com o pessoal de lá, porque acham que nós estamos um pouco à frente deles, na França. Em alguns países é difícil haver um programa como o Globo Rural. Por exemplo, na China e na Índia, porque eles têm inúmeros dialetos, idiomas até, diferentes, não existe uma televisão unificada como a nossa. Nos Estados Unidos são três redes nacionais que dividem também a audiência; uma delas tem um programa. Nos Estados Unidos, a preocupação dos programas de CBS, NBC e ABC é colocar um noticiário country, rural, dentro dos telejornais. O próprio York Times, quando teve uma grande crise no começo dos anos 2000, fez uma lista de providências que precisavam tomar para recuperar a credibilidade e um dos itens era esse: aumentar e melhorar o noticiário rural. J&Cia – Como vocês procuram cuidar do equilíbrio das pautas? Quando entra o milho a soja, quando entra o Sul e o Norte? Humberto – O Globo Rural também faz muitas reportagens fora do Brasil porque a linguagem do agricultor é quase universal. O agricultor no mundo já é globalizado, pela natureza do trabalho dele. Quando a gente põe, como já pusemos, um agricultor chinês criando porco, os porcos deles, o chiqueiro, o que o porco está comendo ou não, o criador de porcos de Santa Catarina entende só de ver, não precisa saber chinês. Uma criação de boi nos Estados Unidos ou uma plantação de beterraba na Bélgica… É uma linguagem universal. Mas vamos à nossa pauta: primeiro, não posso fazer um programa só em São Paulo. Até poderia, pois São Paulo tem tudo: o búfalo da Amazônia, a uva do Rio Grande do Sul, tem boi, café, borracha, a seringueira da Amazônia. Tem tudo, mas não posso fazer só em São Paulo. Preciso fazer a seringueira no Mato Grosso do Sul ou no Amazonas, tenho que fazer o búfalo na Ilha de Marajó, e por aí afora. Preciso ter na minha pauta e no meu espelho, a cada semana, a preocupação regional, além da sazonal. Por exemplo, estamos entrando na época da colheita do café. Não posso fazer agora o plantio do café. Não posso fazer agora o plantio da soja, pois está terminando a colheita de soja. E preciso ter a preocupação de não fazer um programa monocórdio, só de lavoura, esquecendo a pecuária. Se eu fizer um programa que começa com café, passa pra soja, vai pro milho e termina com laranja, estarei fazendo um programa errado. Preciso pôr um porco no meio disso aí, um frango ou uma galinha, um boi, tenho que botar um pouquinho de pecuária também. E, mais importante, o ser humano tem que estar sempre presente em tudo, o ser humano falando mais de que nós mesmos. Um ser humano técnico, pode ser um médico veterinário, um agrônomo, um professor. Porque há muitas escolas de ciências agrárias no Brasil. Essa é outra grande vantagem que temos: em qualquer Estado há sempre instituições de governo ou acadêmicas que cuidam de rural. J&Cia – Todas com as portas abertas? Humberto – Abertíssimas para nós. J&Cia – Como é que vocês conseguem evitar “entrar em canoas furadas” nessas pautas? Ninguém sabe tudo o tempo todo, novas tecnologias… Humberto – Nós não sabemos nada, somos jornalistas, somos metidos. (risos) Mas o que precisamos saber? Temos que saber diferenciar gramínea de leguminosa, um beabá. Como o jornalista de Esporte tem que saber a diferença entre volante e meia armador. Precisa ter um conhecimento mínimo, não é? Tanto que quando chega uma pessoa nova aqui ela vai primeiro passar por cinco ou seis sedes da Embrapa, visitar quatro ou cinco fazendas em locais diferentes, sem fazer reportagem. Só para ficar, como costumo dizer, sujando a bota de bosta de vaca. Para poder começar mais ambientado com a temática. Mesmo assim, o problema maior é mesmo a “canoa furada” de que vocês falaram. Às vezes um agrônomo, lá no interiorzão de não sei onde, não está atualizado, pode falar uma bobagem. Então, desde o primeiro Globo Rural temos a assessoria permanente de um engenheiro agrônomo e de um médico veterinário de alto nível acadêmico. Por exemplo, até o ano passado nosso médico veterinário, Enrico Ortolani, era diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, aqui em São Paulo; nosso engenheiro agrônomo, Chukichi Kurozawa, é o terceiro ou quarto de altíssima bagagem acadêmica e de experiência da Unesp de Botucatu. E eles participam toda quarta-feira de uma reunião que a gente chama de vídeo show, em que exibimos o material que vai ao ar no domingo. Só não entra material da atualidade, que é a nossa especialidade como jornalistas: “A Conab anunciou quarta-feira