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terça-feira, dezembro 9, 2025

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Sites jornalísticos são o principal alvo da CPI do Aborto em Santa Catarina

Em 26/7, foi aprovada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) a realização da CPI do Aborto, que vai investigar as circunstâncias da interrupção da gravidez de uma menina de 11 anos, vítima de estupro no Estado. Parecer da entidade aponta como os principais alvos da investigação sites jornalísticos que denunciaram o caso.

“Em que pese tenham se sucedido no âmbito do Poder Judiciário, no âmago de um processo judicial, a forma de condução e divulgação (vazamento) da audiência, com sua repercussão feroz na sociedade, traz a lume a viabilidade de investigação requerida”, diz o documento.

Cinco organizações defensoras dos direitos das mulheres enviaram uma representação ao Ministério Público Federal contra a CPI do Aborto. Segundo as entidades, os rumos da investigação mostram que os parlamentares que assinam o requerimento “se mostraram favoráveis aos obstáculos enfrentados pela menina para que tivesse acesso ao aborto legal e contrários a toda e qualquer mobilização que tenha contribuído para a efetivação do direito, como a atuação de jornalistas no caso”.

A representação diz que as declarações dos deputados são centradas em afirmações moralizantes e sensacionalistas sobre o procedimento do aborto, e que incitam a promoção da perseguição política contra jornalistas, médicos e advogados que lutam “pela liberdade de consciência, de expressão e de exercício profissional”. Além disso, as organizações temem que a CPI gere insegurança jurídica para pessoas que precisem do aborto legal no País.

A assessoria do MPF disse que o documento foi recebido e está sendo analisado.

Com informações do Portal Catarinas.

Globo muda protocolo e não terá repórteres “carrapatos” na cobertura dos presidenciáveis

Globo muda protocolo e não terá repórteres “carrapatos” na cobertura dos presidenciáveis

Ali Kamel, diretor de Jornalismo da TV Globo, anunciou à emissora e suas afiliadas uma mudança no protocolo de cobertura das eleições deste ano: não vai escalar repórteres “carrapatos”, que seguem os candidatos à Presidência para onde eles forem durante a campanha. É a primeira vez que a emissora abre mão do esquema.

Segundo apurou o Notícias da TV, a medida foi tomada devido aos cada vez mais constantes ataques e violências contra jornalistas por todo o País. Em relação à cobertura da campanha de governadores, a Globo analisará caso a caso, conforme o clima de polarização em cada estado.

Para cobrir candidatos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que constantemente atacam a Globo, a emissora recomendou que sejam escalados repórteres à paisana, sem identificação de microfones.

No caso da cobertura presidencial, será exibida a agenda diária de cada candidato com imagens e vídeos da internet. Os repórteres só gravarão os áudios para complementar as reportagens depois, longe das comitivas dos candidatos.

Procurada pelo Notícias da TV, a Globo não deu mais detalhes sobre os protocolos, mas declarou que “mesmo um cenário político tão polarizado não impedirá o trabalho legítimo da imprensa. A Globo fará, como sempre fez, uma cobertura das eleições com isenção e profissionalismo”.

Vem aí o 2º Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar

+Admirados de Saúde, Ciência e Bem-Estar: últimos dias para votar!

A segunda edição do Prêmio +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar teve início em 27 de julho. Fruto da parceria deste Jornalistas&Cia com o Einstein, a premiação de 2022 conta com algumas novidades.

A primeira, aliás, já se nota no próprio nome da premiação: de “+Admirados de Saúde e Bem-Estar” passa a se chamar “+Admirados de Saúde, Ciência e Bem-Estar”. É o reconhecimento da importância do Jornalismo Científico para a sociedade brasileira e para o próprio Jornalismo. Desse modo, profissionais e veículos que se dedicam a cobrir essa relevante área do conhecimento poderão receber indicações e disputar a premiação com os colegas das áreas de Saúde e Bem-Estar.

Não à-toa, a edição especial de Jornalistas&Cia em homenagem ao Dia da Imprensa, que circulou em 1º de junho, foi dedicada ao Jornalismo Científico, com uma ampla cobertura, abrangendo profissionais, assessores, fontes e acadêmicos.

A segunda novidade envolve a cerimônia de premiação, que, ao contrário de 2021, quando foi virtual em decorrência da pandemia da Covid-19, será presencial, em São Paulo.

O Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar elegerá, em dois turnos de votação, profissionais e veículos de comunicação dedicados a essas três áreas de atuação. Entre os profissionais, elegerá os TOP 25 Brasil e os TOP 3 das regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul. Na festa de premiação serão anunciados os TOP 5 Brasil e os campeões regionais, além de Colunista e Influenciador Digital. Já entre os veículos, disputarão presença no certame as categorias Agência de Notícias, Canal Digital, Podcast, Programa de Rádio, Programa de TV, Site/Blog, Veículo Impresso e Veículo Impresso Especializado.

“Esta segunda edição”, diz Eduardo Ribeiro, diretor deste J&Cia, “tem tudo para ser ainda mais relevante e agitada que a anterior, não só pelas inovações que traz, mas sobretudo pela valorização que essas áreas do jornalismo começam a ganhar com tudo o que tem acontecido no Brasil e no planeta. Contudo, é inegável que fazer uma homenagem dessa magnitude tendo o respaldo de uma marca como o Einstein é uma honra e uma responsabilidade imensas. E é por isso que vamos caprichar ainda mais na sua realização”.

Para Debora Pratali, diretora de Comunicação do Einstein, a iniciativa, mais do que frisar a importância do jornalismo de saúde, ciência e bem-estar, quer estimular o seu crescimento: “Esse prêmio é uma forma de reconhecer os profissionais e evidenciar seu valor para a sociedade. Além disso, tem o objetivo de destacar os veículos que mais investem na cobertura de saúde e ciência no País, para que sejam estimulados a cada vez mais dar destaque ao assunto. É esse bom jornalismo que busca, checa e entrega as informações sobre saúde, levando conhecimento, provocando debates, reflexões e gerando transformação. É absolutamente essencial”.

A eleição vai seguir até 1º de setembro – se você já quiser colaborar com o seu voto basta clicar neste link e preencher um breve cadastro. A cerimônia de premiação está marcada para 10 de outubro.

Caê Vasconcelos acerta com o UOL

Caê Vasconcelos despediu-se da redação da ESPN Brasil e assumiu como repórter de segurança pública e direitos humanos no UOL Notícias.
Caê Vasconcelos despediu-se da redação da ESPN Brasil e assumiu como repórter de segurança pública e direitos humanos no UOL Notícias.

 

Um conteúdo:

Caê Vasconcelos despediu-se da redação da ESPN Brasil após seis meses de contribuição e assumiu como repórter de segurança pública e direitos humanos no UOL Notícias.

Em suas redes sociais, ele agradeceu pelo tempo que passou na emissora esportiva e ressaltou o carinho que recebeu nesse período. “Foi uma honra fazer um monte de trampo zika nesse lugar − que sempre vou amar!”, disse.

Primeiro jornalista transgênero da história da ESPN Brasil, Caê foi o convidado de estreia do #diversidfica, videocast sobre Diversidade, Equidade e Inclusão no Jornalismo do Portal dos Jornalistas. A entrevista fez parte do especial Subjetividades, iniciativa que contará com a participação de seis jornalistas para discutir a diversidade na profissão sob a ótica de cada um.

O episódio já está disponível YouTube e nos principais tocadores de podcast.


O #diversifica é um hub de conteúdo multiplataforma sobre Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) do Portal dos Jornalistas e da newsletter Jornalistas&Cia. Ele conta com os apoios institucionais da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), International Center for Journalists (ICFJ), Meta Journalism Project, Imagem Corporativa e Rádio Guarda–Chuva.

Congresso da Abraji homenageará Marcelo Beraba e Angelina Nunes

Congresso da Abraji homenageará Marcelo Beraba e Angelina Nunes

Marcelo Beraba e Angelina Nunes são os jornalistas homenageados na 17ª edição do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que começa nesta quarta-feira (3/8) e vai até domingo (7/8).

Na sexta-feira (5/8), na versão presencial do evento, na Faap (SP), o Congresso exibirá o documentário Notas sobre investigação jornalística, durante a sessão #Abraji20anos: cerimônia de homenagens, das 16h30 às 18 horas. A ideia central é não só homenagear os dois jornalistas por seus trabalhos, mas também pela grande presença de colegas que foram influenciados por eles em redações de todo o País.

“São dois expoentes, dois símbolos de uma geração”, explica Katia Brembatti, vice-presidente da Abraji. “A trajetória profissional de ambos é entrelaçada pela história da Abraji, que eles ajudaram a fundar, 20 anos atrás – instituição que representaram e ainda representam muito bem. Mas é importante destacar que esta homenagem é prestada pelo imenso papel que esses dois profissionais desempenharam e continuam a desempenhar como jornalistas, nos brilhantes trabalhos que já produziram”.

Angelina e Marcelo unem-se a outros nomes que receberam a homenagem em anos anteriores, como José Hamilton Ribeiro, Joel Silveira, Paulo Totti, Lúcio Flávio Pinto, Rosental Calmon Alves, Tim Lopes, Marcos Sá Correa, Miriam Leitão, Kátia Brasil e Elaíze Farias, entre outros.

Angelina formou-se em 1982 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi repórter e editora assistente na rádio MEC (RJ), na TVE (RJ) e na TV Manchete (RJ). Fez parte dos jornais O Dia, como repórter de Cidades/Geral, e O Globo, atuando como repórter de Cidades e editora assistente da editoria Rio. Venceu em 2000 o Esso de Jornalismo na categoria Sudeste com a série Homens de bens da Alerj. É a atual coordenadora do Programa Tim Lopes da Abraji.

Beraba começou a carreira em 1971. Nos primeiros 14 anos, atuou como repórter. A partir de 1985 assumiu cargos de comando nas redações de Estadão, O Globo, Jornal do Brasil, TV Globo e Folha de S.Paulo, onde exerceu, entre outras funções, o cargo de ombudsman. É um dos fundadores e idealizadores da Abraji, entidade que presidiu entre 2003 e 2007. Recebeu, em 2005, em Washington, o Prêmio Excelência em Jornalismo do International Center for Journalism (ICFJ).

Repórter da Folha de Pernambuco é agredida por ex-vereador

Repórter da Folha de Pernambuco é agredida por ex-vereador

A repórter Pupi Rosenthal, da Folha de Pernambuco, foi agredida pelo ex-vereador de Petrolina (PE) Cícero Freire durante convenção da União Brasil em 31/7, no Clube Internacional do Recife. Ao se aproximar do palco, Pupi foi xingada sofreu empurrões do ex-vereador.

A repórter estava em uma área reservada para a imprensa que acabou sendo invadida por participantes da convenção. À Folha de Pernambuco, ela contou que, ao pedir licença para Cícero Freire, ele começou a gritar. A repórter tentou ir para outro local e o ex-vereador passou a empurrá-la com o cotovelo.

Quando Pupi reclamou, Freire a chamou de doida. Após a chegada de um segurança do evento, o ex-vereador teria aumentado os xingamentos e gestos obscenos contra a repórter. O político acabou sendo retirado do local.

Em nota, Miguel Coelho, candidato ao governo de Pernambuco pela União Brasil, solidarizou-se com a jornalista: “É inaceitável qualquer tipo de violência, menos ainda a uma jornalista mulher que cumpria apenas seu trabalho. Repudio totalmente tamanha agressão e ao mesmo tempo reforço minha solidariedade a Pupi Rosenthal e todas as mulheres e profissionais da imprensa que indiretamente se sentiram agredidas ao ver a cena lamentável”.

Leia também: 

Tiago Rogero lança projeto sobre história do Brasil pelo olhar afrocentrado

Um conteúdo:

Para mostrar como o passado explica o Brasil de hoje, Tiago Rogero lançará em 6/8 o projeto Querino, trabalho com olhar afrocentrado que conta a história do País por uma perspectiva negra. O projeto multiplataforma contará com um podcast produzido pela Rádio Novelo, reportagens na revista piauí e um site.

O Querino aponta tanto para a contribuição afro-brasileira quanto a ganância desenfreada dos escravizadores. Conduzido por uma equipe majoritariamente negra, a iniciativa foi idealizada e coordenada por Tiago Rogero, com apoio do Instituto Ibirapitanga e consultoria em História de Ynaê Lopes dos Santos.

Inspirado no The 1619 project, lançado pelo The New York Times em 2019, Tiago explica que as diferenças também vão ficar muito evidentes para quem ouvir. Primeiro, pelas diferenças históricas de formação dos dois países.

Em entrevista para o Portal Imprensa, Rogero contou que “o Brasil tem números de tráfico [de africanos] muito maior do que dos Estados Unidos. Das 12,5 milhões de pessoas que foram arrancadas do continente africano, 5,5 milhões tinham o Brasil como destino. Isso é 12 vezes maior em relação às pessoas que foram levadas para os Estados Unidos. O peso da escravidão lá [EUA] foi grande para formação do país e aqui foi ainda maior”.


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#diversifica – Especial: Subjetividades – Transcrição: Ep. 6 – Entrevistado: Erick Mota

#diversifica discute neurodivergências com Erick Mota

[ LUANA IBELLI / APRESENTAÇÃO ] 

 

Olá! Seja muito bem-vindo e bem-vinda a mais um episódio do #diversifica, um podcast sobre diversidade, equidade e inclusão no jornalismo. Vamos para o sexto e último episódio dessa série especial que se chama Subjetividades

 

Eu sou Luana Ibelli, e durante todo esse tempo eu pude conversar com jornalistas incríveis, que representam vários aspectos da diversidade nas redações, e hoje eu recebo mais uma pessoa pra falar de um tema que pra mim, pessoalmente, toca assim no fundo da alma, mas vocês vão entender porque ao longo dessa conversa.

 

Bom, o nosso convidado é um jovem profissional com passagem por grandes veículos. É um empreendedor incansável que ultimamente tem se dedicado a usar a própria experiência pra ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo que ele. 

 

Pra falar de neurodivergências, nosso convidado é o Erick Mota, seja muito bem vindo, Erick, obrigada por ter aceitado o nosso convite 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Ah, obrigado você, eu quero duas coisas de você, primeiro te agradecer por me chamar de jovem…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

…com 30 anos, as pessoas daqui tem… nasceu ali nos anos 2000 já nos chamam de tio e tia… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

E segundo, quero que você me mande essa apresentação pra eu usar nas minhas redes! Muito boa, inclusive [risos]. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Ai, que bom que você gostou, eu tô me esforçando, né, pra apresentar os nossos convidados porque é uma honra ter tanta gente legal aqui, pra falar desse tema, esse tema de saúde mental e neurodivergência é uma coisa bem importante, eu acho, né, hoje em dia, então eu tô com muita expectativa pra essa conversa. 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Eu tô com uma expectativa bem alta também, obrigado pelo convite. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Vou começar, Erick, pedindo então pra você se apresentar um pouco pra gente, contar um pouquinho da sua trajetória, o que te formou, esse jornalista que você é, e o que você tá fazendo hoje.

  

[ ERICK MOTA ] 

 

Claro, vamos lá! Bem, eu sou filho de baianos, eu sou baiano, uma surpresa até, quando eu cheguei aqui, apesar desse sotaque puxado, fui criado em Curitiba, mas eu sou baiano… Sou filho de uma manicure com um caminhoneiro… fiz faculdade graças ao FIES, não tinha dinheiro, como né… boa parte da população brasileira, e aí, a partir da faculdade, as coisas mudaram. 

 

Quando eu entrei na faculdade, eu resolvi que ia montar um blog que é o Regra dos Terços ponto com ponto br… porque, eu não tinha como fazer estágio. Eu precisava ter dinheiro pra me sustentar. E estágio, como todo mundo sabe, no jornalismo, não paga o suficiente pra você se sustentar. 


E foi nessa que eu percebi que eu tinha que fazer algo porque senão eu não ia poder entrar no mercado. E o que eu fiz então, eu criei o blog. Nesse blog eu cobria eventos culturais, e tudo o mais, relacionados a essa área, e foi aí que eu criei uma experiência.

 

Apesar de que desde os 16 eu já tinha webrádio, tá, essas coisas, porque, hiperativo… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

… sempre fui na onda da comunicação, webdesign, fotografia, sempre. 

 

Mas aí eu criei um site focado pra eu treinar o jornalismo, mesmo. E aí eu consegui o contato de um diretor de uma TV católica, TV Evangelizar, o José de Melo, mandei email, me chamaram pra uma entrevista, na hora eu lembro que perguntaram… 

 

Eu trabalhava como representante comercial, na época, e fazia faculdade de jornalismo, e tocava o meu site de madrugada. Então, tipo, dormia três, quatro horas pra conseguir tocar tudo porque eu sabia que precisava disso. 

 

…E aí perguntaram, você tem experiência? Eu falei, tenho. Produzo eventos, produzia mesmo… Faço coberturas, faço reportagens… Faço assessoria… Que eu tinha um amigo que era cantor, o W…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

…e eu ajudava ele [risos].

 

Mas na hora, ali, eu precisava me vender, né. Faço assessoria…

 

E deu certo! Me contrataram, então assim, eu consegui burlar o estágio, e enfim, terminando a facul-

 

Burlar no sentido de não precisar fazer o estágio, porque eu fiz o meu próprio site… o Regra, eu fui tocando desde então.

 

E paralelo a isso, terminando a faculdade eu consegui um trabalho na Band, aí eu passei pela Gazeta do Povo, aí eu fui pra RIC, que é a Record do Paraná, tudo isso em Curitiba… que foi quando a minha esposa foi transferida pra Brasília, eu fui, passei pelo instituto socioambiental, fiz uns freelas de editor no Correio Braziliense, no jornal mais popular que o Correio tem… que eu nem lembro o nome agora, como bom neurodivergente, eu esqueci…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Mas o jornal que pinga sangue do Correio Braziliense. 

 

[Risos] 

 

Depois disso eu fui pro Congresso em Foco, aí eu resolvi que eu ia fazer a chave do Regra dos Terços virar. Falei, agora o Regra vai dar dinheiro, porque eu preciso viver disso, porque eu tenho esse site desde que eu entrei na faculdade. Eu entrei na faculdade em 2014. 

 

E foi aí que eu comecei a atender alguns clientes que tinham a ver com a nossa pauta, e em dezembro do ano passado, a gente já tinha se associado à Ajor, que foi um divisor de águas na história do Regra… foi então que a gente conseguiu, através da Ajor, o primeiro edital, ter dinheiro, nisso eu já tava na Band também, tava como repórter de rede da Band em Brasília, e tocava o Regra… e aí eu pude parar de atender clientes no Regra porque eu não queria misturar, eu só tinha misturado jornalismo e atendimento porque era necessário… E como surgiu outra fonte de renda, eu separei, parei de atender clientes pelo Regra… voltamos pra Curitiba porque a gente ganhou os editais, eu e a minha esposa a gente ia pra fora do Brasil, tava tudo certo, tirando que ela deixou eu responsável por organizar os documentos… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Hum… [risos] 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

… E não deu muito certo. E aí a gente ia ter que submeter tudo de novo. Só que eu não consigo lidar com coisas burocráticas, e quando… 

 

Não é que eu não consigo, é que eu sou muito ruim nisso, e a gente vai explicar o motivo, que eu acho que a gente não falou.  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

E nessa, deu tudo errado, ficamos em Curitiba, e o errado deu certo, fiz mais uns frilas de apresentação pra própria TV Evangelizar, e agora, eu tô como repórter da Record lá do Paraná, e tocando o Regra, paralelamente, conforme dá, tenho o podcast Distraídos, que é um podcast sobre neurodivergência, por que? 

 

Porque eu tenho Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, como deu pra perceber através da minha história, famosos TDAH, por isso que eu sempre fiz tudo ao mesmo tempo e continuo fazendo até hoje. 

 

Essa é a minha história resum- 

 

Eu acho que eu nunca consegui resumir em tão pouco tempo, Luana! Olha só…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Pois é, olha…

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Você não se chama de Luana aqui, né? Você falou… você se apresenta como? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Luana Ibelli, é o meu sobrenome, porque tem que… é sério, a gente como profissional tem que assinar, né, o sobrenome ali… a gen-… [risos] 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

É muito bonito, Luana Ib- Vou começar a chamar…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Que bom… pode chamar de Luana também, né, que a gente se conhece de outras…

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Vou chamar de Lu… eu chamo… puxo logo pra intimidade, entendeu? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

Não, tá liberado, que aqui a nossa conversa né, vai ser mais tranquila, e a gente… não é como se a gente não se conhecesse, né, da internet, justamente de falar desses temas…  

 

Eu tenho uma curiosidade sobre o Regra dos Terços…

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Manda bala. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

… por que que chama Regra dos Terços? 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Regra da fotografia. Quando eu criei o Regra, era pra cobrir cultura, eu era aficcionado por cultura… 

 

TDAH tem uma coisa chamada… hiperfoco.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Hiperfoco. 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

O hiperfoco, pra quem não conhece o termo, o próprio nome indica já, né, é um foco hiper, ou seja, você tem um super, ultra foco em uma coisa, por isso o nome hiperfoco. E por um tempo o meu hiperfoco era cultura independente.

 

E como eu falei, com 16, 17 anos, eu já trabalhava como editor fotográfico, comprei minha primeira câmera com 18, então fotografia era minha paixão, é até hoje, e foi aí que eu resolvi criar o Regra… 

 

Cobrir cultura, amava fotografia, daí tem a regra dos terços da fotografia, na qual o objeto não fica centralizado e sim mais pra periferia da imagem… Eu não queria cobrir grandes bandas, eu queria cobrir banda independente. Foi aí, pra dar uma visão diferente…

 

E na época, o nosso slogan era Vendo a Vida por outro Ângulo. Inclusive é um slogan que eu ainda vou ressuscitar… Vendo a Vida por outro Ângulo, Veja Vida por outro Ângulo…

 

Porque a ideia era essa, não pegar o ângulo central, que a grande mídia coloca, e sim o ângulo mais periférico. E aí, surgiu o Regra dos Terços. 

 

Hoje a gente faz isso, mas hoje que a gente se profissionalizou, a gente faz isso através dos Direitos Humanos e a pauta da neurodivergência, também.      

[ LUANA IBELLI ]

 

Ai, muito bom. Tá vendo, a gente deu uma dispersadinha mas acho que faz parte aqui do tema. 

 

Você tava falando então do TDAH, né, vou aproveitar pra avisar também que eu também tenho TDAH, por isso que esse tema é tão importante, né… também tenho transtorno bipolar, posso compartilhar um pouquinho mais ao longo da conversa, né, então vai ser uma conversa meio nesse sentido, né, duas pessoas compartilhando um pouco dessa nossa experiência. 

 

Conta pra gente, Erick, como que foi esse diagnóstico de TDAH, né, como que surgiu na sua vida e como que você tem lidado com isso agora, se puder puxar um pouquinho pra esse lado profissional, né… 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

Claro. 