que a safra de grãos vai ter 202 milhões de toneladas”. Isso é problema nosso, nós temos que saber fazer isso. Todas as matérias estão também sempre à disposição na internet. E, por telefone, podemos fazer consultas sobre qualquer dúvida técnica. Mesmo assim, há assuntos que nem eles sabem. Se, por exemplo, entrevistamos alguém especializado em plantação de mirtilo e framboesa na serra de Santa Catarina, o agrônomo não tem obrigação de saber disso. Aí precisamos ter malicia, ver que a plantação dele está dando certo, falar com o agrônomo local e confiar nele. Também entrevistamos professores quando vamos fazer matérias em Lavras, Piracicaba, ou consultamos acadêmicos da Universidade Rural Federal do Rio de Janeiro, das federais de Pernambuco ou do Rio Grande do Sul, e assim por diante. E eles fazem vigilância cerrada. Se cometermos uma heresia numa reportagem técnica, pode estar certo que segunda-feira vem uma enxurrada de reclamações. Mas é raro acontecer. Às vezes há casos de ciúmes entre eles. Fazemos uma reportagem em uma universidade e outra fica com ciúmes. J&Cia – E temas delicados, como agrotóxicos. Como vocês trabalham essas questões? Humberto – Nós trabalhamos de uma maneira jornalística normal. J&Cia – Isso é muito cobrado, tem muita vigilância ou é tranquilo? Humberto – Não, o que fazemos é denunciar. No começo do programa não havia os mesmos cuidados de hoje, por exemplo. A primeira vitima do agrotóxico é o aplicador, ele está todo dia ali. Você vai comprar só semana que vem ou mês que vem um tomate em que já passaram agrotóxico, mas ele está diretamente ligado com o produto. Não havia EPIs, equipamentos de proteção individual, para o aplicador. No começo do Globo Rural, chegamos a mostrar no ar atestados de óbito recorrentes de gente que morria no Paraná por causa de um produto cujo princípio era Triflularina, e médicos denunciando. Chegando atestado de óbito, você tem que denunciar. Hoje mostramos também todos os cuidados que existem para diminuir o uso de agrotóxicos em tudo quanto é cultura. Mas é claro que há um grande lobby internacional para vender cada vez mais quantidade de tudo e o Brasil é um mercado muito grande para isso. Então, tratamos normalmente, com todo o respeito. Ouvimos os dois lados, ou os dez lados, mas é um assunto que tratamos sem militância. Nossa militância não é a do meio ambiente, não é a do WWF, ouvimos esse povo todo. Nossa militância é a do jornalismo. Por isso digo que somos fundamentalistas. O nosso repórter pode até ter uma posição pessoal, mas no exercício do trabalho, aqui dentro, a militância é a do jornalismo. Agora, morreu, a gente denuncia o que matou, foi isso aqui que o matou, foi porque não estava com a proteção, então tem que usar a proteção, ou foi porque não jogou fora os frascos usados, não colocou no lugar certo para descarte. Mostramos isso jornalisticamente. J&Cia – Hoje se fala muito de branded content. Esse negócio de você usar o jornalismo para fazer publicidade. Às vezes acontece isso em algum programa do Globo Rural porque foi sugestão de pauta de uma entidade? Qual é a política de vocês para o branded content? Humberto – Não há nenhuma ação de merchandising dentro do Globo Rural e nenhuma forma de eu colocar dentro de qualquer reportagem a promoção de qualquer produto. Tanto que dizemos, por exemplo: “Você tem uma marca comercial de um carrapaticida? Damos o principio ativo, que é usado por três ou quatro fabricantes. Mas há uma coisa inevitável: estou fazendo a reportagem numa fazenda e passa um trator vermelho lá no fundo. É que nem o repórter aqui da cidade: ele está numa esquina aqui e passa um Volkswagen atrás. Porque, no caso das máquinas agrícolas, os fabricantes são identificados pela cor. Vermelho é Massey-Ferguson, verde é John Deere, amarelo é Valmet e por aí afora. Agora, quando vamos fazer uma reportagem “aumentou a venda de tratores no primeiro semestre desse ano”, filmamos numa concessionária que tem o trator azul da Ford, em outra que tem o trator vermelho da Massey-Ferguson e em outra que tem o verde da John Deere. Pomos no mínimo três marcas. E checamos nas concessionárias se de fato aumentaram as vendas. Isso para não dar a impressão de que estamos falando que aumentou a venda do trator Ford ou do John Deere. Outro exemplo: nós precisamos de carros para trabalhar. Temos duas peruas Toyota e por acaso quem está patrocinando nacionalmente o Globo Rural é a Mitsubishi. Mas quando chegamos a uma