 

O TDAH, como ficou óbvio, sempre… vamos lá, primeiro ponto, pra quem nunca ouviu esse termo, TDAH não surge, ninguém vira TDAH, TDAH você nasce com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

 

Muitas pessoas falam erroneamente em TDA, sem o H, e tem gente que fala eu sou TDA, sem o H, não existe. Isso já caiu por terra. Comunidade científica já derrubou isso. Todo mundo que tem TDAH, tem o H. Por que? 

 

Porque, por mais que você não seja hiperativo fisicamente, você é hiperativo, no mínimo, psicologicamente. Mentalmente falando. Então, só primeiro esclarecendo isso. 

 

No meu caso, eu tenho certeza de que eu sou o tipo combinado, existem três tipos de TDAH, TDAH majoritariamente hiperativo, majoritariamente desatento e o combinado. Eu tive dois processos de diagnósticos e nenhum dos dois eu fui até o final pra… [risos] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

          

…identificar porque TDAH tem essa característica, a gente cansa. E quando a gente cansa, a gente larga.

 

Só não larguei o Regra porque é meu hiperfoco de vida é a comunicação. Mas eu quase larguei umas duas, três vezes. Porque a gente cansa, até das coisas que a gente ama.

 

E eu sempre com essa hiperatividade, sempre fazendo tudo, até que chegou um momento em que eu tive muita ansiedade, e eu entrei em depressão, em Brasília, já. Tive outros processos depressivos durante a vida e hoje eu sei que era um TDAH não tratado. E nesse momento que eu cheguei… nesse momento de depressão eu tinha acab- 

 

Pouco tempo depois que eu cheguei em Brasília, eu tava fazendo assessoria pra um lugar maravilhoso, incrível, um lugar assim, ó, de pessoas sensacionais, mas eu não gostava. Porque… Não é que eu não gostava do lugar, era muito pacato pra mim. Essa é a verdade.   

 

Era o trampo dos sonhos, pra qualquer pessoa, porque era um trabalho que eu podia terminar de almoçar, e ter uma hora e meia de rede, se eu quisesse. Era um lugar maravilhoso. Pessoas sensacionais, mas eu ficava muito quieto, e a minha hiperatividade, resultado, entrei em depressão, essas pessoas nem sabem, porque a culpa de longe nem é delas porque elas são incríveis, quero elas pro resto da minha vida…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

E aí, minha esposa olhou pra mim e falou, você vai fazer terapia, ela já tava falando pra eu fazer terapia há muito tempo, daí ela falou nã-nã-nã-nã… você vai fazer terapia, porque se você não fizer, eu vou ter que fazer pra lidar com você. Cabou, você vai fazer terapia. 

 

Hoje os dois fazemos, né.

 

E eu fui pra terapia, depois de um tempo, a terapeuta me indicou um psiquiatra, que eu, teoricamente, tinha ansiedade, isso é muito comum em quem é TDAH… tomei remédio pra ansiedade por mais um tempo, até que um dia, minha esposa conversando com a terapeuta dela, a terapeuta da minha esposa falou, essas características que você tá falando do teu marido, é coisa de TDAH. 

 

Aí ela.. tá…    

 

[ LUANA IBELLI ]

 

O que é isso? [risos]

 

[ ERICK MOTA ] 

 

…Amor, minha psicóloga disse que você pode ter TDAH, e já e me mandou um link da Alpin, isso aí ninguém sabe, acho que nem a Alpin, não sei se a Alpin sabe. Já mandou o link do tweet da Alpin… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Que legal.    

 

[ ERICK MOTA ] 

 

… e falou, lê esse tweet, ele vai te explicar. 

 

Porque eu acho que a terapeuta dela, deve ter… imagino, eu nunca perguntei isso pra ela, tem que perguntar, deve ter falado, pesquise e apresente pra ele porque ele não vai atrás, porque gente TDAH não vai de coisa chata. A gente não vai atrás. E aí… 

 

…A não ser que seja o hiperfoco da pessoa, né, gente, cada pessoa é um mundo…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É… 

 

[ ERICK MOTA ] 

 

…nem todos os TDAHs são iguais, vamos deixar as coisas claras.   

 

E aí a minha… eu li, cara… eu lembro da sensação assim de me emocionar e falar, sou eu. 

 

Assim, ó, me emociono já, eu sou muito chorão, gente… [risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Eu tive esse momento também, acho que quem não teve… 

 

[ ERICK MOTA ]  

 

E… eu olhei e falei, cara, sou eu aqui, tipo, tem alguém que sente o que eu sinto.  

 

E foi nesse momento que eu falei, tá, vou ter que ir atrás…

 

[voz embargada]

 

…porque… [risos]

 

Não tem nem vinte minutos de entrevista. 

 

[Risos, limpando lágrimas dos olhos]  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]  

 

Vou ter que… 

 

Porque isso mexe muito, cara. Porque a minha vida podia ter sido outra, se eu tivesse sido diagnosticado antes.

 

E foi nesse momento que eu fui atrás de saber. Eu fui num psiquiatra, dessa…

 

Porque eu já fazia acompanhamento, por conta do remédio de ansiedade, e eu cheguei pro psiquiatra e falei, cara, eu acho que eu…   

 

Ah, daí eu… TDAH, quando me ativou um negócio, uma chavinha, virou a chavinha, acontece o hiperfoco. 

 

E aí eu… [gesto de mergulho]. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Aí você quer saber tudo, ler tudo, e vira um especialista naquilo… 

 

[ ERICK MOTA ]  

 

Eu descobri sozinho o tal do ASRS-18, que é o teste pra TDAH, não conhecia ainda nenhum podcast sobre… [suspira]. 

 

E através disso, eu fiz, eu gabaritei assim, eu falei, cara, não é possível…sentei com a minha esposa, e fui fazendo, aí falei, ah, isso aqui eu sou um pouco, daí ela, não não não não não… muito! Acontece muito com você! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]  

 

É tipo, ah, tal situação, você age assim… não, não ajo assim…daí ela, age! [risos]. 

 

E foi aí que eu fui atrás, cheguei no médico, e já falei, doutor, eu acho que eu tenho TDAH. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]  

 

Aí ele falou, porque que cê acha?

Foi um outro médico, porque o que eu tava não prestava, porque senão ele teria me diagnosticado, não teria feito… desculpa o termo que eu vou usar, não teria feito o diagnóstico porco.

 

Que tem muito psiquiatra que não presta atenção nos seus pacientes. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim, infelizmente…

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Não tô falando contra a comunidade científica, deixar claro isso, não tô falando contra os médicos…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Mas é comum. 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

…mas infelizmente, a rotina… não tô nem culpando, não sei como é ser psiquiatra, mas tem muito médico que não liga pros seus pacientes. Foi o caso, o meu caso por anos… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Essa história é muito comum, né? O meu também. Eu fiquei anos até ter um diagnóstico também, e aí esse psiquiatra…

 

Eu também tive esse momento como você teve, né, de ler os sintomas…

 

Na verdade eu já fazia tratamento pro transtorno bipolar, que veio primeiro, esse diagnóstico, e aí um dia, conversando com o psiquiatra, muito atento, né, depois de ter passado por vários psiquiatra que não eram nada bons, esse era ótimo… 

 

E aí depois que eu estabilizei do transtorno bipolar, ele olhou pra mim e falou, eu acho que pode ter um TDAH aí… eu nunca tinha ouvido falar disso e tive esse mesmo momento, só que eu não achei um lugar afetivo, assim, eu fui direto no Google, e aí…

 

Olha, gente, apagou aqui o nosso telão, faz parte… [risos]

Daqui a pouco volta, mas vai ficar esse pretinho aqui… 

 

Eu me distraí agor- [risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Não, hoje tem dado muitas coisas… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Peraí que eu vou lembrar o que eu tava falando… é… 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Que aí, depois de um tempo, ele falou, pera… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Voltou aqui, o nosso… [apontando para o telão]. 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

…além do transtorno, você também pode ter o TDAH.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Isso, você pode… TDAH. Aí eu fui… achei no Google, um… também um trecho, falando, e me marcou muito porque tinha algumas coisas falando, ah, muitas vezes essas pessoas são tidas como egoístas, e como pessoas que não prestam atenção nos outros, nas demandas dos outros…  

 

E eu tava passando por um período assim, aquilo me pegou profundamente, só que eu saí num processo ruim, assim, do tipo, não é possível, eu já sou bipolar, vou ser TDAH também, o que que tá acontecendo, sabe? [risos]  

 

Até eu entender que, não, tá tudo bem, são coisas diferentes e faz parte…foi bem difícil.

 

Mas eu acho que a gente passa mesmo por esse processo, né, de rever a sua vida inteira sob essa nova ótica, né, porque a gente nasce, né…

 

O transtorno bipolar veio depois na minha vida, mas o TDAH sempre esteve ali de alguma forma, e foi muito impactante saber disso, e imagino que pra você também, né. 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Muito, muito! 

 

O maior impacto pra mim, na verdade, foi depois que eu comecei a tomar o remédio, né. Que aí, eu falei isso pro médico, ele fez várias perguntas, basicamente repetiu lá o ASRS-18, me deu… 

 

Tem várias formas, gente, de diagnóstico, a minha é uma forma que só eu tive, que eu nunca vi…

 

O meu primeiro diagnóstico, e depois eu fui investigar mais a fundo, não terminei pra saber a minha… qual que é a minha preponderância, mas enfim. Eu literalmente me dei por satisfeito quando ele falou, o segundo médico, neurologista, ah… pegou os exames de imagem, ah, você não é autista, você é TDAH. Eu olhei, e falei… Eu podia ser autista? Que eu nem sabia que tinha essa… que cê tava investigando isso, né. [risos]

 

Porque tem muita similaridade entre o TDAH e o autista. Muita…    

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim! 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

…muita similaridade, mas muita! 

 

E isso faz com que muitas pessoas confundam. Muitos autistas nível de suporte 1 são TDAHs e são diagnosticados, e vice-versa, por que? Muito médico não se aprofunda no paciente.     

 

Mas enfim, e aí eu cheguei pro médico, e aí ele me passou o remédio, a Ritalina, e falou, cara, esse remédio só vai funcionar se você for TDAH, porque a Ritalina ela só funciona pra quem tem TDAH. Inclusive, quem tá nos ouvindo e acha que a Ritalina vai aumentar a inteligência pra fazer um concurso, pare! Não vai aumentar a tua inteligência…     

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Desculpa. Você vai ter que estudar pra aumentar a tua inteligência. Porque a Ritalina, ela só funciona pro TDAH. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E nem pra gente aumenta a inteligência, né, na verdade ela facilita… ela facilita com que a gente consiga fazer algumas coisas, né…   

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Fez silêncio, Lu…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

O silêncio… é, a primeira vez que você toma o remédio é isso, parece que tudo… 

 

Nossa, é assim que a cabeça funciona? 

 

Eu sentia como se a minha cabeça fosse um rádio desregulado assim, sabe? Que uma estação entra na outra, você não consegue diminuir o volume, cê vai apertar o botão de diminuir o volume, ele não diminui. Aí de repente, o seu rádio está regulado, você pode desligar, você ouve as estações separadas, eu não sei nem explicar… [risos] essa sensação… 

 

Ou… outra sensação também que eu tive, a primeira vez que eu tomei o remédio… eu era um piãozinho, assim, sabe, um pião rodando, rodando, rodando, mexendo assim muito desgovernado, aí de repente, eu era um metrô… [risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

[Risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

  

…parando numa estação [risos] depois da outra… 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Muito bom!

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Não é essa a sensação? 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Muito bom, sim! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Foi essa a sensação que eu tive. Enfim… 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Cara, a mente do TDAH funciona assim, eu lembro que tinha vezes que eu falava pra minha esposa… 

 

Eu criei um nome pro que eu sentia, que depois eu descobri que existe, mas na época eu não sabia que existia, então eu chamava o que eu sentia desse nome, eu falava, eu tô com transtorno da mente acelerada. 

 

Existe esse transtorno, eu não tenho esse transtorno até onde eu sei, mas na época que eu nem sabia que existia eu tinha dado esse nome que foi o que veio na minha mente pra eu explicar, porque… 

 

Você tá falando comigo, e eu não… não é que eu não quero prestar atenção em você, eu quero muito prestar atenção em você, você tá me falando algo muito legal, Luana, e eu tô pensando… pô, o cara tá ali fazendo câmera de corte, ele tá fazendo corte, mas eu nunca vi mesa de corte…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

…com essas câmeras aqui, como será que ele conectou isso ali? Nossa, teve aquela vez que eu tentei conectar e deu prob- Será que nele deu problema?

 

E aí, no momento que a Luana vai respirar, eu falo, Luana, sabia que uma vez eu fui fazer uma cena de uma gravação de um filme… 

 

E a Luana fala… Erick, eu tava falando pra você que meu cachorro morreu… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

 …você não tá prestando atenção em mim. 

 

Porque é assim que funciona a mente do TDAH, ela não para, ela não para, é muita informação, é muita informação… aí quanto eu tomei o remédio, parece que… acalmou. 

 

Resolveu? Não, porque TDAH não tem cura, mas diminuiu. Se eu andava a 200 por hora… 

 

Os neurotípicos, acho que a gente vai entrar nesse tema daqui a pouco, os neurotípicos andam a 60, eu andava a 200, hoje eu ando a 120. É muito mais do que a média? É muito mais do que a média…  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

…mas eu já consigo fazer uma curva. 

 

Às vezes eu bato, às vezes dá até umas capotada, mas eu consigo fazer a maioria das curvas. 

 

Hoje, pra vir pra cá, eu mudei a minha rotina, deixei café em casa, que eu ia tomando pro trabalho, derrubei café no meu colo quando eu cheguei aqui, fiquei o dia inteiro com a gravata aqui no colarinho, o dia inteiro! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sem ver… [risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Eu tava contando pra eles… eu tava conversando aqui, eu fal- 

 

Aí eu peguei aqui, eu falei, o que é isso aqui? Eu tava com uma gravata, aqui, o dia inteiro… Eu gravei, Luana, VT, eu gravei matéria com a gravata dentro desse, dessa camisa aqui, desse suéter… porque eu não, eu comec- 

 

Eu lembro do momento que eu comecei a tirar, e tava trocando uma ideia com o cinegrafista. Aí eu não sei o que eu fiz naquele momento…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Deu um apagão… 

 

[ ERICK MOTA ]   

     

… porque isso acontece com o TDAH. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sei bem. 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Uma vez minha esposa me deixou na frente da gôndola pra pegar o arroz, fazendo as compras, ela falou, pega o arroz pra gente? Pego!

 

A gente que ganha pouco faz o que? Olha o preço. Eu tava olhando os preços. Corta pra gente no dia seguinte, cadê o arroz? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Cadê o arroz?

[ ERICK MOTA ]   

 

Não sei.

 

Mas eu deixei você na frente do negócio. 

 

Eu lembro que você me deixou. 

 

O que que cê fez depois? 

 

Não sei. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]   

 

É isso que é ter TDAH. Aí…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Entre muitas outras coisas, né, pequenos fragmentos da vida de um TDAH.

 

Erick, e no trabalho, assim, né… você teve esse diagnóstico tardio, né, a gente tá falando de meses, né, que cê falou em outubro de 2021, e aí você voltou, assim, né, pro jornalismo, você é repórter, hoje, de TV, como que você vê o TDAH influenciando na sua trajetória profissional? 

 

[ ERICK MOTA ]   

 

Pra mim influencia muito mais positivamente. Sendo bem sincero. 

 

Tem impactos negativos, óbvio, mas funciona mais positivamente, Por que? Como o meu hiperfoco é a comunicação, eu tenho uma facilidade muito grande pra me comunicar. Eu teria dificuldade de fazer o que você tá fazendo, seguir um roteiro. Mas se… 

 

Eu sentaria aqui e falaria com você sem ter roteiro. No máximo três tópicos. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Nossa, não consigo. 

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

E eu iria… então assim, facilita, por esse lado.

 

Como eu sou hiperativo, quando eu fui repórter de rede da Band em Brasília, eu era vídeorepórter, pegava a minha mochila, com todos os equipamentos, saía sozinho pro Congresso… saía lá suando, de terno e gravata, com o equipamento nas costas, arrumava o tripé, dava play e entrava ao vivo, e eu entrava pro Band News TV, pra Band News Rádio, Rádio Bandeirantes, TV Agromais, Band aberta…fazia VT, que é matér-

 

É, esse aqui é o Portal dos Jornalistas, todo mundo sabe o que é VT. 

 

[ LUANA IBELLI ]

    

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Fazia VT… 

 

E tinha dia que eu fazia mais de dez links. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Caramba. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Tem o VT e o link da TV aberta, vocês que… na TV aberta nacional, você escreve o texto, bate com o editor, você decora o texto e entra. Então, eu fazia tudo isso. 

 

E eu ouvia muito da equipe aqui de São Paulo, que era cabeça de rede, Erick, você é o repórter do Brasil que mais entra ao vivo. 

 

Então, pra mim, dava super certo. Por que? Eu não conseguia ficar quieto.

 

Eu tô aqui cobrindo a CPI da pandemia, tô cobrindo CPI da pandemia…começou a ficar monótono, pego o celular, que que tá rolando? Nossa, fulano falou isso… Deputado, isso aqui, é isso mesmo? Tá. Fulano, dep- Fulano falou isso, o que o senhor tem a dizer sobre isso? Tal coisa. Beleza, já batia mensagem… é… sei lá, Tati, que era a minha editora, beijo Tati, se você tiver vendo, saudades.      

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Que era a editora de São Paulo. Tati, tem esse assunto também. Erick, demorou, entra. Entrava, terminava, CPI da pandemia de novo, tá chato? Qual o próximo assunto? 

Então assim, eu levo um ritmo de produção que a maioria das pessoas… neurotípicas não aguentam, essa é a verdade. Seria quase o nosso superpoder, muitas vezes a hiperatividade. 

 

Agora, atrapalha? Às vezes que eu mais gaguejei na vida foi quando me botaram pra fazer link sobre o Ministério da Economia. Eu não gosto de economia, eu não entendo, balanço, superávit primário, sei lá o que, não sei isso. 

 

Então, o que eu fazia, eu tentava decorar alguma coisa e entrava com alguma decoreba horrível. Geralmente errada. Porque eu não sei fazer isso. E quando o TDAH não gosta…        

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Fica muito difícil, né?

[ ERICK MOTA ]

 

Pra o neurotípico fazer algo que ele não gosta, é chato. Pro TDAH é tortura.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

As pessoas não imag- 

 

Porque quando você não gosta, você não hiperfoca, você não se concentra, você não consegue. 

 

Eu acho que é importante, desculpa Luana, não sei se eu tô atropelando…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Não, pode falar. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

… mas eu acho importante a gente explicar. 

 

O que que é o TDAH? Vamos lá. O diagnóstico do TDAH. O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, ele é causado por uma deficiência no lóbulo pré-frontal do cérebro, que é a parte do cérebro responsável por criar, né, por produzir as enzimas de, da… noradrenalina, endorfina, e outras mais que agora sumiu da minha mente, como um bom TDAH, a gente esquece de muitas coisas, gente. 

 

[Risos] 

 

E aí, o que que esses… elementos bioquímicos fazem no nosso cérebro? Eles nos dão paixão, tesão pela… desculpa o palavreado…

   

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eles dão, é… vontade de fazer aquela coisa… Satisfação, essa é a palavra mais socialmente aceita. 

 

Satisfação por fazer aquela coisa. Então, como a gente tem satis- Quando você tem satisfação em olhar essa caneca, você vai olhar essa caneca com muito cuidado porque você tá gostando daquilo. 

 

Erick, mas eu não tenho satisfação em olhar a caneca, quando eu tenho que olhar eu olho, porque eu sou um adulto responsável! Algumas pessoas me diriam… que acham que o nosso caso é falta de responsabilidade. 

 

O que as pessoas não entendem é, não é que quando ela precisa fazer alg- 

 

Olhar uma caneca que ela não gosta, ela consegue, porque ela é incrivelmente focada. Incrivelmente responsável, não. É porque o cérebro dela entende a seguinte informação. Que depois que você olhar a caneca, essa tarefa vai estar concluída. E a sensação de uma tarefa concluída é uma sensação de prazer. Independente de qual for a tarefa. 

 

Então a pessoa, o cérebro da pessoa calcula isso e libera a endorfina pra ela se sentir microm- pouquinho satisfeita, com uma satisfação futura que ela vai ter, inconscientemente.

 

O nosso cérebro TDAH, como nós temos uma deficiência no lóbulo pré-frontal, de liberação desses elementos bioquímicos, a gente… o nosso cérebro não manda pra gente essa mensagem de, véi, parceiro, na hora que tu terminar, meu parça…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Vai ser muito legal…

 

[ ERICK MOTA ]

 

…vai tá de boa. Você se livrou desse B.O., e você vai tá de parab- 

 

Vai ganhar uma estrelinha na testa, que nem na escolinha. 

 

Nosso cérebro não manda essa mensagem. 

 

Erick, mas agora que você sabe, é só você pensar… 

 

Você não tá entendendo, meu amigo, não é racional o negócio.  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É muito difícil, né? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Então, eu acho que essa seria a explicação do que é o TDAH. Por isso que a gente não consegue se concentrar naquilo que a gente não tem prazer, e aí me atrapalhava. 

 

Me atrapalhava quando eu tinha que fazer algo, ou tenho, de um assunto que não gosto. Essa é a minha maior dificuldade do Regra… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E isso… é. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

… cuidar do administrativo, porque eu não gosto. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E isso faz parte da vida de qualquer pessoa, né, lidar com assuntos que a gente não gosta, mas pra gente é essa sensação de frustração, né, e de um cansaço muito maior pra fazer uma atividade banal, né… e enfim, é muito difícil de explicar. Você tava… 

 

Eu tava lembrando da minha vida de repórter, gente, fazendo link, eu já era muito ruim de lembrar, né, as informações. Então, assim, as pessoas costumavam falar que eu mandava bem, mas era muito aflitivo porque eu não conseguia lembrar as informações,  eu não decorava, eu não conseguia decorar texto, ou falava demais. 

 

Então sempre tinha que ter alguém aqui no ponto falando, Luana, tá dispersando, Luana, volta, Luana, já acabou o tempo! 

 

Uma vez, fechou o jornal na minha cara porque…   

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

…o editor não tava aqui no ponto, foi traumático…

 

Só pra dizer que cada um vai… vai se desenvolvendo, né, e eu não tenho só o TDAH, né, eu tenho o transtorno bipolar que tem outras dinâmicas também, mas assim, a gente vivencia né, esses sintomas ou essas características de formas muito contextuais, também, individuais, né…  

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

…por mais que a gente compartilhe isso. 

 

Então, é tão interessante quando você fala o quanto você ser muito hiperativo te ajudou, né, pra mim, eu sentia que era muito difícil a coisa da rotina, então pra mim era muito difícil todo dia tá na rua fazendo, sendo… indo com a equipe pra rua, pra mim funcionava muito melhor cada dia eu tá fazendo uma função diferente, então de repente, um dia eu gravava, o outro eu tava na redação fazendo é… o meu VT, enfim… eu sinto que… 

 

E a gente vai descobrindo também qual é o formato melhor pra gente, e enfim, como que a gente pode expressar isso pras pessoas. 

 

E aí eu queria te perguntar, você… como que tá sendo falar isso agora, você sabe agora que você tem TDAH, você tem vários projetos falando sobre isso, você fala abertamente hoje, nessa mídia tradicional que você tá, como que as pessoas enxergam isso, você tem medo né, de sofrer preconceito, de ser prejudicado? Como que tá sendo isso?    

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu sempre fui muito polêmico na minha vida. Polêmico no sentido de ir pro embate, nesse sentido de polêmico, sabe? Inclusive eu achava muito que eu ia mais pra um lado de colunista, por culpa disso, porque o TDAH também tem uma coisa, a gente tem um pouco de dificuldade de medir a consequência dos nossos atos. 

 

Então, se você for ver um jornalista que fala muito sobre as suas opiniões, ele fecha muitas portas. E pra gente é muito difícil entender que a gente tá fechando portas. E quando eu descobri o TDAH, eu falei… 

 

Quase soltei mais um palavrão aqui, gente, esse aqui é um lugar respeitoso… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É que no Distraídos a gente é bem solto.    

 

Eu falei, dane-se, eu vou falar pra todo mundo, vão ter que me engolir, porque é isso mesmo…

A minha esposa até brinca que é a autoestima do homem branco, hétero, classe média, ela fala, é muito a tua autoestima de homem branco, hétero, classe média, você ficar batendo no peito toda hora… 

 

Que eu bato no peito e falo, eu vou encarar! Eu vou encarar, eu vou fazer! E quero ver não me engolir. Vamos ver sei lá o que… 

 

Então, eu tenho isso comigo. 

 

Pode ser sim, pode ser nem do TDAH, pode ser essa autoestima que a minha esposa tanto denuncia. Que eu olho os outros homens, a maioria dos homens tem essa autoestima [risos]. 

 

Pode ser fruto do machismo mesmo. É… confesso.  

 

E nesse momento, quando eu descobri, eu falei, cara, como assim ninguém sabe disso? Como assim eu não sabia disso até agora? Mas eu me acovardei um pouco, porque eu esperei sair da Band. Enquanto eu tava… 

 

Eu fiquei na Band até dezembro. E quando eu saí pra voltar pra Curitiba, foi ali que eu falei, ok, eu vou falar. Porque aí eu já não tinha mais nada a perder, que eu ia embora mesmo do Brasil, que achava que eu ia, deu tudo errado, mas eu achava que eu ia…

 

E nesse momento, eu fiz uma thread no Twitter e eu lembro que eu tava… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Eu lembro dessa thread… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É, foi um marco pra mim, assim… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Foi quando, eu lembro… foi quando eu descobri você, assim, olha, um repórter também TDAH, eu vou acompanhar ele porque com certeza a gente [risos] tem muito em comum, assim… Você trazendo essas experiências, foi muito legal esse compartilhamento, né. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

E foi libertador, Luana, foi libertador

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É…

 

[ ERICK MOTA ]

 

E ali, eu falei, OK, agora é isso, agora todo mundo sabe, não tem mais volta, agora eu sou o Erick TDAH, e não tem outra maneira. 

 

Porque ali tava todo mundo, das redações que eu conheço, tá no Twitter. Todos os meus amigos, todos os meus ex-chefes, tá todo mundo ali. 

 

Eu falei, agora todo mundo tá sabendo

 

E aí eu resolvi… eu entrevistando a Alpin, no meio da entrevista, eu falei, Alpin, vamos montar um podcast? Foi assim que surgiu o Distraídos, eu não conhecia ela. Podia dar… tinha tudo certo pra dar errado, sabe?   

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Tudo certo pra dar errado? Porque a gente podia não dar match. Mas ainda bem que deu, estamos aí com cinco meses de podcast, e aí quando eu comecei a falar, aí eu, ai… me libertei. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Tem muito esse momento, né, de… da importância de falar… 

 

O meu processo aconteceu porque… eu era concursada, né, então isso também… 

 

Mas é que eu não consegui esconder, porque eu tive crises públicas, assim, do transtorno bipolar, durante o trabalho, né. E foi muito traumático. E aí, quando veio o diagnóstico, eu tive aquela sensação de, nossa, tem uma explicação, né… não é que eu sou fraca, ou não tô querendo fazer o meu trabalho, mas eu tenho um transtorno, né, que… compartilhado com muitas pessoas, e é isso aí… E vou tratar, vou saber o que é isso. 

 

Então, eu passei um bom período também, falando muito sobre isso. Eu lembro que as conversas na minha casa só giravam em torno disso, o transtorno bipolar, o transtorno bipolar, eu hoje eu fico brincando que o transtorno bipolar é como se fosse uma pochetinha. 

 

Eu vou explicar. Ele já foi uma mala muito pesada na minha vida, um baú desse tamanho que ficava no meio da minha sala, sabe? E o TDAH depois de um tempo também, são processos diferentes. 

 

Mas com o passar do tempo, conforme eu fui melhorando e entendendo, entendendo outras coisas na minha vida, ele foi se tornando cada vez menor, assim, então hoje ele ocupa menos espaço, ele tá muito ali na minha vida, o tempo todo, até porque, também, eu tô estabilizada, então eu não tô lidando com isso o tempo inteiro, então é uma pochetinha que tá sempre comigo, ali, carregando, não é mais tão pesada porque eu já sei lidar melhor, né… 

 

E aí depois veio o TDAH e me atropelou de novo… e aí eu, ai, eu vou ter que lidar com isso de novo, com outro processo diagnóstico… 

 

E agora, tô melhorando nesse sentido, mas a gente passa muito por isso, né, falar ou não falar. 

 

E aí, sabe uma coisa que me fez, eu acho que você talvez se identifique com isso também, que você falou em algum momento, ai, como eu vivi tanto tempo sem saber disso?    

 

Quando eu descobri, e todo mundo viu as minhas crises, e foi um negócio super complicado, e eu descobri e comecei a falar com as pessoas muito naturalmente, que era, olha, gente, é isso, eu tenho transtorno bipolar, ponto. 

 

E muita gente começava a conversar e perguntar mais coisa, assim, muito interessado, sabe? É mesmo? Ah é… E falava uns termos muito específicos, e eu ficava… cê tem algum amigo, alguém que você conhece né, que tem algum transtorno? Ah, é um amigo, um primo. Aí dava um pouquinho mais de conversa, a pessoa falava que era ela.

 

E eu fiquei pensando, gente, qual o problema, porque que as pessoas não falam sobre isso, porque que as pessoas tem tanta vergonha e tanto medo de falar sobre isso? 

 

E isso me incentivou muito a querer falar sobre o assunto, sabe, e aí eu comecei a falar, enfim, fiz perfil na internet, depois parei um pouco de falar porque também é um processo bem doloroso, tem perseguição, muita exposição, a gente não sabe quem são as pessoas que tão vendo a gente falar… a gente não sabe as portas que estão se fechando pra gente, né…     

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

…porque muita gente não vai falar, então é um processo bem complicado, né. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu passei por esse medo, assim. De estar fechando portas, sabe? Mas eu tinha uma vantagem, que, como eu tinha tido uma carreira já até ali, apesar de curta mas já muito inten- 

 

Já tinha sido repórter em Brasília, o que dá um peso né, pro currículo. Então, tipo, eu olhei e falei, cara, algum peso, alguma coisa pra mostrar que eu tenho competência, eu tenho. 

 

E aí, recentemente, eu cheguei na RIC, na Record lá do Paraná, e aí eu cheguei pra minha chefe já na entrevista, assim… na entrevista não, foi uma conversa informal, que ela me chamou pra trocar uma ideia, tal, pra ver se eu topava, e aí falei pra ela, falei, ó, eu topo, só não abro mão do Distraídos, que é o meu podcast sobre neurodivergência. 

 

E a conversa não andou pra frente. E aí, esses dias, um mês, duas semanas, cheguei pra ela e falei… 

 

Inclusive é uma dica pros outros TDAHs, falei, Ivete, lembra que eu te falei do meu podcast? Então, sabe essa coisa de ser muito hiperativo, e fazer muita coisa ao mesmo tempo? É porque eu tenho TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. E isso faz com que eu…      

 

Daí eu primeiro puxei as vantagens que eu tenho por ter TDAH. Meu hiperfoco é comunicação, então eu me comunico com muita facilidade, eu consigo entrar ao vivo com um minuto, pra me preparar, eu entro ao vivo sobre qualquer assunto, vambora… Porém, eu tenho essa, essa e essa dificuldade. 

 

E aí, eu percebi que essa metodologia funcionou muito bem. Primeiro eu mostrei… é que tem vantagens em ser neurodivergente, porque a gente não é neurodivergente só pro lado de ser esquecido, a gente também é neurodivergente pra ser hiperfocado, a gente também é neurodivergente na hora de ultraproduzir algo quando a gente gosta. Então foi assim. 

 

E aí, eu acho que esse processo de sentar com a pessoa, eu não tinha tido a oportunidade, eu falei, senta aqui, deixa eu te falar. Foi libertador.  

 

Que esses dias, eu esqueci de falar que eu vinha pra cá…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

…que eu ia precisar trocar meu horário, eu cheguei pra ela e falei, lembra que eu te falei que eu tinha TDAH, e que às vezes eu esquecia de umas coisas? Esqueci, preciso trocar meu horário na sexta-feira, dia 19 [risos].

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Nossa, eu ainda tenho muita dificuldade, sabia, eu ainda mascaro muito assim… …eu falo muito pras pessoas… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Masking. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, exatamente. 

 

… que eu tenho, e as pessoas vêem o tempo todo, eu tô sempre com os meus fidgets, se alguém pergunta, eu falo, falo da minha medicação, mas tem algumas coisas que às vezes ainda é difícil, sabe, olha, eu não consegui fazer isso porque eu não consegui acordar, eu não consegui fazer isso porque, enfim… 

 

Ainda me cobro muito, sabe, de tá dentro de um padrão e de não errar. Porque eu acho que isso também é uma coisa importante de falar, né, eu acho que é muito importante que as pessoas saibam que sim, existem vantagens e que existem coisas muito positivas, mas às vezes podem não existir, assim, à vezes você pode produzir abaixo da média…

 

…Se você você tem uma pessoa que tá passando por um período depressivo, enfim… e nós não deveríamos ser aceitos só a partir do momento que a gente oferece ser muito mais, né…  

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

… eu acho que é também uma baita discussão, né, o quanto tem um nível de produção, né, que é esperado pra todo mundo, enfim, e se você não atinge aquilo, você tá pra trás, né. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim, mas eu acho que qualquer pessoa, independente de ser neurodivergente ou não, vai ter pontos muito legais pra ressaltar sobre algumas coisas. Então, se você tá numa área há muito tempo, é porque alguma coisa você tem a acrescentar. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Uhum. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Então essa pessoa, de repente, pode levantar esse ponto, sabe? Porque… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Porque a gente também é muito acostumado a só falar do negativo, né? 

 

[ ERICK MOTA ]4

 

Exatamente!

[ LUANA IBELLI ]

 

E se sentir sempre muito mal.

 

[ ERICK MOTA ]

 

Exatamente. E vamos lá, a gente é legal pra caramba. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Nós, neurodivergentes, somos muito mais criativos… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, tão dizendo que a gente gosta de se achar especial, né…    

 

[ ERICK MOTA ]

 

Somos mesmo! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Nós somos incríveis! 

 

Desculpa, neurotípico… em regra geral vocês são mó chatos… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Porque? Porque vocês não conseguem viajar que nem a gente, a gente viaja nas parada.

Eu tô aqui conversando com você, se a gente parar dois minutos, a gente vai pra Nárnia, entendeu? Isso é muito mais legal!    

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Por isso que eu tô tentando fazer aqui o roteiro, porque… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Vai lá, vai lá, desculpa, desculpa, desculpa…

 

[Risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

… não, é porque…

 

[Risos]

 

Não, eu não tô te cortando não, eu tava justificando o meu roteiro… 

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos]

 

Fica tranquila, eu tô brincando.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Não, mas então, até perdi, o que a gente tava falando? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Ó, essa frase, gente, quando vocês ouvirem o Distraídos, vocês vão entender que essa frase é comum. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Essa acho que foi a primeira vez que eu soltei, porque com as outras pessoas eu fico tentando segurar e disfarçar um pouco as minhas distrações, que eu esqueci, aí eu tento dar uma contornada, não gente, eu tenho controle sobre o que tá acontecendo… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos] 

 

Ai, a nossa vida é um caos… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Aqui, a gente já tá…eu tô assim, ó… é isso. 

 

[ ERICK MOTA ]

Mas ó, se você… a questão também é que eu sou um carrinho desgovernado, então eu te levo pro caos…

 

Mas eu só queria fechar, esse assunto pra falar, ressaltar algo muito legal. O acolhimento que eu tive lá onde eu tô hoje. Sabe? 

 

Porque o que eu tinha de medo era… eu vou chorar de novo [risos]. 

 

Era de não ser aceito. Dá esse medo. Porque isso que eu te falei, cara, eu vou sentar e vou falar pra ela, porque o que que eu pensei, uma hora minha chefe vai ver nas redes, uma hora ela vai ver, porque eu não vou parar de falar disso. Então eu preciso falar pra ela. E o acolhimento foi muit-  

 

Tanto foi legal, que eu tô aqui hoje. Ela trocou meu horário, porque eu expliquei pra ela que não é que eu não falei pra ela porque eu sou irresponsável, eu não falei pra ela lá atrás porque eu esqueci, e eu já tinha avisado ela que algumas coisas eu ia esquecer. 

 

Esses dias eu cheguei atrasado, também, ela só olhou pra mim e falou… eu cheguei atrasado, todo tumultuado, meu Deus… ela olhou… ontem, ontem, inclusive, do dia que a gente tá gravando, um dia anterior. 

 

Ela falou, Erick, tá difícil seu dia, né? Eu falei, ai, Ivete, hoje eu me atrapalhei. Ela chegou, ela brincou, ainda, ela falou, vou fazer um reiki, aqui…      

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Alguma coisa assim, ela falou. 

 

Então, que legal quando é assim, sabe? Que legal quando é assim, cara. Então, por isso que eu acho importante falar. 

 

Eu sei que tem alguns ambientes que não é possível. Mas eu digo que nesse ambiente que eu tô hoje, por exemplo, eu tô falando pra todo mundo. Pra quem eu ainda não falei, em algum momento eu vou falar. Eu só não tive oportunidade.

 

Porque quando eu fizer alguma coisa que é típica do TDAH, não é que… 

 

Gente, não é uma desculpa. Os neurotípicos passam pelas mesmas coisas que a gente passa? Sim. Só que com uma frequência muito menor. É muito comum o TDAH falar…   

 

Esses dias aconteceu, minha barba tá bem ralinha, a minha barba era bem mais grossa, até mesmo quando eu tava na TV, eu passava máquina três, quatro. Passei máquina dois sem querer, daí eu publiquei isso no stories, um grande amigo comentou, ah, já aconteceu isso comigo também. Aí fica aquela coisa, tipo… ah, acontece com todo mundo, não é porque você é TDAH…  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Isso é muito comum, né… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

…só que comigo acontece com frequência. 

 

Hoje eu esqueci o café em casa, fiquei o dia inteiro com a gravata, derrubei café em mim, desculpa, o dia do neurotípico não tem tanta trapalhada. Dificilmente. 

 

Então, assim, que legal que eu fui acolhido, e eu sei que isso não é nor- 

 

Não é comum, mas eu fico muito feliz…  eu não tô falando isso pra puxar saco não, eu nem precisava, era só ignorar esse assunto, e eu que pedi pra você pra gente falar disso, porque eu precisava ressaltar, eu tô… 

 

Eu fico emocionado mesmo, porque era o que eu achava ideal. E hoje eu tô tendo o ideal, com a equipe que eu tenho, eles me valorizam, eles sabem o profissional que eu sou, e que legal, cara, sabe? 

 

Que pena que todas as redações não são assim. Que pena. Porque faz uma diferença pra gente. E eu trabalho muito mais confiante hoje em dia. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Com certeza! Você pode deixar de lado… 

 

A gente conversou sobre isso em outros episódios, né, Erick, o quanto essa inclusão, né, e esse acolhimento, de você… realmente acolher essas diferenças permitem com que a gente possa fazer outras coisas e ser um profissional muito bom, né, e ser o jornalista que a gente pode ser, porque você não tá preocupado em esconder um grande segredo… Em não falar pras pessoas o que tá acontecendo, né, eu acho que isso é tão importante, né?

[Suspira]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Muito. 

 

[Suspira]

 

Muito importante. 

 

[ LUANA IBELLI ]

E já que a gente falou, né… quero inserir outro assunto, da gente falar desses termos, né, neurodiversidade, neurodivergência, que a gente veio falando aqui. Queria explicar um pouco pras pessoas o que é esse movimento né, de pessoas que tão se afirmando enquanto neurodivergentes, e esse movimento da neurodiversidade, que tem tudo a ver com esse papo. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

A neurodivergência, como o próprio nome já indica, é uma divergência neurológica, ou seja, alguém que diverge, né? Alguém que não segue aquilo que é o mais tradicional, que é o mais comum. 

 

Eu não sei o termo… eu não lembro agora, na verdade, o termo tecnicamente falando, mas as lógica basicamente é essa, todo mundo que é… que segue uma entoada é chamado de neurotípico, porque neurologicamente falando essa pessoa é típica, é comum que as pessoas sejam como essa pessoa é.  

 

E neurotípico [neurodivergente], ou neuroatípico, tem as duas formas de dizer, tá tudo na mesma coisa, é uma pessoa que neurologicamente falando tem uma atipic-

 

Atipici… como é?    

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Atipici…dade? [risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

É esse negócio aí, que cês entenderam que a gente quer dizer. 

 

É atípico. [Risos] 

 

Esqueci. 

 

Atipicidade, atipicidade? 

 

[embola a língua] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Acho que sim, é… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Blabla, esse negócio aí. A pessoa tem essa parada aí.

 

E portanto uma pessoa que é atípica, é neurologicamente atípica é chamada de neurodivergente, porque a gente diverge da média da população. 

Isso quer dizer que a gente é menos inteligente? Não.

 

Isso quer dizer que a gente tem menos capacidade de alcançar algo? Não.

 

Quer dizer que a gente pode encontrar algumas barreiras.   

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Funciona diferente, né basicamente. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É outra frequência. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É importante também que é um termo que foi criado pelas pessoas, né, que tem a vivência, isso também é importante, né, é um termo que foi criado ali em comunidades da própria internet pra se dizer, então… pessoas autistas, principalmente, né, TDAH, enfim, é um termo em disputa, eu acho que é importante falar né… 

 

Mas eu, pelo menos, tenho usado bastante, porque eu acho que a gente acaba se encontrando enquanto comunidade e naturalizando também, né, essa condição.

 

Não é um termo médico, por exemplo, neurodivergente é um termo que tá sendo usado pelas pessoas que se identificam eu acho, né. 

 

E na toada da neurodiversidade também, né, que é essa ideia de que todas as mentes são diferentes, isso inclui, inclusive, neurotípicos, né, que é a forma que a gente se refere a pessoas que não tem condições é… não sei se neurológicas, mas mas do neurodesenvolvimento, de saúde mental, né, crônicas, é… enfim… 

 

Abarca toda essa diferença, essa diversidade de mentes que é o que faz do ser humano ser tão legal como ele é, né? Cada um pode contribuir de uma forma diferente. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É porque neurodivergência, ela não é um chip. Eu não vou implantar na Luana um chip TDAH e a Luana vai seguir o script do Erick TDAH. 

 

Eu falei que eu tenho hiperfoco… que cê me dá duas linhas de texto, eu fico dez minutos falando. Você também é TDAH e você também é jornalista, você também já foi repórter de TV, mas você não necessariamente vai ser assim, e tá tudo bem. 

 

Vai ter algo que você faz com muito mais facilidade do que eu, dentro da sua neurodivergência, e tá tudo bem eu não fazer igual a você. 

 

É isso, porque cada mente é um mundo. Existem alguns padrões que se repetem, como a hiperatividade, a desatenção, no caso do TDAH, mas isso não quer dizer que todo TDAH é igual. 

 

Assim, todo TDAH é desatento e hiperativo. Não quero dizer que a gente pense igual, que a gente aja igual, que a gente reaja igual. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Claro, e dependendo do contexto também, né. Existem contextos em que vai ficar mais ou menos evidente também, e tem tudo a ver com a inclusão, né.

 

Se você tem um ambiente que pode acolher essas características, aquilo não vai ser visto como um empecilho, né. É isso, se você tivesse, talvez, num ambiente que não te aceitasse como você é, o seu atraso seria visto como uma coisa, meu deus do céu, é o fim do mundo, eu me atrasei, ai, mas eu sou um lixo mesmo, tá vendo, é o TDAH que acaba com a minha vida. 

 

Mas você tá num ambiente mais acolhedor? Tá bom, aconteceu hoje, vamos tentar maneiras de contornar isso, e aí a conversa muda totalmente, né, eu acho.   

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim, sim, com certeza!

E faz com que… é isso, eu chego confiante pra trabalhar, por que? Porque o ambiente em que eu estou inserido são de pessoas que me acolhem. Sabe? E não precisava ser assim. 

 

Porque eu não sou a única pessoa que faz o que eu faço, não precisava no sentido de que eles não tinham… eles não fazem isso porque eles precisam fazer… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Uhum. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

… é isso que é mais legal, sabe? Eles fazem isso porque eles querem. Porque eles entendem. E porque eles sabem que, tá, beleza, tem alguma coisa que o Erick vai vacilar, mas tem outras que o Erick vai entregar, e tudo bem. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Assim como qualquer pessoa, isso é ótimo, nós somos pessoas [risos] como outras qualqueres e qualquer ser humano vai ter os seus momentos de dificuldades, né, e acho que é isso, né, porque…

 

Por isso que a gente tá falando de diversidade, né, acolher as diversidades é justamente entender a singularidade de cada pessoa, as dificuldades, as potencialidades.  

 

[ ERICK MOTA ]

 

A minha esposa tem ansiedade, então não sei se chega a ser uma neurodivergência, eu acho que não, né. Mas a minha esposa, ela tem muita dificuldade de acordar cedo.  

 

Se a Kelli, que é uma profissional excelente, tem que trabalhar às sete horas da manhã, ela vai ser uma péssima profissional até dar meio-dia…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Tamo junta, Kelli.

 

[ ERICK MOTA ]

 

E depois do meio-dia, a Kelli vai ser a melhor profissional que eu já vi na minha vida. Então, pra contratar a Kelli, se você obrigar ela ir de manhã, cê tem que tá ciente de que naquele período ela não vai produzir. Mas tudo bem, porque à tarde ela vai produzir pra caramba. 