agroindústria para falar do preço do frango, que o frango aumentou, citamos apenas uma vez: “Aqui na Frangosul…”. O resto é empresa, empresa, empresa… E se num mês estivemos em uma, no mês seguinte mudamos. Outra coisa: às vezes um fazendeiro tem um produto de marca: “O queijo grano padrano de tal fazenda”. Não posso ir lá e ignorar o nome da fazenda. Mas é uma coisa bem discreta, não estou fazendo propaganda do queijo dele, não filmamos a marca, nada. Mas no dia seguinte recebemos 17 e-mails perguntando: “Onde é a fazenda? Eu quero comprar aquele queijo?” Aí damos o telefone. É uma coisa que gera benefício, é inevitável. Vamos a uma fazenda onde tem um rebanho maravilhoso de reprodutores angus. Os telespectadores ligam para a central de atendimento pedindo o telefone, aí tudo bem. Não somos vendedores. J&Cia – O programa depende muito de recursos para viagens. Como é a briga de vocês por borderô? Humberto – Em primeiro lugar quero dizer que a Globo sabe que é um programa caro, porque depende de viagens. Não temos como fazer o Globo Rural dentro da cidade. Precisamos ir para as fazendas, temos que viajar. Ela sabe que o programa necessita de especialistas. As afiliadas nos ajudam nas atualidades, mas nas grandes reportagens não tem como, precisamos mandar gente com experiência, com malícia no setor. Temos que mandar o José Hamilton, todos os nossos repórteres aqui. Então, ela sabe que é caro. Mas nunca faltaram recursos para fazermos o Globo Rural que queremos fazer. O que está havendo no momento, em vista da crise, é um movimento de economia para o qual foram chamados todos os programas. Isso é geral. Então, na hora de eu fazer minhas opções aqui, tenho escolhido as mais econômicas. Por exemplo, uma equipe nossa que está em Rondônia, com Alberto Gaspar. É a terceira vez que ele passa uma temporada no Globo Rural. Uma viagem para Rondônia é cara. Tem que ir de avião. J&Cia – E ficar pelo menos uma semana. Humberto – Ele vai ficar 15 dias. E não vai fazer só uma reportagem, temos que aproveitar. Já que está lá, vai fazer café, piscicultura, respostas de cartas, vai fazer várias coisas. É o único jeito de otimizar a viagem. E outra: planejo essa viagem com uns 20 dias de antecedência, pois aí compro as passagens de ida e volta por um preço bem menor. Lá tem dois hotéis, um em que o apartamento custa R$ 300 a diária, e outro R$ 250; fica no de 250. Enfim, somos solidários com o esforço de economia, porque o faturamento de toda a mídia baixou, mas sempre ouvindo dos nossos diretores: “A economia não pode comprometer a qualidade do produto”. Temos tido amparo para fazer o que tem que ser feito. J&Cia – E a sua formação? Você foi padre, é isso? Humberto – Fui frade, frade dominicano. Fiz Filosofia, Teologia, como o Gabriel também foi. J&Cia – Fizeram juntos? Humberto – Fomos da mesma turma. J&Cia – Então é um conluio? (risos) Humberto – Depois fiz dois anos de Cinema, na PUC de Belo Horizonte, e voltei para São Paulo para fazer cinema, trabalhar em filme aqui, fiz o roteiro de Cléo e Daniel. J&Cia – Como você veio parar no jornalismo? Humberto – Eu mexia com jornalismo desde os meus tempos de frade, que nem o frei Betto, que também era calouro nosso lá no convento. Eu já colaborava com jornal em Belo Horizonte, O Diário, Estado de Minas, em 1967 e 68. Fazia crítica de cinema. Eu era aluno e em algumas cadeiras era professor da Escola de Cinema. Ainda lá fiz algumas reportagens para a revista Realidade, eu já era ligado ao pessoal da Realidade aqui. Fiquei em São Paulo até 1966 e em 67, 68, fui para lá. Voltei novamente em 1969. J&Cia – Você é de Minas? Humberto – Sou de Belo Horizonte. Quando voltei para cá, de 1969 em diante, trabalhei no Bondinho, com a turma de Sérgio de Souza, Narciso Kalili. Eu fechava lá Espetáculo e Arte, eu era dessa área. Tinha lá critica de livro, de filme, teatro, exposição de arte etc.. Nesse meio tempo acabei indo para uma produtora de cinema do José Pinto, a José Pinto Produções, onde fui diretor de produção. José Pinto, fotógrafo, que é meu compadre até hoje. A propósito, teve uma edição da revista Realidade que foi simbólica, de maio de 1968, o mês daqueles protestos danados, no mundo inteiro, da Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro. Naquele número tinha uma reportagem que fiz ainda como frade, chamada “O pecado está mudando”, e que buscava mostrar que o pecado não era mais sexo, masturbação, nem nada, e sim a injus
iça social, essas calamidades,