 

Então, cada pessoa é um mundo! E nós, neurodivergentes, não somos…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Diferentes… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Divergentes nesse ponto. 

 

[Risos] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Que a gente também é um mundo. Com as nossas qualidades, e os nossos defeitos. 

 

Infelizmente, às vezes, o que mais sobressai pra essas pessoas são os nossos defeitos. É por isso que eu cheguei e expliquei que que sou TDAH, o que que é o TDAH, e eu acredito que eu tenho mostrado que mesmo sendo TDAH, eu continuo sendo um bom profissional, e eu continuo entregando conteúdo de valor, eu continuo fazendo as minhas reportagens com a melhor… que eu posso, e ser aceito deveria ser óbvio, mas infelizmente não é.  

 

[ LUANA IBELLI ]

Não é.

 

[ ERICK MOTA ]

 

Que bom que eu sou, sabe? Que bom que eu sou. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Agora eu quero entrar num outro assunto que tem a ver, um pouco, com isso de… dos lados negativos, e como as pessoas veem de forma negativa, né.  

 

A cobertura do jornalismo, quando se trata desses temas, né, quando a gente vai falar de transtornos mentais, de neurodivergências, enfim, como que você vê… eu sei que isso é uma coisa que te incomoda, ultimamente, enfim, sempre que aparece algum tema nesse tipo, você comenta, né, o quanto é incômodo ver o quanto a mídia nos estigmatiza. 

 

Você pode compartilhar um pouco de como você vê isso? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu falei aqui, mais cedo, que eu era polêmico, aí a Luana provando que era verdade, que eu sou mesmo. 

 

Mas é verdade, porque o que que acontece… recentemente, um site todo progressista, publicou uma matéria falando que… olha que incrível, essa menina é autista e TDAH e fez um mestrado. 

 

Desculpa, você falaria, sei lá… essa pessoa albina… é albina e fez mestrado? Não, não tem nada a ver. 

 

Falaria que essa pessoa que se locomove através de uma cadeira de rodas fez mestrado, não, você não falaria. Ou não deveria.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Até falaria. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Ou é, por isso que eu voltei atrás… [risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, até falaria [risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu percebi! Por isso que eu voltei atrás. Infelizmente… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Mas tipo, você falaria, sei lá, essa pessoa com nanismo fez mestrado, essa pessoa… eu tô pensando em pessoas que as outras pessoas olham e falam, essa pessoa  é diferente da média, eu tô citando alguns casos, né.

 

Ou não falaria, ou não deveria, né, obviamente, o nanismo, o albinismo, não sei se albinismo, o nome, mas pessoas albinas, não tem nenhum problema neurológico só por ser albino ou ter… nanismo, que fala? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Nanismo.

 

[ ERICK MOTA ]

 

Nanismo, né? Ou por ter nanismo. É, então você não falaria, ou não deveria falar, obviamente.

 

Porque que com um autista ou um TDAH você tá falando? Porque você acredita que nós temos menos capacidade de chegar lá. 

 

E eu uso o nós porque isso reforça aquilo que a gente tava falando mais cedo, que a gente precisa… eu que sou TDAH, sou repórter, e tal… você que é TDAH e é repórter, e tal, eu acho que a gente tem que botar a cara a tapa, porque nós somos pessoas públicas também… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Uhum. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

…tem que falar, eu sou neurodivergente. Eu sou neurodivergente. 

 

Quando cê fala de um autista, cê tá falando de alguém que é meu primo, é meu primo, não é meu irmão porque não é TDAH, mas é meu primo. 

 

Porque que essa menina que é autista e TDAH não pode ter feito mestrado, porque, o que que é notícia? 

 

Vamos lá, gente, básico do jornalismo. Fica aqui pras redações. O beabá do jornalismo que você aprende na faculdade, o cachorro mordeu o homem não é notícia, o homem mordeu o cachorro é notícia. Não era isso que a gente aprende na faculdade?

 

Eu lembro desse dizer até hoje… e porque que você tá fazendo uma matéria do cachorro mordeu o homem? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Uhum.

 

[ ERICK MOTA ]

 

Não é normal o cachorro morder? Porque… claro que não, mas você entendeu o que eu quero dizer. Não todo cachorro que é violento. Mas, porque? Um cachorro andou sobre quatro patas. Você não faz essa matéria. Agora, um homem andou por… sei lá, ficou trilouco, lá, bebendo, sei lá o que, cê faz, porque? Porque é diferente. E porque você tá fazendo a matéria que a menina autista e TDAH fez faculdade, mano? Sabe? Então, aí eu fico revoltado. Porque falta… 

 

Ainda mais quando eu vejo que são, nesse caso, era uma página progressista. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Aí eu falo, tá, peraí, você levanta toda uma bandeira das pessoas entenderem a diversidade, desculpa, você não pode errar. Sabe? 

 

Se eu vejo um jornal tradicional errando, eu tendo a perdoar mais fácil. Mas se eu vejo alguém que se sustenta levantando essas bandeiras, desculpa, você não pode errar. 

 

Então fica aqui a minha revolta. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Essa pauta é muito invisibilizada, né… mas assim de uma forma geral também, acho que o caso que mais me chocou, ultimamente, foi o caso daquela mulher bipolar que enfim, é…o caso do mendigo… [riso nervoso]

 

Assim, o caso é todo tão errado… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Do início ao fim. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Do início ao fim, né, e acho que foi um caso que mostrou muito, assim, como realmente as pessoas não tem noção, né, de preservar né, é… essas vulnerabilidades, então, a mulher que tava ali em surto… 

 

CORTE de 51:54 a 52:02 

 

E a gente é sempre muito exotificado, né? 

 

Então, nossa, gente, olha, um delírio, um surto… ou não acreditam ou usam isso como puro sensacionalismo, ou é a pessoa com esquizofrenia que empurrou alguém na linha do metrô, é sempre nesse tipo de coisa. 

 

A gente nunca é chamado pra falar das nossas experiências de uma forma positiva, né, então quando vão falar de, vamos combater a psicofobia. É sempre um psiquiatra e um psicólogo que tão falando. 

 

Isso me irrita muito… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Ou a mãe de alguém que tem. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, exatamente. Nunca é a gente… 

 

Claro que, também existe um processo de, tipo, as pessoas se preservam, muita gente tem medo de falar ainda, mas a gente sabe que isso não é desculpa, sempre você consegue encontrar alguém que possa falar dessa visão. 

 

Então me incomoda muito como a gente nunca tá bem representado, sabe, nessas reportagens, se apropriam das nossas histórias de uma forma muito sensacionalista, muito insensível, e na hora de falar as coisas positivas, né, é sempre nesse lugar, ou vai procurar um psiquiatra, um acadêmico, que ficam debatendo pontos totalmente divergentes sobre o que faz bem pra gente, o tipo de tratamento que poderia acontecer, e ninguém pergunta o que a gente acha sobre isso, né, você só aparece pra ser mais um caso da pessoas que surtou, da pessoa que ninguém vai acreditar, da pessoa que empurrou o outro no metrô, então, queria deixar esse meu incômodo. 

 

CORTE DE 53:25 A 55:11 pode fazer uma transição leve de edição, porque na hora que ele entra falando a câmera está em mim. Não precisa parecer que não foi cortado, só deixar a transição suave no vídeo. Quem ouvir só o áudio nem deve perceber o corte.   

 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Aí a importância de ter jornalistas nas redações, Luana. Aí tá a importância. Porque, se você tem uma jornalista, especialmente nesse caso… um jornalista não bastaria, teria que ser uma jornalista…  pra falar, pera…calma… 

 

E não só na redação, de preferência em cargo de chefia, né. Alguém com neurodivergência pra falar, calma, calma, eu entendi que vai dar acesso, a história é polêmica, mas veja bem, aí tá a importância. 

 

Aconteceu uma coisa esses dias, lá em Curitiba, é… o Kaito, um menino autista e TDAH, foi entrar num ônibus com o seu cão de serviço, e não deixaram. Aí pararam ele, foi o maior auê… ele filmou, falaram que ele não poderia entrar, que ele não ia entrar, e ele precisava voltar pra casa… e aí ele começou a ter crise, enfim, a história do Kaito, a gente contou também no Regra dos Terços, também no Distraídos, mas o que mais me impactou foi, a Alpin mandou o vídeo… o Kaito é de Curitiba, a Alpin não, mas, a Alpin é minha parceira de podcast, do Distraídos, é a minha host, comigo…

 

Ela me mandou o vídeo o vídeo e falou, Erick, ajuda o Kaito. Eu não sei o que fazer. 

 

E foi nesse momento que eu cheguei pra chefia e falei, primeiro pra pauteira e falei, cara, olha essa história. Me ajuda? Vamos? Ela, vamos. Vendeu pra chefe de pauta, vamos? Vamos! E daí eu falei, OK, vamos cobrir, mas deixa eu te falar. O Kaito é autista, então… 

 

Aí eu conversei com ela… não liga direto, manda um whats, só fala, posso te ligar? Só pra ele não pegar… não pegar o cara no contrapé… Quando marcar com a equipe, deixa a equipe chegar lá com tempo, pra equipe chegar de boa, não chegar acelerando o menino, tal… 

 

E a pauteira era muito sensível, ela fez um trabalho sensacional, tanto que ela virou amiga dele, assim, uma pessoa incrível. E aí, depois disso, a repórter, foi a repórter… que a pauteira provavelmente deve ter trocado essa mesma ideia, conversou, e… você vê o material no ar, em resumo, Curitiba tá discutin-

 

Liberou o Kaito entrar no ônibus, depois de toda a pressão da RIC, uma coisa incrível que aconteceu em menos de uma semana, deu a carteirinha, liberou só pra ele, e tá fazendo assembleias e vai liberar pra todos. E não só pra quem é autista. 

 

E isso tá acontecendo graças a uma reportagem… como que essa reportagem foi pro ar? Porque tinha um neurodivergente lá, eu nem autista sou. Mas eu sou neurodivergente, então essa pauta me pegou.

 

E eu sou um neurodivergente que sabe que é neurodivergente, e que tá no meio, então eu sabia como tratar o Kaito. Né… ele é meu amigo, eu sei como fala com ele, e mesmo que ele não fosse meu amigo, eu saberia, tipo… autista, você não chega com os dois pés no peito… porque a pessoa, ela costuma se programar, você não vai quebrar a rotina da pessoa, porque você pode desorganizar todo o dia dela, então vamos respeitar a neurdivergência do Kaito, e dos outros autistas. 

 

Então, quando eu troquei essa ideia, a pessoa, a outra pessoa também tem…não basta ter um neurodivergente, a outra pessoa foi sensível, e cara, ela foi sensacional, assim… ele agradeceu muito, ele virou amigo dela. 

 

Então, se eu não tivesse lá, primeiro a pauta não tinha chegado, e talvez teria chegado, e teria acontecido o que aconteceu com uma outra emissora, que eu só não vou citar por uma questão de ética, mas a maior emissora… fica no ar… 

   

O produtor entrou em contato com ele. Entrou em contato com os dois pés no peito, do jeito que é a rotina de TV, que TV é assim. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

TV é assim. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Você liga falando, oi, tudo bem, eu posso ir aí agora? É assim que é TV… o outro cara ligou assim, marcou, desmarcou porque atrasou, tentou fazer pra duas horas depois, aí tava chovendo, queria que ele saísse na chuva, pediram pra entrar na casa dele…

 

Causaram quase uma crise, só não causaram porque ele bateu o pé e falou, eu não vou mais atender vocês… 

 

Porque se essa outra pessoa, ou fosse neurodivergente, ou tivesse algum neurodivergente ali na coordenação, ali naquele meio… não precisava ser na coordenação, mas algum neurodivergente na redação, naquele momento, podia ver esse produtor fazendo isso, ia olhar pro produtor e falar, cara, calma…você desmarcou hoje, vê qual dia que ele pode, e vamos se adequar a ele, o tempo dele não é o nosso tempo. 

 

Só que eu não tô culpando o produtor, porque ele não tem contato com isso, por isso tem que ter neurodivergente na redação. 

 

[ LUANA IBELLI ] 

 

E posso dizer que nem precisa ir muito longe, porque eu acho muito difícil que as redações não tenham neurodivergente, tipo… nós somos muitos né, assim… 

 

Dizem que tem uma proporção… aqui eu tô expandindo, né, não só neurodivergente, mas por exemplo, eu sei que TDAH é de três a seis por cento da população… se não me engano, isso é muita gente…   

 

[ ERICK MOTA ]

 

Existem dados que chegam a falar em dez. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Dez? Então, isso é muita gente…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Porque tem dado que fala sobre subnotificação. 

 

CORTE: de 59:53 a 01:00:40

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Então assim, tudo isso, toda essa dispersão, pra dizer que se a gente cria ambientes mais acolhedores, você vai ter pessoas que vão se sentir mais confortáveis, né, pra falar desse assunto, e vão se expressar, e vão, enfim…né… fazer a diferença ali no ambiente. 

 

Porque, é isso, eu acho que, a gente não tá falando necessariamente de fazer um processo seletivo para pessoas neurodivergentes, é muito difícil isso, né, é muito difícil você quantificar isso.

 

Mas eu acho que você criando ambientes que sejam mais acolhedores nesse sentido, com certeza vão aparecer mais pessoas, com certeza as pessoas que já estão nas redações, elas vão se sentir mais à vontade pra falar… 

 

Eu lembro que… eu tava te falando, né, quando eu trabalhava, e descobri meu diagnóstico, cara, depois eu descobri tanta gente… numa redação de 80 pessoas, eram pelo menos ums 4 bipolares, uma moça já tinha diagnóstico de esquizofrenia, fora os TDAHzinhos que na época eu nem sabia, então assim… 

 

Essas pessoas estão aí, já, né?      

 

[ ERICK MOTA ]

 

Algumas pessoas não tem coragem de sair do…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sair… ou não sabem, né… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu não gosto de usar esse termo, né… eu não gosto de usar porque esse termo não é nosso, mas de sair desse armário da neurodiv-

 

Da neurotipicidade, do armário do neurotípico, a pessoa não tem coragem de sair e falar, ei, eu não sou isso aqui não. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Porque às vezes, ela não tem o acolhimento. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, exatamente. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

E se cria um ambiente acolhedor, as pessoas se sentem à vontade, e elas passam a ser mais felizes. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Você tem algumas ideias de como as redações poderiam ser mais acolhedoras para pessoas neurodivergentes? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Primeiro, seguindo esse exemplo, que eu citei, que aconteceu comigo, que eu fiquei impressionado… positivamente falando. Esse exemplo de sentar e entender e acolher a pessoa com suas diferenças.

 

Então, isso é o primeiro exemplo, né. Entenda, porque cada um vai ter um problema. Vai ter as Kellis, que às vezes não é neurodivergente mas não consegue acordar cedo. Porque você vai forçar esse profissional a acordar cedo? Vai ser ruim pra tua empresa, cara! 

 

Ô chefe de redação, vai ser ruim pra tua equipe! A matéria ou vai ficar um lixo, ou ele vai… 

 

Sabe o que eu já vi acontecer muito? Nas redações que eu passei na vida? Colegas que não conseguem acordar cedo, ou que tem insônia, qualquer coisa… é obrigado a entrar de manhã, essa pessoa toma… reparem, você que é chefe de redação e obriga os funcionários a chegarem seis horas da manhã, sete horas da manhã, pessoas que não gostam, que tem gente que gosta. Eu sou um que não ligo. 

 

Mas pega alguém que não gosta. Cê vai perceber que de manhã ela levanta cinco, seis, sete vezes pra tomar café num intervalo de duas horas, e ela só… e quando ela senta onze horas da manhã, meio… até meio dia ela fez três pautas.

 

Por que? Aí ela acordou. Mas você pode falar, não, porque fulano enrola o dia inteiro, mas quando ele senta pra fazer, ele faz! Mas a minha pergunta pra você é, será que se fulano chegasse na hora que o fulano acha que é mais confortável, o fulano não ia produzir até mais? 

 

Será que você não tá jogando o teu próprio dinheiro fora, o dinheiro que cê tem ali pra gerir a tua equipe? Então é uma coisa que os chefes de redação tem que se tocar. 

 

Então, senta com o teu funcionário, conversa, e tenha esse acolhimento que eu acabei de ter, porque é algo incrível, que pra mim fez muita diferença, eu não me emocionei aqui à toa, e que eu… a verdade é que eu passei a minha vida inteira não tendo, mesmo sabendo que eu não tinha TDAH, passei poucas e boas na minha vida, sempre me senti um lixo, hoje eu sei que eu não sou…

 

Eu me emociono não porque eu me sinto hoje, eu me emociono porque, cara, eu passei… eu me sentia muito mal! E eu sei que eu não era um mau profissional. Desde os 16 anos eu trabalho com comunicação. Como que eu era um mau profissional, olha tudo que eu fiz! 

 

Eu nunca passei fome, sabe, Luana, mas eu cansei de comer arroz com farinha… e olha onde eu cheguei! Sabe? Então eu não era um mau profissional. Só que eu me achava um mau profissional. Por que? Porque tiravam sarro de mim, porque eu via que eu não conseguia seguir o ritmo das outras pessoas, e eu era cobrado a seguir… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim…

 

[ ERICK MOTA ]

 

… aí falavam… 

 

Eu tô hoje, eu girei essa caneca umas 20 vezes, isso aqui não incomoda ninguém! É isso aqui que é ter o TDAH. E eu fazer isso aqui, pra mim é um alívio.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Uhum.

 

[ ERICK MOTA ]

 

E pra voc-

 

E aí as pessoas vêm e falam, ai, Erick, para quieto! Erick, para com essa mão, Erick, você vai derrubar essa caneca… aí eu falava, nossa, gente, eu sou uma pessoa muito… muito diferente de todo mundo, né, nossa gente, eu não consigo ser um adulto. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Um ótimo momento pra introduzir um tema que eu tava doida pra falar, porque… algumas pessoas ficaram curiosas porque eu costumo manipular alguns objetos durante a entrevista, e isso tem tudo a ver com a gente acolher, né, as nossas diferenças. 

 

Quem tá só ouvindo não vai ver, mas quem tá assistindo, eu tenho os fidgets aqui, né, Erick, não sei se você tem o costume de usar…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu esqueci o meu, mas eu tenho.  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Pois é. Os fidgets, eles são brinquedos e são também ferramentas que no nosso caso, eles ajudam a gente  a se concentrar, e justamente isso que o Erick falou, né, vocês não tão vendo, mas o meu pé tá mexendo constantemente, a cadeira não para… 

 

E esses brinquedos, eles ajudam a gente a extravasar isso, né, então pra gente é muito bom às vezes, fazer uma atividade secundária… acho que todo mundo, se você tá assistindo uma palestra muito tempo, você vai ver que a pessoa vai desenhar, e tal… pra gente, isso é numa décima potência.

 

Então você acaba pegando o celular, né, e às vezes a pessoas acha que você não tá prestando atenção, mas não é isso, você tá tentando extravasar essa hiperatividade mental e também se concentrar. 

 

Então, esse ato, que é fidgeting, por isso que eles chamam fidgets, é esse ato de você tá sempre muito inquieto, mexendo nas coisas, e esses… essas pequenas ferramentas aqui, que eu tenho na minha mão, elas ajudam a gente a fazer isso de uma forma deliberada. 

 

E tá sendo uma experiência tão legal, pra mim usar isso, porque é dizer pro mundo que não tem nada de errado em ser como eu sou, inclusive eu estou espalhando a palavra dos fidgets, porque agora, na minha equipe, lá no Brasil de Fato, as pessoas olham os meus fidgets, elas falam, eu quero um pra mim! Tem uma produtora que pegou um pra ela, e ela tá amando usar… que é um até mais barulhento que eu deixei ali no canto porque eu amo ele, eu ia ficar mexendo e ele ia fazer barulho e atrapalhar a entrevista.

 

Mas pra mim, é muito um exemplo de como, sabe? Isso aqui não faz mal pra ninguém…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu confesso que eu ainda não levei o meu pra redação… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Cara… não levou pra redação, você não teve…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Por medo. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Por medo? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Aí, por medo. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É, então, eu sempre levo. E na pandemia, eu fiquei muito apegada. Então, hoje eu chego, eu já jogo na mesa. As pessoas ficam curiosas, muitas não têm coragem de perguntar o que é… algumas ficam meio olhando, assim, tipo, ah, o que será que essa menina tá brincando, né, o que será que ela tá na mão? 

 

E tem umas pessoas que tem uma visão bem capacitista, né, eu já ouvi falando que isso aqui é coisa de retardado. Esse termo, que ninguém usa…   

 

[ ERICK MOTA ]

 

Meu deus… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É… ai, fica brincando com essas coisas de retardado. 

 

Então, assim… primeiro que esse termo é horrível, e segundo que isso aqui faz bem, sabe…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Desculpa, mas a minha coisa de produtor… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Você nunca ouviu… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Você tá engolindo o microfone! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Eu tô engolindo o microfone? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Você tá com o queixo pra cima do microfone!

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Eu fiquei empolgada de falar com os meus fidgets, gente, desculpa. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos]

 

A minha coisa de produtor de podcast… Meu deus, meu deus, meu deus… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Tá atrapalhando, Léo? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Meu deus, tá ficando ruim! 

 

[Risos] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Brigada pelo…  [risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

[Risos] 

 

Desculpa! Ó, a mente TDAH aqui… 

 

[Risos]

 

Me deu até calor… [tira o casaco] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Você perdeu… perde a linha de raciocínio, que a gente se desconcentra, né?

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Desculpa! Perdão, perdão… gente, tô até tirando a jaqueta, me deu até calor… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Não, mas é isso. 

 

Não, era isso que eu queria falar, tipo, eu acho que eu tava muito querendo falar… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Isso aí seria uma coisa legal pra se adotar…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Hum? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Isso aí seria uma coisa legal pras redações adotarem.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Então, pois é, porque muita gente às vezes… 

 

É isso, né, tem sempre um padrão que você tem que seguir… eu tenho que ficar olhando pra você, se não você acha que eu não estou prestando atenção no que você está falando, e não é, as nossas… 

 

A mente funciona diferente, né, todo ser humano tem a suas formas de funcionar, então isso tá sendo uma experiência muito legal, de usar essas coisinhas, porque você sabe como funciona, você sabe o que pode te ajudar, e a minha concentração hoje é outra, eu pego muito menos no celular, eu consigo manter conversas… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

… às vezes eu tô conversando com alguém, eu vejo que a minha concentração vai embora, até em casa, às vezes meu companheiro chega em casa querendo contar alguma  coisa do dia dele, eu começo a viajar, eu já pego. É outra vida, entendeu?

 

[ ERICK MOTA ]

 

Exato. 

 

Por isso que quando eu tô muito ansioso… eu diminui também muito o uso do celular, inclusive minha mãe reclama, porque agora eu respondo menos no Whatsapp [risos].

 

E… Fidgets seriam uma coisa legal, não tinha pensado nisso ainda… eu não levo porque eu nunca vi ninguém levando e eu tenho medo das pessoas pensarem que eu tô brincando com o meu brinquedinho. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Então, é bom sempre… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Normatizar essas coisas, normatizar a pessoa botar uma música pra trabalhar, por exemplo, já ajuda muitos neurodivergentes, porque eu funciono muito melhor quando eu tô ouvindo uma música…

 

Normalizar a pessoa levantar e dar voltas… por exemplo, no dia que eu conversei com a minha chefe sobre o meu TDAH, eu falei assim, você já percebeu que a cada meia hora eu levanto, dou uma volta na garagem e volto? Ela falou, já. Aí eu falei, é por isso. É porque eu cansei, quando eu canso, eu preciso dar um restart. Eu levanto e dou uma volta, e volto. Cinco minutos depois eu tô aqui de novo e vou produzir muito mais do que se eu ficasse sentado. Porque se eu estendo aquilo que a minha concentração já delimitou que é o meu limite, vai ser horrível, eu não vou conseguir produzir.

 

E ela aceitou, sabe? Repito, eu tô trazendo como exemplo positivo porque eu confesso que… eu descobri que eu era TDAH, saí de uma redação e não tinha voltado pra uma redação, e eu tinha medo. Eu tinha… 

 

Talvez até fosse por isso que eu achava que eu não ia voltar pra redação. Porque eu contei pra todo mundo que eu era TDAH, e talvez fosse até uma fuga… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E na verdade, a gente sabe que essa é a realidade, né, Erick, tipo, na real, ainda tem um estigma muito grande e eu tenho certeza que muitas pessoas deixam de contratar sim…

 

[ ERICK MOTA ]

 

Sim. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

… por causa disso. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

E não sabem o que estão perdendo. 

[Risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E mais ainda… pessoas que tem o diagnóstico… se qualquer pessoa me perguntasse, em qualquer entrevista de emprego, ai, mas você mesmo tendo essa questão, você acha que você dá conta? Eu falaria, meu filho, tem gente que não sabe dos próprios problemas, a gente sabe, a gente sabe lidar…   

 

[ ERICK MOTA ]

 

Tá medicado… 

 

[Risos] 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Eu tenho todas… 

 

E mesmo que eu não tivesse medicad-

 

Porque às vezes, eu não tô medicada, mas… [risos] 

 

Também… exatamente…

 

A gente sabe, também, pontos fracos, sabe manejar, entendeu… se alguém tá incomodado com os meus fidgets… eu sinto muito [risos], porque é o nosso modo de ser né, cada um tem o seu jeito, e a gente sabe lidar, isso é muito poderoso, quando você descobre o que é, quando você dá nome, quando você se apropria isso de uma forma natural e fala, gente, tá tudo bem… é outra vida, né. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Cara, quer ver, Luana, uma coisa simples pra acolher um neurodivergente na sua redação, que faz toda a diferença? Uma coisa simples, simples… toda redação tem uma mesinha pra um café. Em algum canto vai ter. Se você arruma um espaço pra essa mesinha, arruma só mais um espacinho, qualquer lugar, pode ser até embaixo da escada. 

 

Pra quando a pessoa TDAH tiver com a hiperatividade muito aflorada, ela poder sair dali e trabalhar num canto isolada. Porque a gente… o que acontece com o TDAH, eu tô aqui falando com você, eu tô amarradão nesse papo, mas eu percebi todas as vezes que ele levantou a mão aqui pra te falar, primeiro foi 20 minutos, o primeiro sinal que ele te deu… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu não olhei pra lá, mas eu tô percebendo o que ele tá fazendo. Eu percebi todas as vezes que o nosso diretor de cortes levantou e conversou aqui, e fez um sinal, ele acabou de entregar uma coisa, você viu eu olhando pra lá? Eu não olhei pra lá.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Ele acabou de entregar uma coisa na mão dele aqui. Eu não sei o que que foi, mas eu vi ele entregando. Porque eu fico prestando atenção em tudo ao meu entorno. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É uma antena parabólica que não para nunca… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É aquilo que eu te falei, é bom e ruim… 

 

É bom que, se eu tô no meio de uma manifestação, eu consigo dar mais detalhes, e é ruim porque se eu tô num dia… 

 

E hoje eu não tô hiperativo, viu? Hoje eu tô de boassa

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

E, se eu tivesse num dia muito hiperativo, ele ia entregar, eu ia fazer isso aqui [olha na direção dos bastidores], já era… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Já era, perdeu totalmente… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Minha mente… [sinal de explosão]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É… 

 

[ ERICK MOTA ]

Hoje, eu tô conseguindo me concentrar, que apesar de ter acordado cedo e ter sido desastrado o dia inteiro, como eu contei…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

… eu tô tranquilo. 

 

Mas, sabe, então… um cantinho. 

 

Você cons- 

 

Vai, vai, vamos lá, vai, um cantinho cê consegue. E outra, notebook… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

E conversar com a pessoa, né… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

…tenha um notebook na redação. 

 

CPU você não consegue levantar e ir pra qualquer canto. Dá um notebook pra pessoa, vai, que que custa? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É verdade, a pessoa… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Notebook, hoje em dia, tá tão barato, tenha um notebook, dá na mão do neurodivergente, fala, ó, quando você tiver muito cansado, pega o notebook e vai pra onde você quiser. 

 

Porque isso, cara, isso muda. Olha como é simples. Acolher… acolher no sentido de falar, senta aqui, me conta, o que você tem? E tá, como que eu posso te ajudar? Ok, você quer contar pros outros ou você não cont- 

 

Porque isso é importante! 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Isso é importante. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

A minha neurodivergência é a minha neurodivergência. Se eu te contei, meu chefe, contei pra você. Não é pra ninguém não, parceiro. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Exatamente. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Então assim… conversa, entenda como a pessoa quer lidar com isso perante o público, libera e abraça a pessoa. E cria um cantinho… pra quem quiser ir, não é só neurodivergente, vai ter alguém que algum dia vai estar mais ansioso naquela redação. 

 

Ter um cantinho não custa! Porque é muito difícil você se concentrar quando você tá ansioso, e teu colega tá falando no telefone, o outro tá fazendo uma piada, o outro tá pegando café, o outro tá falando que a Globo News deu um assunto, cadê, a gente não deu, porque a gente não tem? Você não consegue se concentrar se você tá num dia de maior dificuldade. 

 

É isso. São dicas… ó como são simples, não é simples tudo o que eu falei aqui? 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim.

 

[ ERICK MOTA ]

 

É só querer, mano. É só querer.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

No final das contas, é o que a gente tá falando, né… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É ser humano!

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É. 

 

Inclusão… não constranger as pessoas, né, isso que você falou de respeitar também, se a pessoa quer ou não quer falar. É tudo muito importante. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Cara, no Regra, hoje no Regra… O Regra dos Terços, a gente é uma equipe pequena, é… eu, que trabalho mais na administração, hoje em dia, à distância, minha esposa que faz apenas o tráfego pago, que ela toca uma agência de comunicação, ela faz essa parte pra gente, aí eu tenho dois estagiários e uma jornalista, então somos só nós, por enquanto. 

 

E… teve uma vez que uma pessoa que passou por… nós… eu não sei, eu senti… sabe quando você… eu tenho uma coisa muito de intuição, eu senti que tinha algo diferente. 

 

Eu chamei essa pessoa pra conversar, eu falei, não, vamos fazer uma reuniãozinha? Vamo. Eu só falei, tá acontecendo alguma coisa, você quer desabafar, você quer um tempo pra você? 

 

Primeiro que a pessoa chorou porque ela não esperava isso de um chefe… eu odeio esse termo, mas enfim… E segundo que eu falei, faz o seguinte, tipo, cuida desse problema, cuida desse problema, vai lá, tá de boa. 

 

Resultado, essa pessoa se entregou muito mais ao trabalho depois desse dia. Então assim, eu dispensei a pessoa, eu não tô rasgando dinheiro, eu tô falando, ei, ser humano, você que tá aqui na minha frente, você tem teus problemas, resolve eles, eu vou tá aqui por você.

 

Sabe? Cara, você ganha… se você não for fazer isso porque você é um ser humano legal, que pode ser que você não seja, você que tá ouvindo, não sei se você é, não te conheço…   

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos]

 

[ ERICK MOTA ]

 

Pode ser que você seja um chefe que só pensa em dinheiro. Se você é um chefe que só pensa em dinheiro, saiba que vai te dar muito mais lucro. Sabe, ter esse funcionário satisfeito, as pessoas felizes…

 

Hoje se a minha chefe… desculpa, mas se a minha chefe fala, Erick, quero que você trabalhe sábado e domingo. Cara, eu não vou dizer não. Olha o acolhimento que eu tive! Olha o acolhimento que eu tive, como que eu vou dizer não pra essa pessoa? 

 

Então, eu sei que ela não fez isso por isso, mas tipo… sabe? 

 

Eu acho que falt- 

 

O que que custa, cara? O que que custa? Não custa nada! E vai ser bom pra você, você vai ganhar o coração… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Não tenha… é… jornalista pelo medo de perder o emprego, de passaralho, e tudo o mais. Ter o jornalista porque ele quer tá ali, porque se o jornalista não quer tá com você, na sua redação, ele não vai produz- 

 

E outra, eu vou te dizer, como sendo alguém que tá nas duas pontas hoje em dia. Numa pequena empresa e numa empresa maior, e eu já fui editor-chefe, já coordenei equipe de programa ao vivo, por um tempo, fui diretor, já fiz de tudo que você possa imaginar em televisão, e em outros veículos.

 

Tendo essa minha experiência, eu afirmo. Se o funcionário tá insatisfeito, se ele pegar uma puta de uma matéria, ele não vai publicar no teu veículo. Ele vai passar pro colega. Por que? Não, meu chefe é um babaca. Meu chefe vai gritar comigo. Se eu apresentar isso aqui, não, não, não, porque dá muito trabalho, aí eu vou ter que ficar meia hora justificando, sei lá o que. 

 

Se você for um babaca com o teu funcionário, ele vai passar o… melhor coisa pro amigo dele que tá numa empresa legal, que acolhe. 

 

Então, assim. É bom pra você ser um chefe legal. 

 

Repare que eu não tô falando de neurodivergência. Isso é o ponto.  

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Sim. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Como é que lida com neurodivergente? Como você deveria lidar com qualquer ser humano. Respeitando limite, respeitando o espaço, respeitando as vontades, os desejos…

 

Ei, onde você quer chegar?  

 

No meu caso, eu quero ser apresentador. É lá que eu quero chegar. Minha chefe tá ciente disso. Porque ela me perguntou. 

 

O que que custa perguntar? É isso, sabe? 

 

Então, como lidar com neurodivergente? Sendo humano. Sendo humano. Crie espaços que seriam bons para seres humanos nas maiorias das hipóteses. Cabou. Parece simples.

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Perfeito. Perfeito. 

 

E resume muito, muito, muito de tudo o que a gente falou em todos esses episódios, né. 

 

[ LUANA IBELLI / INDICA AFLUENTE E PÕE NA ESTANTE ]

 

Eu vou dar uma pausa pra gente respirar, porque que eu quero fazer aquela indicação de conteúdo, que a gente sempre faz, né… é pra quem se interessa por podcast e por jornalismo, não é à toa que tá aqui ouvindo ou assistindo a gente. 

 

Nós temos o selo da Rádio Guarda-Chuva, que tem um catálogo variado de podcasts, todos de altíssima qualidade… e hoje eu tenho duas indicações pra você. 

 

A primeira é o Afluente, podcast narrativo do jornalista Bruno Tadeu que discute a Amazônia em profundidade, sempre pautado pela diversidade de vozes. Já tem duas temporadas disponíveis por lá, com temas como identidade, meio-ambiente, luta pela terra, saúde, e muito mais, vale super à pena.  

 

O outro podcast é pros apaixonados por literatura. Se você sempre tem espaço pra mais um livro na sua vida, então o Põe na Estante é pra você. Apresentado pela Gabriela Mayer, ele é um clube do livro em áudio, então a apresentadora e os convidados leem o mesmo livro e trocam ideias e impressões sobre a obra. 

 

A sétima temporada do Põe na Estante estreia no próximo dia 9 de setembro, e o tema vai ser Leia África, ou seja, cada episódio vai ser sobre um livro de um autor ou autora do continente africano. Demais né? 

 

Então, vai lá! Pra ouvir essas indicações muito legais é só procurar por Afluente e Põe na Estante no seu tocador favorito.

 

[ ERICK MOTA ]

 

E a Gabriela é maravilhosa, já trabalhei com ela na Band…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Ela é maravilhosa, não é maravilhosa? 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Um ser humano incrível. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Também pude conhecer pessoalmente, recentemente, e ela é linda mesmo, maravilhosa. Fica aí, tá vendo, mais essa indicação de quem conhece. 

 

Erick, vamos pro final da nossa conversa, a gente teria muitos assuntos pra ficar falando sempre, mas a gente… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

É que TDAH fala pra dedéu… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Fala pra dedéu, nossa… eu me segurei tanto, tanta coisa que eu queria fazer intervenção, mas a gente vai poder continuar essa conversa de outras formas… Eu queria que você entrasse… você falou um pouc- 

  

Acabou de adiantar um pouquinho, né, do seu sonho, então eu queria que você compartilhasse mais com a gente, dos seus sonhos profissionais e pessoais, sejam eles relacionados à pauta da neurodivergência, ou não.  

 

[ ERICK MOTA ]

 

Eu sonho, como eu falei, em ser apresentador. É um sonho que eu tenho… eu entrei na faculdade pra isso, basicamente. Sempre tive isso muito fixo na minha mente. É… esse é um sonho que eu tenho e independe… eu gosto tanto de me comunicar que independe da proporção, sabe? 

 

Não ligo, nunca liguei, assim… ah, é nacional, é regional, não, eu só quero ser apresentador, porque eu gosto disso, eu gosto dessa espontaneidade aqui.

 

Eu também sonho em que o Regra dos Terços seja um veículo viável financeiramente, a gente tá alcançando números razoavelmente bons, a gente veio… era um veículo que até dezembro, fazia uma média de 2 mil acessos por mês, e eu tava contando aqui, agora há pouco que a gente fez 60 mil nesse mês, a gente tá gravando, que dia que é hoje? Dezenove… No dia que a gente tá gravando. Então, ainda, o mês não acabou, a gente vai fazer uns 75, por aí, talvez 80. 

 

Saímos de 2 mil, então, ótimo, cresceu pra caramba, legal, Erick, agora deu boa! 

 

Não, porque falta o faz-me rir. O que que é o faz-me rir? Dinheiro! 

 

[Risos]       

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Então, eu sonho que o Regra seja, financeiramente falando, viável. A gente fala sobre direitos humanos, diversidade, tem um pouco de cultura e lazer também, porque nem só de… porque cultura e lazer também faz parte dos direitos humanos, nem só de B.O. vive a pauta dos direitos humanos, então a gente fala um pouco sobre tudo isso, e quando eu falo do Regra, obviamente inclui o Distraídos. 

 

Eu acredito que se o Distraídos chegar mais longe, de público mesmo, o Distraídos vai causar um impacto social. Eu acho que a gente já tá causando, eu não tenho falsa modéstia. Eu sou bem honesto, eu acho que a gente tá causando, a gente foi ouvido por mais de 19 países, se não me engano, em cinco meses… a gente tem uns ouvintes fixos, e eu sonho que isso se torne algo maior do que eu possa lidar.

 

Porque é uma pauta tão importante, e a verdade é que eu nunca me encontrei tanto, sabe, Luana? E eu finalmente me encontrei, assim. Fazendo o Distraídos eu acho que hoje, de tudo o que eu faço…[tosse].

 

Eu tava segurando essa tosse há muitas horas, perdão.   

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Fazendo o Distraídos, de tudo o que eu faço, é o lugar onde eu me desnudo. E assim, é um lugar que eu falo do meu problema, da minha dor, que eu choro sem medo, sabe? Apesar de que eu sou um chorão, como você pode perceber… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Que eu falo de tudo, então eu queria muito que o Distraídos se tornasse maior do que a gente, maior do que eu e a Alpin, porque é a pauta da neurodivergência que a gente traz lá, não é só a pauta do TDAH, e nem só a pauta do autismo. A Alpin também é autista e tem altas habilidades, superdotação. A gente fala sobre neurodivergência, então eu queria muito que, junto com o Regra, o Distraídos crescesse. 

 

E se eu tiver que falar de sonho pra sociedade, é… seria que a sociedade fosse mais humana mesmo, sabe? Porque o que a gente vê, essa briga toda que a gente vê na política, e tudo o mais, é tudo por falta de consciência do que é ser humano. 

 

Ah, Erick, ser humano, neurodivergência, aquilo outro, isso é uma pauta, tá sendo um esquerdista, um comunista… 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Tipo, amigo, assim… se defender o ser humano…todo… 

Se você tá me ouvindo, e tá compreendendo o que eu tô falando, automaticamente você é um ser humano. E se isso… defender isso, você quiser me rotular com o que você quiser, me rotula, tá tudo bem. Pra mim tá tudo bem. Provavelmente eu nem vou querer saber da tua opinião. A depender da tua linha de raciocínio. 

 

Porque… eu acho que o que falta também nas redações é essa relação mais humana. Então, eu sonho que a humanidade seja mais humana. E automaticamente, a redação precisa espelhar isso. 

 

Hoje eu tenho uma relação, que eu me surpreendi positivamente, mais humana, e eu acho que já deu tempo, né, parceiro, da redação ter grito, de pô, nãnãnã! Já deu. Isso já foi. Já tá mais que provado que não é isso que produz. 

 

Então é isso. Mais humanidade. Entre os seres humanos. Esse seria o meu sonho master, assim. Que aí inclui tudo. Neurodivergencia, comunidade LGBTQIAPN+, comunidade preta, enfim… PcDs… Eu aprendi ouvindo aqui que PcD tá caindo… não deveria ser usado, tô tentando tirar, eu ouvi aqui. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

É Pessoa com Deficiência… 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Pessoa com Deficiência, enfim. Seria isso. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Ai, muito bom, tem tudo a ver. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

E agora eu vou chegar emotivo em casa, que eu tô todo emotivo aqui, você percebe que eu já não tô com a animação que eu tava quando eu comecei [risos]. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Mas isso toca em pontos tão sensíveis da gente, né… e gostei muito de tudo isso que você falou, e tem tudo a ver com essa proposta, mesmo, o que a gente quer com esse projeto é justamente levar essa humanidade, né, e que as pessoas entendam o quanto é positivo ter pessoas diferentes fazendo jornalismo, porque a gente consegue ser mais democrático, e o quanto todas essas subjetividades, essas experiências diferentes de vida podem trazer mais humanidade pro jornalismo. 

 

Muito obrigada, Erick. Antes da gente encerrar de uma vez, mesmo, queria que você falasse pras pessoas as suas redes sociais, como elas podem te achar e os projetos que você queira, claro, também, divulgar. 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Pega caneta e papel.

 

[Risos]

 

[ LUANA IBELLI ]

 

[Risos] 

 

[ ERICK MOTA ]

 

Não, são três. São três, brincadeiras à parte. 

 

As minhas redes sociais pessoais são erickmotaporai, Erick com CK, Mota com um T só. erickmotaporai, todas elas, todas as redes. 

 

O Distraídos, é o @distraidospod, distraídospod, você pode procurar por Podcast Distraídos no seu agregador de podcast que você preferir, mas distraidospod no Insta e no Twitter, e por último, que eu não poderia deixar de fazer, siga o Regra dos Terços, @regradostercos em todas as redes sociais, acesse regradostercos.com.br, seriam essas três, a minha, a do Distraídos, a do Regra, porque a minha sou eu, a do Distraídos é o meu projeto do meu coração, e o Regra é um sonho que tá virando realidade, então, gostaria que as pessoas ajudassem, dessem uma moralzinha lá que a gente se esforça pra fazer um trabalho legal… 

 

E Lu, eu preciso te falar que eu fiquei muito feliz de vir aqui…

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Ai, que bom! 

 

[ ERICK MOTA ]

 

…muito feliz mesmo, é… brigado! 

 

Valeu muito à pena ter acordado cinco horas da manhã no dia mais frio do ano em Curitiba, tá? Valeu… não foi o dia mais frio, mas foi o segundo. Valeu muito à pena, eu fiquei bem feliz e foi um papo muito gostoso… geralmente eu convido as pessoas, foi muito legal ter sido convidado por você, e parabéns pelo projeto. 

 

Não só do podcast, como o do próprio Portal dos Jornalistas, vocês são incríveis, parabéns. Obrigado. 

 

[ LUANA IBELLI ]

 

Ai, que bom! Que bom, brigada. E que bom a gente poder encerrar esse projeto com esse tema, que é um tema muito próximo do meu coração, assim, que é tão difícil falar e que ainda mexe tanto comigo, né… esse projeto tem muito de pessoal, meu, né, que veio de coisas que eu mesma passei nas redações, né, ao tentar falar de diversidade, enfim, vou tentar não me emocionar, mas é muito legal ver tanta gente bacana passando por aqui, ver que a gente não tá sozinho, ver que essas questões, elas perpassam por muitos jornalistas e cada um, na sua diversidade, tá fazendo a diferença, né, e tá pautando coisas muito importantes pra sociedade, e é isso que eu espero com esse projeto, eu espero abrir mentes, abrir corações, fazer um jornalismo melhor, mais democrático, seja qual for a sua diversidade, se você não tiver diversidade… até homem hétero hoje em dia, às vezes, tem uma cota pra eles… na diversidade [risos]… Todo mundo pode entrar nesse bonde, porque é um bonde que a gente quer ver pra melhorar isso que a gente faz, né. 

 

Então, gente, eu queria encerrar mesmo, eu queria agradecer você que acompanhou a gente nesses seis episódios, esse projeto foi feito com muito amor, com muito carinho, foi um projeto muito esperado pela equipe do Portal dos Jornalistas, e é incrível ver ele acontecendo, e encerrar dessa forma pra cima, né, com muita alegria, enfim, a gente espera ter outras coisas, pra você que acompanha a gente, mas por hoje a gente vai encerrar aqui esse projeto… 

 

Divulgue, né, pensei sobre todos esses temas que a gente falou, porque eles não se esgotam, existem muitas outras diversidades acontecendo, não só essas que a gente trouxe aqui, mas eu acho que a gente já começa um debate, né, justamente sobre isso, sobre como a gente pode ser mais humano, mais democrático, e melhorar o debate jornal- jornalístico de uma forma geral. 

 

Então, muito obrigada, nossa audiência, todo mundo, enfim, que ouviu, que tá com a gente, que divulgou, esperamos voltar e falar muito mais sobre esse tema. 