Conselho da EBC pede que STF decida sobre posse de Laerte Rimoli

O clima em Brasília é de incerteza política. Os acontecimentos dos últimos 20 dias geraram uma instabilidade que não atinge apenas os cargos propriamente políticos, mas também os de jornalistas que atuam na área pública – nomeados ou demitidos com as mudanças de comando nas áreas de Comunicação do Governo federal. Reunido em plenária extraordinária nessa terça-feira (31/5), sem a presença do diretor presidente Laerte Rimoli, alçado ao cargo pelo governo interino, o Conselho Curador da EBC pediu ao STF que dê celeridade em sua decisão sobre a legalidade da exoneração de Ricardo Melo. O colegiado afirmou, em nota, que espera manifestação do Judiciário “na urgência que as circunstâncias exigem, para que todos possam contribuir para a construção e o fortalecimento de um Brasil melhor, com uma comunicação mais democrática”. Também pediu a observância ao Plano de Trabalho da EBC aprovado para 2016. Durante a reunião foi deliberado, ainda, o envio de um pedido de esclarecimentos ao Governo Federal com relação às várias questões apontadas pela nota. Enquanto o Supremo não se pronuncia, Rímoli, desde que assumiu o cargo na EBC, baixa portarias de dispensas e nomeações de profissionais. Já houve mudanças em diversos cargos da empresa pública, assim como desfeitos contratos profissionais. Além da EBC, as mudanças políticas obviamente também promoveram verdadeira dança das cadeiras nas assessorias dos ministérios – que, por sua vez, sofreram um processo de enxugamento, com fusões, “desfusões”, extinções e muita confusão.  A incerteza pelo futuro do governo interino e dos comandos das casas legislativas e com os estragos políticos que ainda podem ser causados por áudios e delações premiadas da operação Lava Jato desautorizam quaisquer especulações sobre os destinos de profissionais e órgãos de comunicação da área pública federal.  O troca-troca no Governo Federal Não se sabe ao certo quantas foram as exonerações na EBC até agora. Além do mencionado, também deixou a empresa Tereza Cruvinel. Ela, que implantou e presidiu a empresa por quatro anos, afirmou que é “flagrante” seu afastamento como retaliação ao fato de ter-se posicionado publicamente contra a exoneração do diretor presidente exonerado Ricardo Melo: “Não procede o argumento de mudança na programação, porque o programa em que eu atuava como entrevistadora, o Palavras Cruzadas, vai continuar sem mim. A alegação de contenção de despesas também não se sustenta. Contratos de valor muito superior ao meu, com profissionais que atuam em outros programas, estão sendo mantidos. Então, se a razão é política, é perseguição, é macarthismo, algo absolutamente incompatível com a conduta de uma empresa de comunicação pública”. Tereza observa que, em 2007, à época em que implantou a empresa, a diretoria adotou como princípio sustentar a pluralidade de opiniões na programação e não tomar decisões com motivação político-ideológica: “O que está acontecendo é o inverso disso […] Muitas pessoas, fala-se em dezenas, que ocupam cargos comissionados estão sendo exoneradas porque são consideradas ‘petistas’ ou ligadas ao governo anterior”. O colunista e intelectual petista Emir Sader também teve contrato interrompido pela empresa. Outro que saiu foi Albino Castro, contratado por Américo Martins em agosto de 2015 para atuar como assessor especial da Presidência. Para substituir Albino, que teve passagens por SBT, Cultura e Gazeta, entre outras, chega Wilson Ibiapina, repórter e editor da Globo durante 20 anos e ex-assessor da Presidência da Radiobras. Juca Varella, que desde novembro ocupava a Gerência de Imagem da Agência Brasil, está voltando a São Paulo para, como publicou no facebook, “retomar aquilo que sempre fiz: o bom jornalismo”. Com 30 anos de profissão, passou por redações de Grupo DCI, Editora Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, onde foi editor de Fotografia. O novo secretário de Comunicação de Temer, Márcio de Freitas, também assumiu o Conselho Administrativo da EBC e substituiu três dos cinco principais diretores da empresa. Entraram Luiz Antônio, em Administração e Finanças, Lourival Macedo, no Jornalismo, e Maria Aparecida Fontes, em Produção. Outro que saiu foi o gerente executivo de Conteúdo Nicolas Tamasauskas, responsável por TV NBR e Voz do Brasil. Antes da EBC, Nicolas atuou como secretário adjunto de Imprensa da Presidência da República. Deixaram também a empresa, entre outros: Rosana dos Santos Ferreira, assessora da Diretoria de Conteúdo e Programação; Shirdeide Leite Barbosa, gerente de Produção de Rádio; Ana Cristina Viana de Melo, chefe de Gabinete da Diretoria de Conteúdo e Programação; e Marco Antonio de Amorim Monteiro, gerente de Radiojornalismo, no RJ. E foram nomeados pela nova gestão da empresa Luiz Recena Grassi, como assessor da Presidência; Eduardo Mancasz, como gerente de Produção de Rádio; Alberto Mendonça Coura, para a Gerência de Monitoramento e Análise de Mídias; Sirlei Batista, para a Gerência Executiva de Conteúdo e Serviços; Maria Cristiane Martins Ribeiro, para a Gerência de Radiojornalismo, no RJ; e Armando de Araújo Cardoso, para a Gerência Executiva de Agências da Superintendência Executiva de Agências e Conteúdo Digital. Nesse quadro de incertezas, a EBC deu início a processo de reformulação que inclui a reavaliação de todos os contratos com pessoas jurídicas. Segundo a empresa, o valor global dos acordos suspensos é de cerca de R$ 3 milhões ao ano. Levantamento preliminar revelou déficit em torno de R$ 60 milhões no caixa da empresa. “Diante do quadro de severa restrição orçamentária, a nova direção da EBC decidiu suspender alguns contratos por 120 dias, até que seja melhor definido o tamanho do esforço financeiro necessário para adequar a empresa ao ajuste fiscal que a crise econômica impõe ao conjunto do Governo Federal”, informou em nota. De acordo com a EBC, só o contrato com a produtora e o apresentador do programa semanal Espaço Público, Paulo Moreira Leite, por exemplo, custa cerca de R$ 570 mil anuais. A empresa ressaltou, ainda, que neste primeiro momento estão sendo suspensos sete contratos com pessoas jurídicas, enquanto a direção avalia a viabilidade de manter os compromissos financeiros.