 

[ LUANA IBELLI / ENCERRAMENTO ]

 

Então, vamos pro nosso encerramento, queria agradecer a equipe maravilhosa do Portal dos Jornalistas, Anna França, estagiária, Fernando Soares, editor, e  Victor Félix, repórter. 

 

Tem os nossos apoiadores, Ajor, Associação de Jornalismo Digital, a ICFJ, International Center for Journalists, [Meta Journalism Project], a Imagem Corporativa, e a Rádio Guarda-Chuva.  

E tem também os nossos parceiros institucionais, a Énóis Conteúdo e a Oboré Projetos Especiais

Gente, até um próximo projeto, um beijo, tchau!  

#diversifica – Especial: Subjetividades – Transcrição: Ep. 3 – Entrevistada: Luciana Barreto

[ LUANA IBELLI / ABERTURA ]

Olá! 

Tá começando o #diversifica, um podcast sobre diversidade, equidade e inclusão no jornalismo. Esse é o especial Subjetividades.

Eu sou Luana Ibelli, e tenho muito prazer de estar nesse terceiro episódio, onde a gente vai entrevistar mais um jornalista que tem história em representar diversidade nas redações. 

A nossa convidada é uma referência sobre negritude na TV. Uma inspiração para meninas negras que hoje podem olhar para um grande jornal e falar:

Quero ser assim quando crescer! 

Luciana Barreto, muito obrigada por ter aceitado nosso convite. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Olha a responsabilidade dessa apresentação! 

Eu que agradeço, vai ser ótimo conversar com vocês.

[ LUANA IBELLI ]

E para mim é uma alegria muito grande, assim, pessoal, né? 

Porque a gente trabalhou numa emissora, né, na TV Brasil, durante um tempo… e era muito reconfortante quando eu entrava ao vivo, começando ainda, e você estava lá para me receber no estúdio…

Então, só queria te dizer que isso me deu muita força para estar aqui para fazer tudo que eu faço. Então, já começo assim, já, talvez chore um pouquinho ao longo da entrevista… 

[ LUCIANA BARRETO ]

[Risos] 

[ LUANA IBELLI ]

… não sei, vamos ver. Mas, brigada. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Eu falava assim.

Gente, quem é aquela menina linda, pelo amor de Deus! Essa garota tem que apresentar. 

Pelo amor de Deus!

[ LUANA IBELLI ]

Pois é, e só aconteceu de eu ir porque tive essa referência, vi você falando… mas eu vou adiantar isso ao longo da entrevista, né. 

Pra gente começar, eu queria que você falasse um pouco da sua trajetória, né? O que faz a sua essência, assim, dessa jornalista que você é hoje, e um pouquinho do que você faz, atualmente. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Bom, eu… diferente de algumas outras jornalistas negras que estão hoje na televisão, eu sou uma mulher, preta, de periferia. 

Então, a minha trajetória, não dá para entender o que eu sou hoje, ou jornalismo que eu faço, né, um jornalismo extremamente engajado com questões de direitos humanos, ou de humanismo, né. Eu posso falar que é um jornalismo de humanismo, porque o leque é bem amplo, de questões que eu que eu gosto de trabalhar… Não dá para entender sem entender a minha origem, né? 

Então, eu nasci numa família muito pobre, da periferia da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. E lá eu entendi, junto com uma família muito engajada, também, em luta por direitos, direitos básicos, eu tô falando, é direito a saneamento básico mesmo, é direito a ter acesso à estrada, ônibus, direitos muito básicos.

Então, quando eu cresci nessa família que tava muito engajada nessa luta por direitos, eu já na adolescência comecei a perceber que a gente precisava de ter canal de denúncias. E eu comecei a perceber também que a gente não era a notícia. 

E aí eu fui entendendo que o jornalismo tinha esse viés, pelo menos um viés elitista, classista, e que a gente talvez não fosse a notícia se a gente não entrasse lá para falar.

Olha! Essa redação precisa de alguém que veja essa população. 

Então, são exemplos básicos, por exemplo, a Baixada Fluminense tem 13 municípios. 

Se tivesse um acontecimento que virasse notícia no Rio de Janeiro, a pessoa, o jornalista poderia dizer, até a esquina da rua tal, com a rua tal, do bairro de Copacabana, digamos assim. 

E se acontecesse algo na Baixada Fluminense falava, aconteceu na Baixada Fluminense

São 13 municípios. 

Aí, já mostra o classismo do tipo de jornalismo que a gente ainda faz nas redações de grandes veículos de comunicação.

[ LUANA IBELLI ]

E o que você tá fazendo hoje, no seu trabalho? 

Assim…só se alguém ainda não viu e não conhece, né? 

Mas é muito gostoso ouvir da pessoa [risos]. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Hoje eu sou âncora da CNN, já há três anos, tô no início do projeto, eu posso dizer que eu estou antes do projeto, né? Eu sou uma das primeiras contratadas da emissora. Coloquei emissora no ar. 

Faço o jornal Visão CNN, que é um jornal que faz o início da tarde, uma transição para um jornalismo mais pesado, que é o jornalismo da CNN mesmo, que é um jornalismo muito voltado para a política, economia, sociedade. E a gente faz essa transição. 

Então, o meu jornal é um jornal de muita análise… duas horas de análise sem nenhuma reportagem, só fala e análise, fala e análise. E muito link. 

Então, eu faço essa transição para um jornal que vai ficando um pouco mais político, que é o 360 com a Daniela Lima.

Essa é a minha função.

[Risos] 

[ LUANA IBELLI ]

E aí eu quero voltar um pouquinho, que você estava falando do jornalismo que a gente ainda faz, eu acho que tem a ver com esse questionamento que é um pouco do centro do que a gente traz na discussão desse podcast, né, com o tema subjetividades.

Quero que você fale um pouquinho se você acredita que é possível ser objetivo no jornalismo. Se é possível ser neutro, imparcial. 

E como que isso está relacionado com a pauta da negritude.

[ LUCIANA BARRETO ]

Olha… 

A  imparcialidade e a neutralidade são palavras que são objetos de estudos de comunicação… eu acredito que a gente pode ter, é como é que eu vou dizer…

Um certo equilíbrio.

Não vou a gente nunca vai ser imparcial, né? Não tem como você ter uma uma escolha da notícia, a visão do mundo que você tem…Não tem como você trazer essa imparcialidade total e completa para notícia, para o olhar da notícia. 

O que você pode trazer é um foco mais de… como é que eu vou dizer? De equidade para notícia no sentido de equilíbrio mesmo, sabe? Então, eu acredito muito no olhar com equilíbrio. O que é o olhar com equilíbrio? Por exemplo, na CNN, a gente tenta, é estar muito focado nos fatos.

Fatos são fatos. 

Então essa, esse é o mote da CNN. Então, eu acredito muito nos fatos, tô muito focada nos fatos.

Agora, cá entre nós. Quando a gente escolhe o que é notícia, a gente já tá colocando um pouco da nossa visão de mundo, do que, como eu disse como primeiro exemplo, do que nós somos. 

Quando você tem uma redação, que é o que acontece hoje no Brasil, e aconteceu mais ainda no passado, uma redação de homens, brancos, como a mesma origem social, é muito provável que o que você tem como o que é notícia seja muito semelhante, né? O olhar sobre a notícia.

Então, para te responder… Eu tô dando voltas aqui, para te responder… eu vou te responder com exemplos… sobre o meu trabalho, especificamente. Você consegue isso em todas as emissoras que eu trabalhei. Vamos pensar no Internacional. 

Você consegue trazer uma notícia de um atentado terrorista, por exemplo que acontece num num país do Hemisfério Norte, então é um país da Europa, ou os Estados Unidos… e essa notícia, ela vai conseguir reverberar durante horas, em uma televisão brasileira ou num veículo de comunicação do Brasil.

Você vai ficar horas tratando essa notícia, então isso é escolha, nossa, do que é notícia, é importante. Um atentado com cinco mortos, por exemplo, nos Estados Unidos. Um atentado com 250 mortos na Nigéria…Moçambique, ou qualquer país da África, a gente não consegue dar 30 segundos. Quando a gente realmente acha que é notícia, ou não. 

Então essa escolha, ela tá carregada de um leque de problemas que a gente carrega nas nossas redações. Entre eles o racismo estrutural.

É um leque de problemas, né, do que a gente realmente acha, do que a gente tem empatia, do que é a sensibilidade. Então, esse eu… esse eu, essa formação, esse profissional que está ali olhando pra notícia e escolhendo o que é notícia, e que tenta uma neutralidade, ele não vai conseguir ser imparcial.

Porque ele traga todo esse olhar, todo esse eu para a notícia. É só um exemplo muito simplório pra te mostrar que você não consegue trazer essa imparcialidade, ainda que você queira. 

 Agora, você pode estar muito focado nos fatos. E fatos são fatos.

[ LUANA IBELLI ]

E você falou que… pelo menos a minha compreensão, né, é que a gente consegue chegar nesse equilíbrio quando a gente tem esses profissionais, lá atrás, pautando esses temas com essas visões diversificadas. 

E aí eu queria trazer esse dado, né? É o Perfil Racial da Imprensa Brasileira, que foi feito pelo Portal do Jornalistas e pelos Jornalistas e Cia…no ano passado, mostrou que só 20% dos  jornalistas nas redações do Brasil se autodeclaram pardos ou pretos, ou seja, negros.

E a gente tá numa população que é mais de 50% né? Nós, pessoas negras, pardas e pretas somos mais de 50% da população. Quais são as consequências, né? Primeiro… não as consequências, mas por que em 2022 os jornalistas não estão nas redações ainda, os negros ainda não estão nas redações brasileiras? 

[ LUCIANA BARRETO ]

Bom, isso é um problema muito clássico numa falha do nosso sistema educacional, né? Então, a nossa educação, do Brasil, melhorou muito da década de 70 até especialmente depois da nossa Constituição Cidadã de 1988, o Brasil fez o dever de casa, a gente tinha um grande número de analfabetos…

A gente vem de um país escravagista, com pouco mais de 130 anos de abolição. A gente lembra que não muito longe, negros não estudavam e mulheres também não frequentavam a   escola. 

A gente tá… vai comemorar agora o bicentenário da independência e sabe disso, que a gente tinha restrição a mulheres e aos negros. 

Nossos problemas são estruturais. 

A gente conseguiu avançar… a gente conseguiu avançar até a página que a gente queria avançar. Porque a gente lida com o racismo, e o racismo ele impede, definitivamente impede, o avanço de parte da população.

Então… o Achille Mbembe, que é um pensador, né, camaronês, ele fala muito sobre a necropolítica, que não é o só o matar, mas muitas vezes o deixar morrer, e a gente… o Brasil, o estado brasileiro por muito tempo deixou ou deixa ainda parte da sua população ao Deus dará. 

Não se importa, por exemplo, com a qualidade do ensino que é ministrado em boa parte do Brasil, longe dos grandes centros urbanos. 

Não se importa se essas pessoas…o alto índice de evasão escolar que tem nesses lugares. Não se importa se a gente está numa periferia, numa escola de periferia, e tem dezenas de trocas de tiros, tiroteios, por ano, né? 

Se tem… se a gente fala de entrada de policiais nas favelas, e se aquelas escolas ficam dois três dias sem aula naquela semana. E tem pesquisas que mostram, por exemplo, que na Favela da Maré… eles fizeram uma pesquisa dessa, os alunos chegam a ficar cerca de um mês sem aula por ano… 

[ LUANA IBELLI ]

Nossa… 

[ LUCIANA BARRETO ]

… o que significa que durante o ensino fundamental, eles ficam um ano, eles perdem um ano de estudo, durante o ensino fundamental. 

Isso é uma forma de deixar acontecer

É um deixar morrer, a educação, também. Né? Isso também é uma parte de uma necropolítica.  

Então, respondendo objetivamente à tua pergunta, onde está essa população negra, onde está essa população que poderia contribuir com esse olhar mais diverso dentro das redações? 

É essa população aí.

Um ou outro vai conseguir furar a bolha, eu sou parte disso, não porque o estado brasileiro quis, mas porque um ou outro consegue através de muito… não esforço pessoal, mas de muita renúncia pessoal.

Eu não gosto de falar de esforço pessoal, porque a gente não tem que falar, essa história de heroísmo. Não é uma história heroica, a gente não tá falando de meritocracia aqui, a gente tá falando de renúncia. 

Então, através de muita renúncia pessoal, um ou outro consegue. E aí… a gente tem essa diversidade falha nas redações. E aí a gente…

O sistema todo é falho, no final das contas, né? 

O sistema é falho, o que a gente fala é falho, porque a gente não consegue ter minimamente essa essa diversidade que o Brasil oferece, que talvez seja o maior motor do Brasil nos grandes…centros de poder, ou nas grandes profissões de poder.

E a gente sabe que a comunicação é uma profissão de muito poder.

[ LUANA IBELLI ]

É, e você falou das renúncias, né? E eu fico pensando em barreiras também. 

Muitas pessoas negras, quando falam da dificuldade da entrada, das barreiras, então, desde a educação, como você falou…

E aí, a gente… essa população já tá atrás, né? 

Então, para acessar uma redação, que também já é um círculo um pouco mais fechado, muitas vezes o próprio processo seletivo traz uma série de requisitos que não fazem parte da base da maior parte dessa população, né, Lu? 

[ LUCIANA BARRETO ]

Exatamente. 

A gente tem uma grande… pra ser justa, uma grande leva de educadores que pensam o Brasil, né? Não à toa, muitos educadores são perseguidos, porque pensam o Brasil, pensam como a gente pode ser melhor como nação…

Pensam como a gente pode ser melhor na nossa identidade, pensam como a gente pode ser melhor nas nossas divisões. E com isso, como a gente pode ser melhor como um todo, né?

Mas a gente não pode fechar os olhos que existe uma grande resistência, porque esse Brasil ainda é lucrativo para uma pequena parcela que se agarrou, muitas vezes, ao poder, né? Se agarrou ao privilégio, se agarrou a estar em alguns espaços e não deseja dividir isso.

Então, é, seria muito ingênuo pensar que não, é só um deixar morrer. É só um deixar acontecer. Acho que tem um propósito aí de não dividir, não ter… é uma questão de territorialidade mesmo, de ocupar esses espaços e gente que não quer sair desses espaços.

Não é à toa que a nossa política, ela não é nada representativa do que é a população brasileira, e a gente pode pensar… a política pensando nas grandes famílias que estão ainda passando de pai para filho, o poder em determinadas regiões…

Mas a gente pode falar também do quanto a nossa política é formada por homens brancos, né? Então, acho que tem uma parcela que não quer sair desse poder, e se sentiu muito ameaçado, eu acho… 

O Brasil vem fazendo, depois de 1988, especialmente, né, epois da Constituição Cidadã, o Brasil vem fazendo todo um um trajeto na tentativa de ter mais inclusão de pessoas, oferecer, ofertar maiores possibilidades para a população mais pobre… 

É, a gente pode falar tudo, com todos os erros, todos os acertos, mas a gente percebe que existe essa tentativa. E isso causa um grande conflito no Brasil que não conseguiu resolver seus problemas de identidade [risos] …

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]  

[ LUCIANA BARRETO ]

… não conseguiu resolver seus problemas de história.

Não conseguiu resolver seus problemas, né? A gente precisa sentar e conversar. 

O professor…ai meu Deus, agora… me fugiu o nome. 

[Pausa]

O professor Silvio Almeida

[ LUANA IBELLI ]

Uhum…

[ LUCIANA BARRETO ]

… de vez em quando fala sobre isso, né, essa semana mesmo tava lendo um texto dele, e ele diz que a gente não tem que, talvez, refundar o Brasil, reconstruir o Brasil, não, acho que já nem cabe mais isso.

Tem que construir.

Porque, realmente, a gente tá com problemas bastante graves, assim.

[ LUANA IBELLI ]

E aí, eu fico pensando também, né, no quanto… em quais as consequências, né, dessa falta de pessoas nas redações, falando disso.

Quais as consequências disso nas narrativas jornalísticas, né, que a gente tem.

Por exemplo, você falou também nessa questão…de como é uma questão de poder, né? 

A Danila de Jesus, que é uma mulher preta especialista em formação de pessoas, ela fala isso…

Até aqui, a falta de diversidade te beneficiou

Então, acho que é uma questão, né… que realmente as pessoas não vão permitir muitas vezes, né, que chegue na redação…

Então a gente já tem essa dificuldade, mesmo, de estar nesses lugares. 

[ LUCIANA BARRETO ]

É, porque… não só o que a gente traz com a gente, né, o nosso conteúdo… é uma questão de ocupar espaços que são desejados pelo poder. 

Exemplo, eu sinto muito desde que virei âncora, e isso é quase toda uma vida, mas conforme eu vou conseguindo mais visibilidade, conforme eu… inclusive mostro mais competência no meu trabalho, conforme isso vai avançando, eu sinto também avançando o discurso de ódio.

Né, que é algo inclusive que é motivo de estudo meu, foi o meu tema de mestrado. 

E eu percebo que ter uma mulher negra num espaço de poder ainda é um incômodo muito grande para parte da população brasileira. E esse incômodo, você pode sentar calada em frente a essa pessoa, essa pessoa pode te ver calada. 

O incômodo é você estar ali.

Porque essa pessoa se sente ameaçada de você estar ali. É ocupar esse espaço. 

É como se a sociedade brasileira dissesse, esse espaço é um espaço que não deveria te pertencer, esse espaço tem um dono… 

Tem um tipo… tem um um fenótipo esse dono, né? 

Então, isso aconteceu muito tempo com mulheres, né? Depois, hoje a gente tem uma redação com muitas mulheres, ou redações com muitas mulheres. Temos muitas mulheres ancorando, mas é… mulheres ancorando.

Agora, mulheres negras… isso é como se dissesse assim, já é demais, aí já é demais. 

E isso faz com que a gente tenha o que a gente chama de tokenismo, né? Que é, uma ou outra. Como se fosse como se as empresas escolhessem um ou outro representante para dar a resposta de diversidade que parte da sociedade busca.

A gente sabe desse jogo, a gente… todo mundo sabe desse teatro, né? 

Tá todo mundo no mesmo teatro, mas a gente… [risos] 

Cada um sabe qual é o seu lugar nessa peça, mas você não consegue trabalhar para mudar isso se você não estiver nessa engrenagem. 

Então você faz parte dessa engrenagem, no meu caso, eu faço parte da engrenagem que é uma engrenagem no mundo, não é uma engrenagem específica ou da minha empresa ou do meu país, é uma engrenagem no mundo, e eu faço parte dessa engrenagem me utilizando dela para denunciar isso, que eu acredito que não é correto.

[ LUANA IBELLI ]

É, né? E aí a gente até entre-  

Sempre que a gente fala nessa questão, da inclusão nas redações, tem as posições, né, que as pessoas ocupam. Porque às vezes você pode estar ali, né, como uma repórter, mas o seu editor, que é quem tá acima de você, não tem esse letramento, né?

Então às vezes fica muito difícil a gente propor pautas ou realmente mudar alguma coisa, né?

Você já sentiu isso, assim, essa dificuldade? De… eu até tento, mas existem mais pessoas aqui que não estão permitindo, assim, por exemplo.

[ LUCIANA BARRETO ]

Como eu te disse, eu faço parte da engrenagem tentando mudar, então eu sou uma pessoa chata! 

[Risos]

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

Às vezes tem que ser, né, infelizmente. 

[ LUCIANA BARRETO ]

É… Não, as pessoas gostam de mim, acho que sim, não sei.

[ LUANA IBELLI ]

Suspeito… suspeito… [risos]. 

[ LUCIANA BARRETO ]

[Risos] 

Que que eu faço? Eu nem me sinto mais cansada de fazer isso, já é o meu padrão. As minhas equipes, ou as pessoas que trabalham no meu entorno, trabalham comigo, já é natural esse letramento. Sai, e eu vou o tempo inteiro, já nem percebo que eu tô fazendo palestra na reunião de pauta [risos]. 

É muito normal pra mim, é muito… quando eu olho, tá todo mundo me olhando, ou então eu já chego e tão me perguntando, vem cá, você viu esse caso, o que você acha, a gente traz assim ou assado? 

É muito natural, a minha equipe, as minhas equipes, todas as equipes com as quais eu já trabalhei, todas elas… acho que começou a fluir, sabe?

Já se interessavam por diversidade, já se interessavam por temas de direitos humanos, se interessavam por temas de gênero, de orientação sexual…

E quando eu via tava muito… tudo fluindo. Então eu não preciso mais dizer o que é notícia, qual o olhar pra notícia, flui muito, mas desse convívio, dessa fala, dessa troca.

E aí você percebe que… cara, tem muita gente boa nas redações. 

Jornalista é muito gente boa, né? 

[ LUANA IBELLI ]

Uhum… 

[ LUCIANA BARRETO ]

E tem muita gente boa nas redações. 

Acho que a gente precisa, e eu falei isso no Twitter uma vez, a gente precisa de cursos, de letramento, mesmo, racial… De cursos de formação, de diversidade mesmo, convivência, pluralidade. 

Porque, se você traz os olhares, por exemplo, periféricos, todos os outros olhares pra esse convívio, é muito rápido, jornalista é muito esperto e muito rápido.

Tudo flui.

Então, assim, eu não tenho muitos problemas com as minhas equipes, são pessoas que trabalham comigo, rapidamente pegam o meu jeito… 

Acho até, me sinto muitas vezes admirada porque, quando eu saio de algum lugar sempre tem festa, tem choro, então… 

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

[ LUCIANA BARRETO ]

…eu não se tão chorando de tristeza, ou de alegria… 

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

[ LUCIANA BARRETO ]

[Risos] 

Mentira! Mas, sempre tem festa, tem choro, então eu acredito que tem essa troca, esse conhecimento, e esse letramento constante mesmo. 

[ LUANA IBELLI ]

É muito legal, né, você poder exercer esse papel ali com as suas equipes, mas eu fico pensando também no papel institucional, acho que isso é importante, também, pra inclusão. 

E você comentou isso antes, né, que a gente poderia ter mais cursos, você acha… como você acha que institucionalmente… 

Porque, assim, é muito legal que você, Luciana, consiga ter essa disposição, e essa energia, esse vigor, pra falar pras pessoas, né, e fazer esse letramento. 

Mas, as instituições talvez precisem ter ações mais concretas? Porque nem todo mundo, né, vai estar nesse papel. 

[ LUCIANA BARRETO ]

É, essa parte cansa, né? 

Essa parte cansa não só no jornalismo, na comunicação, mas em todas as empresas. 

A gente sabe que a pauta de inclusão é uma pauta muito atual, moderna, né, todo mundo fala em ESG… Tudo muito perfeito desde que não chegue aos grandes cargos, né, desde que você não ocupe os cargos com maior remuneração, com maior poder… 

Então, essa pauta, ela vai ficando cada vez mais rara conforme você vai subindo na hierarquia da empresa. 

Eu instigo sempre as empresas que eu estou, sempre instigo essa pauta. Muitas das vezes eu vejo com felicidade que vem de cima o estímulo de, não, vamos fazer sim… tem essa formação. 

Agora, nosso grande desafio no Brasil, e aí agora eu falo que é mais no Brasil, porque a pauta de ESG ela já é muito mais avançada em países da Europa, ou nos Estados Unidos, eu pude, por exemplo, ver de perto nos Estados Unidos, viajei pra entender um pouquinho como eles fazem essa inclusão…

Recentemente também fui pra Noruega ver como é essa inclusão lá…

[ LUANA IBELLI ]

Legal. 

[ LUCIANA BARRETO ]

…e eu vejo que eles estão muito à frente, de nós.         

Porque aqui é tudo muito misturado. Vou voltar o que eu falei, dos nossos desafios. 

A nossa pauta ESG, ela vai esbarrar muito, entre outros problemas, mas um problema muito grave do Brasil, que talvez seja o problema mais grave do Brasil…

O racismo estrutural. 

A gente tem um problema extremamente grave. E aí, ele vai permitir, que é o que acontece no Brasil, nas empresas, que a gente distribua, faça a inclusão, né? Mesmo de pessoa com deficiência… a gente faz a inclusão em cargos que a gente acha que pode fazer. 

Mas a gente nunca chega nos cargos de maior poder. Ou chega muito raramente. 

Esse é o nosso desafio, porque quando a gente consegue trazer essa diversidade, ou levar essa diversidade pra hierarquia, subir na hierarquia da empresa, a gente consegue fazer um movimento muito grande. 

E outras pesquisas, muitas pesquisas mostram que essas empresas conseguem aumentar os seus lucros, com essa diversidade.  

[ LUANA IBELLI ]

Parece que só na hora que a gente fala de lucro é que anima, né? Os olhos, aí… 

[ LUCIANA BARRETO ]

Pois é! 

[ LUANA IBELLI ]

… dos espaços de poder.

[ LUCIANA BARRETO ]

E aí, no Brasil, por isso que eu falo que eu acho que a gente tem um problema maior, que no Brasil, nem o lucro anima quando a gente fala em inclusão e diversidade.

Me parece que o brasileiro tem uma dificuldade muito grande de abrir mão do seu privilégio, né.

Como dizia Martin Luther King…

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

… ninguém abre mão do seu privilégio assim, sem luta. 

Mas aqui no Brasil, me parece que a luta é intensa, porque as pessoas tem muito medo de perder os seus privilégios.  

[ LUANA IBELLI ]

E é fácil manter o seu privilégio nesse contexto, né, porque você pode dizer que não tem um profissional negro pra ocupar aquele cargo de gestor. 

Mas será que não dá pra preparar esse profissional, como que você vê isso? 

[ LUCIANA BARRETO ]

Conversando, eu faço muita palestra, medio muitas mesas e hoje em dia, me parece que a gente tem esses profissionais. 

Me parece que essa foi uma grande desculpa, nos últimos anos, pra dizer que não tem inclusão, eu não tenho esse profissional, eu não tenho esse profissional formado… ai, a gente precisa desse estudante que fale inglês, as pessoas não falam inglês… 

E aí você descobre, mediando mesas, conversando com gente do ramo, gente da formação, gente de RH, que… olha, não é bem assim. 

Por exemplo, qual é a garantia que você tem que as pessoas brancas que você contratou falam inglês? Muitas vezes, sequer fazem uma prova, né? De que elas realmente falam inglês.

Então, você tem ali, os empecilhos e as barreiras são colocadas pra que essas pessoas não ocupem determinado espaço. Mas não necessariamente essa qualificação dessa pessoas é a principal barreira. 

Me parece que não é, a gente tem essa qualificação. 

Muito pelo contrário, a gente sabe, por experiência própria, de quem [é] minoria, pessoas que tem que ultrapassar barreiras, ou abrir mão de muita coisa pra chegar a determinado lugar, precisam mostrar duas ou três vezes mais a sua competência.       

[ LUANA IBELLI ]

Sim…

[ LUCIANA BARRETO ]

Então a gente tem profissionais extremamente competentes, o que a gente tem é uma série de barreiras sendo colocadas pra que essas pessoas não cheguem a determinados locais.

[ LUANA IBELLI ]

O Jairo [Marques], que fez uma entrevista antes de você, né, ele falou um pouco disso também, justamente desse cansaço. 

E eu fico pensando, quantas vezes a gente já ouviu que os nossos passos vêm de longe, mas o nosso cansaço com certeza, né. 

Eu acho que não existe uma pessoa negra… claro, né, não que não exista.

Mas é muito comum na nossa história, como você falou… eu ralei muito, tive que trabalhar enquanto fazia faculdade, a minha história também é assim, e a de tantas outras pessoas… 

E eu fico pensando no quanto isso cansa a gente.

E eu fico pensando também que, ao mesmo tempo que algumas pessoas conseguem ultrapassar esse cansaço, outras não. 

Então acho que a gente perde muita gente também, né, no meio do caminho. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Perde! 

E eu gosto muito de falar a frase que eu vou falar agora, toda palestra que eu vou dar, eu falo contra a meritocracia, obviamente, né, porque é um grande erro falar em meritocracia nesse país, especialmente. 

Mas eu falo muito sobre essas histórias heroicas, sabe? A gente tem que batalhar pra falar contra histórias heróicas. 

Vez por outra, as pessoas querem contar a minha história e falam, ah, a Luciana, filha de um motorista de ônibus, veio lá da periferia de Nova Iguaçu, e conseguiu, hoje é âncora da CNN…

Eu falo, eu não quero que conte a minha história heróica, não tem que ser uma história heróica. Porque essa é uma história de muita renúncia.

E é uma história que, no Brasil, é uma história que leva as pessoas a adoecerem. 

Física e mentalmente.

Então, a gente não deve incentivar esse tipo de história, eu conto a minha história e falo… sempre frisando, é importante que o Brasil permita que as pessoas… dê condições pra que as pessoas não tenham que passar pelo que eu passei, é diferente.    

[ LUANA IBELLI ]

Pois é. 

[ LUCIANA BARRETO ]

É diferente. 

Agora, a gente precisa dar condições. Porque você não pode exigir que as pessoas passem o que a gente passou. E chegue a determ-

E tem gente que chega num lugar xis, que parece um lugar de maior privilégio, e adoece ali. 

E tem gente que desiste naquele lugar xis. 

E tem gente que se mata naquele lugar xis, a gente…   

[ LUANA IBELLI ]

Com certeza! 

[ LUCIANA BARRETO ]

… tem que falar sobre isso! 

[ LUANA IBELLI ]

Sim! 

[ LUCIANA BARRETO ]

A gente tem que falar sobre o adoecimento mental.

Então a gente não deve exaltar as histórias heróicas, muito pelo contrário. 

A gente tem que falar contra elas o tempo inteiro.

Não é bonito! Não é bonito que alguém tenha enfrentado toda a sorte de dificuldades pra chegar em determinado xis…

Isso é uma vergonha para esse país, isso é uma vergonha para o Brasil…

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

[ LUCIANA BARRETO ]

A gente não pode permitir que isso aconteça mais! 

As pessoas tem que ter o mínimo de condições, esse país tem que dar o mínimo de condições pra que essas pessoas cheguem a esse local como outras pessoas chegam.

Outras pessoas privilegiadas, ricas, e que muitas das vezes, herdaram todo o seu privilégio em cima da dor de pessoas como nós.

[ LUANA IBELLI ]

Com certeza, Lu. 

Nossa, é muito forte você falar isso, né, porque quando eu lembro que a minha mãe, pra que eu pudesse ir pra faculdade, ela tinha que andar quatro quilômetros pra trabalhar, pra que eu tivesse transporte pra fazer a minha escola, enfim… pra diversas outras coisas. 

Eu não queria isso. 

Tanto é que quando eu penso em ter o meu filho, e com certeza você pensa isso com a sua filha, você não quer que a sua filha passe por isso, você não quer ser essa mãe. 

A gente quer que outras histórias sejam contadas, né. 

Realmente, é claro que a gente admira, e é muito admirável você trazer a sua trajetória, e a nossa trajetória de sofrimento, de luta, mas é fundamental que as pessoas entendam que a gente não precisaria sofrer tanto pra fazer o mesmo que outras pessoas… 

Porque no fim a gente tá falando de que, de chegar e ser uma jornalista, e poder fazer o seu trabalho com excelência, independentemente de todo esse sofrimento, né…

[ LUCIANA BARRETO ]

É…

[ LUANA IBELLI ]

…de todas essas renúncias. 

[ LUCIANA BARRETO ]

As pessoas querem continuar contando, e exaltando, olha que legal, que linda essa história, porque elas querem continuar contando a mesma história.

Só que cabe a nós, especialmente, que passamos por essas histórias, alertar que a gente não quer continuar contando a mesma história.

A gente… essa história é pra você ficar envergonhado.

Essa história é constrangedora, nossa função é constranger vocês, vocês no Brasil, que a gente não pode mais continuar passando pelas mesmas histórias. 

A gente não quer um ou outro que chegue a determinado local, à custa de renúncia, sofrimento, dor… e tantos outros caiam pelo caminho.

[ LUANA IBELLI ]

Que outras histórias você acha que a gente poderia estar contando sobre a negritude, se não fosse tudo isso que a gente… não pode falar, por causa de todos esses problemas e essas dificuldades? 

[ LUCIANA BARRETO ]

É, eu acho que a gente vai… isso inclui também o branco pobre, que às vezes a gente deixa de falar, mas eu acho que projetos, por exemplo, como o projeto de educação de Sobral, no Ceará, um projeto que vem revolucionando, né, vem dando muito gás aos educadores no Brasil e mostra que, olha, é possível, tá? É possível na educação pública… 

A gente tem um ou outro colégio público no Brasil, né, lá no Rio de Janeiro a gente tem o Pedro II, por exemplo, tradicionalmente um colégio que recebe alunos de todos os lugares e a gente tem vários desses colégios espalhados pelo Brasil, mostrando que é possível.

O poder no Brasil, digamos, então eu tô falando agora de quem está no poder e são muitos dos nossos governantes, parlamentares, eles fingem, olham pro lado e fingem que não é possível.

Na verdade não é interessante. Não é uma pauta que tem importância. 

Mas eu acho que a nossa saída tá por aí, a nossa saída tá no que muita gente tá dedicando a vida, e acho que os educadores são as pessoas que a gente tem o tempo inteiro que colocar nesse lugar de pódio, porque são pessoas que estão batalhando pelo Brasil, nós estamos aqui graças aos educadores…  

[ LUANA IBELLI ]

Sim, com certeza. 

[ LUCIANA BARRETO ]

E é através disso, dessa luta, que a gente chega e que vai fazer a inclusão, e aí eu não tô falando só do negro, eu tô falando inclusive do branco pobre. 

Eu tô falando de gente que não tá conseguindo quebrar essa barreira. 

[ LUANA IBELLI ]

Uhum. 

E uma vez que a gente quebra essa barreira, né, agora voltando um pouco pra falar sobre essa coisa da redação, que eu acho que você tem muita coisa pra compartilhar nesse sentido…

Você tem algum exemplo mais recente de você sentir que a sua presença fez toda a diferença pra mudar o rumo da conversa? 

[ LUCIANA BARRETO ]

Ah, acho que todo dia eu tenho esse exemplo, né. 

Eu converso com parlamentares o tempo inteiro… eu consigo ter uma autonomia, a minha empresa me dá uma autonomia pra eu falar o que eu acho que tem que falar com os parlamentares.

E o tempo inteiro eu sinto o viés que talvez não tenha sido abordado em vários outros jornais, entendeu? Então, eu tô sempre trazendo questões que talvez eles nem tenham pensado, entendeu? 

Então, eu não tô falando só dos parlamentares, eu tô falando dos especialistas, do economista que tá falando sobre neoliberalismo e eu puxo o tema da fome… e tá, mas onde se encaixa a ajuda… Eu tô falando com o educador e tô falando das escolas periféricas.

É isso que eu acho que tá o tempo inteiro presente. 

O meu jornalismo carrega comigo tudo o que eu sou, então eu trago essa mulher que tem a experiência, que viveu, que sabe o que é a fome, sabe o que é a violência…

Eu não tô falando sobre algo que eu nunca vi. Eu conheço e conheço de muito perto. 

Sabe o que que é encontrar corpos pelas ruas, porque passei também por isso, né, pelo extermínio, conheço o extermínio… conheço a postura da polícia…

Conheço muito das dificuldades dos estudantes, por exemplo, pra permanecerem na escola. Conheço o que é uma família destroçada pela violência por conta de, muitas vezes, pais e mães que nunca estiveram dentro de casa… 

Tudo o que você só vê na periferia, pais e mães que saem pra trabalhar na madrugada e voltam quase de madrugada. 

Eu sei o que é ver crianças o tempo inteiro sozinhas dentro de casa, entendeu? Se criando. São crianças que se criam… então… porque o estado também não dá creche, a escola não dá possibilidades, então… 

Só quem sabe o que é uma… uma menina por exemplo, quando fala sobre a menina não ter um absorvente higiênico, que é uma pauta que foi muito recente agora, e que parte do Brasil conheceu essa pauta agora, eu falei…

Oi? Isso é o Brasil! [Risos] 

Vocês não conhecem o Brasil!   

Então, assim, eu trago muito isso comigo, sabe? Eu sei a glamourização da pobreza, né, achar que a pobreza é não ter carne. 

Oi? 

A pobreza é não ter comida mesmo. Não estamos falando de carne, estamos falando de restos, de comer o que der… planta, né… inseto. É o que traz. 

Então muitas dessas… dessa Luciana, dessa pessoas que vivenciou, que conhece, que sofreu e chorou junto, vem comigo no jornalismo. 

Então, acho que isso é diário.   

[ LUANA IBELLI ]

E tem muita gente com você, né, quando você tem a oportunidade de fazer alguns comentários, eu tava falando um pouquinho antes da gente começar a entrevista, que cê tá lá no Twitter, e surge um comentário seu diante de algo tão óbvio que precisa ser dito e muitas vezes não é dito, né, diante de pessoas que tão ali, e você fala, nossa, porque essa pessoas tá aqui? E falando isso.

E você vai lá e faz um comentário, e traz essa realidade. Eu acho que isso tem um valor tão grande, Lu, pra tanta gente… pra mim, pra quem tá lá vendo então, é visível mesmo isso que você falou, nos seus comentários e o que a gente quer é ver cada vez mais gente, né.  

E tem muitas mulheres hoje, né, muitas mulheres negras comentaristas que fazem esse papel, é muito legal de ver isso.     

[ LUCIANA BARRETO ]

É, eu acho que o olhar, né, o olhar que o jorn-

O que o jornalista tem mesmo de mais importante é o olhar que ele tem sobre os fatos, né, e as várias possibilidades de abordagem que ele traz nos fatos. 

Eu recentemente saí de um jornal que eu dividia com dois outros profissionais, Elisa Veeck e Rafael Colombo, e no dia da despedida eles começaram a falar, o Rafael Colombo começou a fazer uma homenagem e foi muito espontâneo, porque não tinha nada programado. 

E eu fui me emocionando, mas quando ele foi falando sobre isso, né, sobre o quanto eu agregava com o olhar, com as perguntas, e ele brincou e falou assim… ele nem sabe, vou falar isso agora, ele vai descobrir. Ele falou assim.

E as perguntas? Ela faz as perguntas, Luciana faz as perguntas, eu falei, gente, porque que eu não pensei nisso? 

E aí eu comecei a chorar.

Porque na verdade, ele tava fazendo pra mim o melhor elogio que ele podia fazer. Porque eu me sinto… o que eu sinto que eu posso agregar é esse olhar. 

É esse olhar diverso que vai tirar a pessoa, o entrevistado muitas vezes do conforto dele, né. 

Muitas vezes, nós jornalistas, o que nós temos que fazer é causar esse constrangimento do bem. É um constrangimento pra fazer a pessoa pensar sobre essa possibilidade, esse aspecto que ele talvez nunca tenha pensado.   

[ LUANA IBELLI ]

Perfeito, Lu.

[ LUANA IBELLI / INDICAÇÃO PAUTA PÚBLICA E VIDA DE JORNALISTA ]

Agora e vou fazer uma pausa, pra indicar um conteúdo que acho que tem tudo a ver com esse tema que a Luciana tava falando, né. Conversa. 

Se você se interessa pelas conversas que os jornalistas trazem, pelos bastidores da notícia, tem dois podcasts que se você ainda não ouve, você que é nosso público do Portal dos Jornalistas, se você ainda não ouve, com certeza vai agregar muito na sua vida, se você ouvir. 

O primeiro é o Pauta Pública, um podcast quinzenal da Agência Pública apresentado pela Andrea Dip e a Clarissa Levy, que traz jornalistas e convidados de diversas áreas pra falar de reportagens que ajudam a explicar o Brasil. 

O segundo podcast é o Vida de Jornalista, do Rodrigo Alves, que sempre vai aparecer aqui nas nossas conversas, já que vários convidados que passaram e passarão aqui, já foram entrevistados lá, inclusive a Luciana Barreto, né, que foi lá no comecinho do Vida, em 2018.

Pois é, e o Vida de Jornalista tá voltando com uma série de episódios sobre eleições, muito úteis pra jornalistas que querem aprender técnicas de checagem, e até pra quem quer combater desinformação na família.

Pra ouvir tudo isso, é só procurar Vida de Jornalista e o Pauta Pública no seu tocador favorito. 

[ LUANA IBELLI ]

Lu, agora, já que a gente falou do Vida de Jornalista, né, quando você deu entrevista pro Rodrigo, tem quatro anos já, você falou da época em que você ainda tava na TV Brasil, né, na TV pública. Queria falar um pouquinho disso. 

Que que mudou, né, assim, nesse tema de negritude, de lá pra cá, e se você sente que tem diferença de abordar esse tema numa emissora pública e numa emissora privada, como você tá agora. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Ah… tem diferença. Tem diferença e o jornalismo público é um jornalismo que eu sou apaixonada, é um jornalismo que tem… deveria, né, pelo menos na origem dele, ele tem uma missão de trabalhar para o povo, de servir ao povo. 

Quem é o povo? 

Jornalismo privado também deveria, mas quem é esse povo que a gente serve, né?

Numa empresa privada, a gente tem ali o público alvo, né? Ou tem o assinante, aí tem o perfil do assinante. E às vezes isso delimita muito o trabalho, o perfil do assinante é um assinante que gosta mais… ele tem pós graduação, tem universidade, tem pós graduação, gosta mais da área de economia… 

E às vezes há uma confusão de que essa pessoa não quer ouvir sobre… a vida na periferia, ou não quer ouvir sobre… 

É uma grande confusão. 

Que eu acredito, né, eu acho que a gente subestima muito a inteligência também dessa pessoa, mas enfim, eu não trabalho em instituto de pesquisa, não sou eu que vou falar sobre isso. 

Vou falar sobre o jornalismo público, que trata de, ao meu ver, e ao que eu fiz durante muitos anos lá na TV pública, as pautas que são negligenciadas. 

Então, algo que você jamais veria, muitas vezes, nos grandes meios de comunicação. 

E às vezes, eu vou te dizer… durante anos eu tive a impressão de que eu pautei alguns meios de comunicação.

Fui premiada, né, no jornalismo público, algumas vezes, por conta de trazer esse olhar, que eu falo, toda essa Luciana junto, para a notícia, e às vezes uma notícia que ninguém entendia porque era notícia.

Que tudo começa aí, né? 

O que é notícia?  

Fatos são fatos, o que que esse fato passa a ser notícia, é o meu olhar que traz isso.

Então, pra citar um exemplo, a gente tinha recentemente… o movimento negro denunciava que as peças de Umbanda que tinham sido presas pela polícia, você sabe que a gente tem o Código Penal de 1898, que é o Código Penal que trata como … não, desculpa… 1890, 1890. 

O Código Penal de 1890, que trata o crime de… trata curandeirismo como crime…     

[ LUANA IBELLI ]

Nossa…

[ LUCIANA BARRETO ]

…então começa a criminalização das religiões de matriz africana. 

Especialmente, até 1930, a gente tem a apreensão de várias peças das religiões de matriz africana e ficam na polícia.

Existia uma luta de parte do movimento negro, de lideranças de religiões de matriz africana, que essas peças fossem devolvidas, são peças sagradas. 

A polícia… me parece que a Polícia Civil tomou gosto por essas peças, o que eu entendi cobrindo essa história é que eles tinham um museu e a parte do museu deles era praticamente essas peças…  

[ LUANA IBELLI ]

Nossa.

[ LUCIANA BARRETO ]

…tirasse essas peças, não tinha mais museu… [risos].  

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

…foi o que eu entendi. 

E aí a luta era grande, e depois de muitas décadas de luta, eles conseguiram, foi algo que pra mim foi emocionante, fazer essa entrega, né, primeiro quando eles ganharam a causa, de trazer, de poder levar todas essas peças sagradas de um século pra um local que eles consideravam que deveria estar… e depois também essa transição, isso é uma notícia. 

Então, eles me procuravam. As pessoas já me procuram, né. Com certeza, ali eles vão encontrar o abrigo pra pauta que eles acham importante, porque eles vão dizer.

Ela vai entender que isso é uma notícia. Os outros não vão entender. 

Era como se eles dissessem isso, sabe? Era isso que eu sentia o tempo inteiro. 

Então, essa, por exemplo, é uma notícia que eu cobri, que depois vários veículos grandes de comunicação também foram cobrindo e entendendo que aquilo era uma notícia importante pra história do Brasil.

Então, talvez, se a gente não tivesse a comunicação pública, não tivesse essa possibilidade da comunicação pública tratar do que eu chamo de pautas negligenciadas, são pautas que dizem respeito a parte da parcela da população que muitas vezes não tem o dinheiro pra ser o assinante… ou parte da parcela da população que muitas vezes não tem dinheiro pra viver, ou parte da parcela da população que muitas vezes não tem dinheiro nem pra ser chamada de cidadã. 

Então, é essa parcela da população que o jornalismo público tem que servir.   

[ LUANA IBELLI ]

Muito legal, Lu. 

Agora, quero entrar em outra questão, que tem tudo a ver com a tua história e é uma coisa que eu queria muito abordar, que é esse impacto da presença da mulher negra na TV, né. 

Que que significa pra mulheres negras, pra autoestima da mulher negra, ter uma presença num veículo que ainda é tão imagético, e excludente também, infelizmente.

[ LUCIANA BARRETO ]

É… significa que, de cara, é a possibilidade do sonhar, né, do acreditar. 

É tornar possível. 

Então, quando eu digo que eu olhava a Glória Maria na TV, né, a Dulcinéia Novaes, são duas mulheres negras que estavam na mesma época, elas já diziam, é possível. 

É possível, é tornar possível. 

E acredito que a gente ainda é a continuidade disso, né, a gente é a continuidade avançando. 