Após saída de Cida Damasco, Estadão anuncia novos editores executivos

Estafe da Redação tem nova configuração após a saída de Cida Damasco

 

Com a extinção do cargo de editor-chefe do Estadão e a consequente saída de Cida Damasco do posto nesta quarta-feira (1°/6), o diretor de Jornalismo João Caminoto implementa nova configuração no estafe da Redação, que passa a ter cinco editores executivos, reportando-se diretamente a ele.

São eles: David Friedlander, que volta ao jornal, onde esteve de 2008 a 2013, após quase três anos atuando como repórter especial da Folha de S.Paulo; José Alberto Bombig, que desde maio de 2015 era editor de Política e foi agora promovido; e Ricardo Grinbaum, Luís Fernando Bovo e Fabio Sales, que já desempenhavam a função. Segundo comunicado de Caminoto, a coordenação do Estadão impresso ficará a cargo de Grinbaum, e a do Digital, com Bovo.

Ele informa também que editora executiva Luciana Constantino será transferida para a sucursal de Brasília, onde assumirá a coordenação de Política. Ela e a editora executiva Irany Teresa, coordenadora de Economia, responderão ao diretor da sucursal Marcelo Beraba.

Irany continuará liderando a equipe do Broadcast na Capital Federal, reportando-se à editora-chefe da AE Teresa Navarro. Uma curiosidade: os integrantes do novo comando do jornal, exceto Fabio Sales, também tiveram passagens pela Folha de S.Paulo

Últimas notícias

pt_BRPortuguese