Porque, se você perceber, elas não só tornaram possível que a gente estivesse, e a gente torna possível que a gente esteja de cabelo crespo, né, de black… 

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

E a gente torna possível que a gente fale sobre nós, que a gente traga todo o nosso eu, muitas vezes a nossa ancestralidade também pra o texto. 

E isso, isso é um caminho que eu acho que não volta mais, é um caminho que se abriu, que era o privilégio de poucos, poucas pessoas podiam trazer esse eu…

Eu fui à Europa, eu falo alemão, eu…

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

Só que era essa… eurocentricidade que vinha, né. 

E a gente traz o que? Uma africanidade junto de nós. 

E a gente positiva essa africanidade, positiva no sentido de… o tempo inteiro, os meios de comunicação tentaram desqualificar essa africanidade, né. 

Quando a gente traz notícias, por exemplo, de África, que a gente traz notícias o tempo inteiro, notícias negativas, de fome, de miséria, e a gente vai tentando o tempo inteiro desqualificar essa pessoa, dizer para a criança negra que não é legal isso. 

Como a gente desqualifica as periferias, como a gente desqualifica a cultura das periferias… 

E o tempo inteiro a gente superestima as culturas, a cultura do… Hemisfério Norte. O tempo inteiro a gente traz essa coisa da positividade. 

Acho que a gente vai positivando o que antes era sendo, vinha sendo historicamente negativado. 

Acho isso extremamente importante, acho fundamental, queria até contar uma história. 

Eu tava na TV pública… lembrei de África e lembrei dessa história. 

Tava na TV pública e fiz um especial sobre Angola. E aí, pra isso, eu fui ao consulado de Angola, mas antes eu já tinha feito especial, coloquei no ar, fiquei super feliz… nossa, consegui fazer uma matéria, porque eu fazia muitas matérias muito diversas, né. 

E aí quando eu fui ao consulado, o pessoal, ah, a gente viu aquela matéria, muito legal, legal… mas, da próxima vez, você não quer atualizar lá o arquivo de vocês? 

Aí eu falei, por que? Aí ele, a gente não tem fusca em Angola desde 1970.

[Risos]

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

Então, pra você ver o que é o Brasil! O Brasil é isso, a Angola que eu… eu tava super feliz de tá mostrando Angola, e a Angola que eu tava mostrando já não tinha mais absolutamente nada com a realidade, né. 

Então, eu ainda estava muito aquém do que deveria ser, entendeu? 

A gente tá muito longe, mas muito longe inclusive de fazer o nosso cérebro funcionar, do nosso cérebro trabalhar, da gente conseguir crescer como nação, como identidade, a gente tá muito longe disso. 

[ LUANA IBELLI ]

Sim, né, assim, por mais que a gente tenha evoluído, eu sei que, pelo menos na minha época…

Eu fiz a disciplina de jornalismo televisivo em 2008, e naquela época eu já ouvi da minha professora que os meus cabelos não eram adequados pra tá ali, né, então todos os outros alunos receberam feedbacks assim, dos seus trabalhos de outras questões, e eu recebi da minha aparência. 

E eu lembro do quanto você falou, na sua entrevista, uma vez, em uma entrevista que você nem se imaginava tá ali, que você demorou pra ir pra TV, e hoje olha a jornalista que você é, né. Você fala, nossa, essa pessoa parece que nasceu pra isso, né. 

E eu acho que a gente ainda tá avançando, mas como você falou, né, ainda falta tanto. 

Eu sei que hoje é mais difícil as pessoas ouvirem isso na faculdade, mas eu acho que é mais fácil sonhar, você sabe que talvez você possa chegar nesse lugar, esse lugar existe pra pessoas como você.

Eu pelo menos sinto isso, né, quando eu vejo cada vez mais mulheres negras na televisão. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Sim, você vê como as barreiras vão sendo impostas o tempo inteiro, né, as barreiras vão sendo levantadas, né.   

O fato de alguém, um professor, numa universidade, num curso superior, dizer pra você que você não é adequado, ou pelo menos o que você é, o seu cabelo ou o seu tom de pele, não é adequado a estar em determinado espaço, é uma estratégia que eu te falo que é uma estratégia desse racismo estrutural, mas que vai o tempo inteiro levantando barreiras para pessoas chegarem a determinados locais, especialmente os locais de poder, como você percebe, né? 

Então eu delimito que no local de poder, alguém tem que ter um perfil xis. Esse perfil xis não condiz com tudo o que você é. 

Você não vai entrar nesse lugar. Porque esse perfil xis não condiz com o que você é.  

Então, eu recebi também, já, de estudante, me lembro de uma estudante de uma faculdade, inclusive, não me lembro…de um estado, era o Nordeste. 

E ela me descreveu dizendo que a professora dela, tava indignada. Falou que jamais uma âncora poderia ter um cabelo black power.

Que ela me escreveu na hora me dizendo, como assim, ela não conhece você, não conhece o seu trabalho? 

Porque, é porque a gente aprende na faculdade de jornalismo que um âncora é discreto, tem uma aparência discreta, e aí, esse professor acredita que a sua aparência não é nem um pouco discreta, o que eles querem chamar de exótico…      

[ LUANA IBELLI ]

Exótico! 

[ LUCIANA BARRETO 

… ou qualquer coisa parecida com isso.

[ LUANA IBELLI ]

Lu, eu ouvi tanto isso!

Quando começaram… é claro, né, eu comecei de algum lugar, alguém foi lá e olha, você não quer vir, participar, ser apresentadora, repórter… 

Começaram a me preparar pra isso. Mas eu ouvia sempre nesse lugar. 

Você é exótica. É legal ter uma pessoa assim. 

Mas eu ficava pensando… mas, a maioria das pessoas no Brasil se parecem comigo e com pessoas como eu, pessoas pardas e pretas.

E isso já me deixava num lugar de desconforto, eu me sentia sozinha. 

Quando eu ia pra rua também, eu não via outras repórteres, acho que eu fiquei quatro anos indo pra rua diariamente e eu não via outras repórteres negras.

E muito menos com pele mais escura do que a minha. 

Mulheres retintas, então? Imagina, era muito pouco.

E eu acho que isso deixa a gente se sentindo sozinha, né. Eu queria te perguntar agora, pensei… você, depois de todos esses anos, você se sente mais pertencente? 

Ou ainda você lida com isso, de olhar pros lados e falar,  às vezes eu queria mais gente como eu. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Com certeza eu quero ter mais gente como eu, porque esse é a minha luta, né, a nossa luta não tem que ser… 

A gente só vai conseguir algum avanço se for de forma coletiva. Individualmente a gente não vai conseguir nada, ponto final. 

Agora, que os recados são dados o tempo inteiro, eles são dados.

Vamos pensar na maquiagem, as maquiagens das televisões.

Você chega nas maquiagens das televisões, tem quinze bases, pra passar no rosto. Quinze bases brancas.

[Risos]

[ LUANA IBELLI ]

Exatamente.

[ LUCIANA BARRETO ]

Porque eles não acreditam ou não imaginam que possa vir um convidado negro. Porque eles se acostumaram que os brancos falam o tempo inteiro, os convidados são brancos, os entrevistados são brancos, os âncoras são brancos.

Então, aquilo ali já é uma delimitação do que… o espaço que eles construiram. Esse espaço que eles construiram. 

Então, você chega lá, eu gosto de fazer essa brincadeira, né, eu gosto de chegar na maquiagem e falar. 

Ih, a minha entrevistada é negra. E se vier uma entrevistada negra? 

Aí eu olho assim, porque eu gosto de causar essa reação nas pessoas. As pessoas sequer se dão conta. 

Você às vezes consegue ver um mês de televisão, um mês com convidados brancos, todos os entrevistados são brancos.

[ LUANA IBELLI ]

E ninguém acha estranho. 

[ LUCIANA BARRETO ]

Ninguém acha estranho. Ninguém acha estranho nem se esse convidado branco for falar sobre questão racial… 

[ LUANA IBELLI ]

Lu…

[ LUCIANA BARRETO ]

…as pessoas não achavam estranho isso, hoje acham. 

[ LUANA IBELLI ]

Hoje acham. 

Olha, o primeiro programa sobre racismo que eu fiz na minha vida foi em 2013, eu acho, e uma das coisas que me chocavam era isso, né, eu comecei produzindo ali, o Caminhos da Reportagem, né, que também a gente conseguiu alguns prêmios abordando essa pauta, e as pessoas vinham me indicar entrevistados brancos, e eu ficava…

…Mas gente, como que a gente vai fazer um programa sobre racismo sem nenhum convidado negro? 

As pessoas realmente não pensavam nisso, e era até tenso né, propor essas coisas, porque as pessoas falavam, não, mas a gente tem que ter o outro lado! Que seria uma pessoa branca falando sobre isso.

Então, assim…

[ LUCIANA BARRETO ]

[Risos] 

E tem lado isso? [risos]

[ LUANA IBELLI ]

Caramba! É, exatamente! 

E aí, outra história que eu lembrei, que você falou da maquiagem, isso acontecia muito, inclusive de ter uma vez que a gente recebeu dois convidados, um convidado branco, né, e chegou um convidado negro de pele retinta, e a produtora veio falar…

…Lu, você não sabe o que aconteceu, a gente não tem base. 

E aí um convidado sentou pra receber aquele cuidado, porque é um cuidado, né, quando o convidado chega, ele vai no camarim, ele é um pouquinho paparicado, toma uma aguinha, passa ali a sua base, e ele vai dar a entrevista. 

E na hora do convidado negro, não tinha. Então, ele não ia ter esse momento de sentar, e de receber esse cuidado… e aí, a produtora, ela simulou alguma coisa ali, pra não ficar uma situação chata, pra tirar um brilho da pele… 

[ LUCIANA BARRETO ]

Quando não botam um pó mais claro e a pessoa vai cinza pro ar, né… 

[ LUANA IBELLI ]

Nossa! Pra mim sempre aconteceu… 

[ LUCIANA BARRETO ]

… fica acinzentado. 

[ LUANA IBELLI ]

… era umas bases muito… 

E imagina, eu não sou retinta. E mesmo assim, as bases não eram da cor da minha pele. E eu me sentia muito mal no ar, porque eu falava, eu não tô me sentindo bonita, assim, né. 

Tem uma coisa ali, cê tá muito exposto diante das câmeras, né, e aí você não poder tá ali com um tom de base que é da sua pele, que é uma coisa muito pequena, assim, é uma coisa sutil, que pra gente é óbvia, mas que pra maioria não é. 

E isso ainda acontece? Eu fico tão chateada de saber… 

[ LUCIANA BARRETO ]

É, os recados, eles estão sendo dados o tempo inteiro, né, as mensagens às vezes aparecem nas entrelinhas, às vezes elas são assim, descaradas o tempo inteiro pra dizer que esse espaço aqui não foi um espaço que foi construído para te receber. 

Ponto final.

É assim que as pessoas constroem os seus… é isso que a gente fala da estrutura, né, que tá construída, o tempo inteiro essa estrutura tá construída pra receber determinado grupo, determinada pessoa, entendeu. 

Não tem um difusor, por exemplo, pra secar um cabelo crespo. Tá todo mundo acostumado a fazer escova no cabelo… 

[ LUANA IBELLI ]

Exatamente…

[ LUCIANA BARRETO ]

… então não tem um difusor pra secar um cabelo crespo, não tem alguém que saiba ajeitar um cabelo crespo, entendeu? 

Quando não, querem fazer uma maquiagem que tenha algo muito parecido com o que eles viram nas revistas, ou nos editoriais de moda, que absolutamente não tem condições de você entrar no ar com uma maquiagem daquela, porque às vezes o maquiador também não sabia fazer a sua maquiagem. 

Então, é uma série de restrições, de barreiras que são levantadas o tempo inteiro, que a gente sabe que, é o que eu te digo, as mensagens, os recados, tão sendo dados. Isso daí, a gente não tem a menor dúvida. 

[ LUANA IBELLI ]

É, mas aí, fortalecendo em grupo, acho que a gente tá conseguindo quebrar algumas dessas barreiras. Mesmo que você tenha que, por exemplo… 

Você carrega a sua malinha, né, com todo o seu material, que é já pra não passar por esse tipo de coisa, e você bate lá com a sua malinha, olha, eu tô aqui, não tem a minha base, mas eu tô aqui, e vou fazer o meu comentário, e vou ocupar esse espaço… 

Acho que é por aí, né, Lu?  

[ LUCIANA BARRETO ]

É, e já vai também… 

Acho que, a Elisa Lucinda fala muito isso, eu gosto de falar mas sempre trazendo a Elisa, porque ela faz isso muito bem, né. 

Ela falou uma vez, a nossa obrigação é constranger os brancos. 

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

[ LUCIANA BARRETO ]

Parece que a gente tá fazendo uma coisa de brigar um com o outro, não!

É mostrar pra eles, olha só como… como isso tá sendo construído, olha isso, né. 

Constranger também é falar. Mas cadê aquela maquiagem? O meu convidado é preto, sabe? O meu convidado vai chegar a qualquer momento, meu convidado é retinto… 

[ LUANA IBELLI ]

E você vai fazer como? 

[ LUCIANA BARRETO ]

E aí você vai fazer como, entendeu? Porque sequer passou pela sua cabeça. 

Mas eu queria falar uma coisa que também me chama a atenção, do quanto a gente avançou nessa luta, né, de equidade para… no Brasil, quando a gente fala de questões raciais, relações negros e brancos, e quanto a gente não avançou quando a gente fala em indígenas, por exemplo. 

[ LUANA IBELLI ]

Pois é. 

[ LUCIANA BARRETO ]

A gente consegue fazer toda uma discussão sobre as questões indígenas, sobre a Amazônia, sem nunca ouvir um indígena.   

[ LUANA IBELLI ]

Pois é, a gente vai trazer uma jornalista pra falar, né, que é a Luciene [Kaxinawá]…

[ LUCIANA BARRETO ]

É uma coisa enlouquecedora…

[ LUANA IBELLI ]

É… fundamental.

[ LUCIANA BARRETO ]

Hoje a gente fica, assim, muito constrangido quando a gente vê uma roda com cinco homens… homens falando, e aparece uma pauta sobre a questão de gênero. 

Aquele constrangimento, né, porque você tem cinco homens ali, que já é uma… [risos] é autoexplicativo, não precisa nem comentar. E eles vão falar sobre questões de gênero, questões que envolvem mulher, ou uma pauta como a gente viu agora, de um anestesista estuprador. 

E aí, aquele constrangimento porque você só tem homens no local, no recinto, e aí você percebe, sente. 

A gente tem um total constrangimento quando cê tem um local só de jornalistas brancos pra falar, aí aparece uma pauta sobre questões raciais, como apareceu no George Floyd, pegou todo mundo…a televisão descobriu naquele dia, ih, não temos negros.

[ LUANA IBELLI ]

[Risos]

[ LUCIANA BARRETO ]

Naquele dia descobriu todo mundo, né, que não tinha negro, aí causa aquele constrangimento. 

Mas as pessoas não ficam constrangidas de ficar falando sobre questões indígenas… 

[ LUANA IBELLI ]

Sem indígenas.

[ LUCIANA BARRETO ]

… sem nunca chamar pelo menos um convidado indígena. 

As pessoas não se constrangem. 

[ LUANA IBELLI ]

E eles têm falado né, quando a gente tá… pelo menos nas redes sociais, quem tá ativo, eles apontam isso o tempo inteiro e já passou da hora de abrir esses espaços, né, Luciana? 

[ LUCIANA BARRETO ]

É, porque acho que o primeiro momento, vou voltar com Elisa Lucinda, o primeiro passo é o constrangimento. Porque se você nem se constrange disso, nada … você não vai modificar isso, né? 

Eu agora, recentemente, participei de um livro, e eu abro o meu texto desse livro, é um livro com jornalistas, né. E eu abro meu texto desse livro contando uma história que eu ouvi de uma apresentadora negra. E ela me disse, agora ela não tá mais atuando, mas ela me disse que… ela nem mora mais no Brasil. 

Mas me disse que ela foi buscar emprego numa grande emissora, aquela época que a gente tá, o que eu vou fazer da vida, continuo ou paro de vez? 

E ela tava nessa fase, continuo ou paro de vez? E ela… eu vou tentar, nessa grande emissora. 

Então foi com o material dela, debaixo do braço, e chegou nessa emissora e falou, ah, vim trazer meu material, não sei o que, pra vocês darem uma olhada. 

E a pessoa falou, não, não, não, a gente já tem a nossa apresentadora negra. 

[ LUANA IBELLI ]

[Suspira]

[ LUCIANA BARRETO ]

E isso é muito recente, né? É muito recente que uma pessoa não tenha ficado constrangida, você imagina… 

[ LUANA IBELLI ]

… de falar isso.

[ LUCIANA BARRETO ]

…essa pessoa não ficou constrangida de dizer isso. 

Então, eu acho que o primeiro passo, e aí eu acho que a Elisa é muito sábia quando fala isso, nossa função é constranger. Então o primeiro passo é causar esse constrangimento, quando cê causa esse constrangimento, você sacode a pessoa e fala. 

Acorda! 

Acorda! 

[Risos]

[ LUANA IBELLI ]

Cê não tá vendo a realidade óbvia, né, [risos] na sua frente. 

[ LUCIANA BARRETO ] 

É tão óbvio isso, acorda, por favor!

[ LUANA IBELLI ]

Eu acho que já tem mais gente acordando, né, Luciana, graças também ao trabalho de pessoas como você, então acho que a gente… eu tenho um certo otimismo assim, eu acho que a gente pode influenciar positivamente, com essa mensagem. 

Acho que a gente tem que finalizar, infelizmente, mas antes da gente finalizar, porque são muitos assuntos, queria que você falasse dos seus sonhos pessoais, profissionais, né. 

Porque quando a gente fala de inclusão, de estar nos lugares a gente tá falando disso também, né, de coisas que a gente quer realizar. 

Então, o que você ainda pensa em realizar na sua vida? 

[ LUCIANA BARRETO ] 

Tem uma coisa que eu estava conversando agora, há pouco tempo, com a Ana Paula Xongani, e ela me falou algo muito interessante, e é algo que fica batendo na minha cabeça igual um martelinho, sabe? Na minha cabeça, porque? 

Porque a gente tá o tempo inteiro contando sobre, denunciando as nossas desigualdades, a gente tá o tempo inteiro na televisão tentando falar que algumas operações policiais mataram tantos inocentes… 

A gente tá vendo os corpos de pessoas que parecem com a gente, ou seja, poderia ser seu filho, seu pai, e a empatia é uma empatia direta, coisa que não acontece, às vezes, com outros jornalistas… eles não vão conseguir alcançar essa empatia de… ver seu pai, seu irmão, seu filho ali, e é uma empatia direta, ver aqueles corpos às vezes, jogados pelo chão, sangrando como porcos, como baratas muitas vezes. 

Então a gente conta muita história da dor, né, a gente denuncia muito essa história da dor, né? E essa dor, só quem tá lá na hora, consegue entender o alcance dessa dor, né. 

Como é difícil pra gente, como âncora… quando a gente fala de nós, muitas vezes a gente tá denunciando a história da dor, né? Muitas vezes a notícia, quando a gente é notícia, é a notícia da dor. 

Então eu tô cansada de tá falando que morreram mais negros na pandemia, que as mulheres negras são as que ganham o menor salário no mercado de trabalho, que elas ainda estão ocupando as cozinhas dos espaços, que a gente aumentou a fome mas que essa fome tem cara e tem cor…. que essa fome tem gênero… 

Eu tô cansada de dizer isso o tempo inteiro. 

E eu não quero parar de dizer, simplesmente vou fechar o olho, isso não existe.

Então, a Ana Paula me despertou algo quando ela falou assim, a gente tem que começar, também, a contar, a mostrar pras pessoas que a gente é feliz.  

[ LUANA IBELLI ]

[Risos] 

[ LUCIANA BARRETO ] 

O tempo inteiro. 

Né, então, assim. Eu ouvi ela falando da Giovanna Ewbank, como ela mostra ali, o tempo inteiro, nas redes dela, uma família feliz, filhos, uma pessoa gente boa, tudo do bem, sol, praia, tudo é lindo… 

E acho que o nosso objetivo é chegar a esse momento. Nosso objetivo é chegar a esse momento, que acontece já pra muitos, pra muitas pessoas negras nos Estados Unidos, por exemplo, né, que conseguiram alcançar um determinado patamar, que se distanciam só da história da dor…

Pude, já, também, inclusive em locais pobres dos Estados Unidos, como o Alabama, um estado que tem muitos negros, mas é interessante você fazer, sei lá, um passeio de barco e ver toda aquela negritude, vários tipos de óculos, vários tipos de cabelo, gente feliz, gente… 

E aí fiquei pensando, né, que a gente ainda tem um certo constrangimento de contar a nossa história da felicidade. Porque é um ambiente de muita dor. E a gente ainda não consegue avançar pra história da felicidade. 

Então, quando a Ana Paula falou isso, eu pensei, é isso, isso bate na minha cabeça como um martelinho. Que a gente em algum momento tem que chegar a contar a história da felicidade também.

Isso não significa que uma coisa exclui outra, você não vai fechar os olhos pra história da dor. Porque infelizmente ela tá aí, ela nos cerca o tempo inteiro.

Mas a gente precisa positivar e mostrar que existe uma possibilidade de uma história da felicidade. Que ela pertence a nós. Que a gente também pode ter uma família feliz, sem ausências, que a gente pode vibrar, os nossos filhos, planos, futuro…

[ LUANA IBELLI ]

Dar um futuro, né, pras nossas ancestrais… 

[ LUCIANA BARRETO ] 

Futuro belo… Futuro. Exato. 

[ LUANA IBELLI ]

Uma velhice confortável pra sua mãe preta… 

[ LUCIANA BARRETO ] 

A gente tem que aceitar que isso também é pra nós. 

A gente tem que aceitar e a gente tem que trabalhar pra isso. Porque quando a gente tá o tempo inteiro imerso na dor, fica muito difícil.

Eu confesso a minha dificuldade, por isso que isso fica batendo na minha cabeça. 

[ LUANA IBELLI ]

Mas Luciana, você é… agora é aquele momento que provavelmente… dar uma respirada. 

Você é essa pessoa que mostra, né, que é uma história que apesar de trazer dor, você é uma história de felicidade pra muitas pessoas que se veem em você, né. 

E assim como eu não tive esse referência, acho que hoje é muito mais fácil pra meninas, como por exemplo, a Anna [França], que é a nossa estagiária, que é uma menina negra, ela com certeza vê muito mais possibilidades do que eu vi, e do que você viu. 

E a gente espera que essas histórias realmente possam acontecer pras nossas. 

Então, queria muito agradecer a sua presença, tudo isso que você falou, finalmente poder tá com você aqui.

Espero que cada vez mais mulheres negras estejam ocupando todos os espaços no jornalismo…

E queria que você, antes da gente encerrar, né, fala um pouquinho onde as pessoas podem te encontrar, em rede social, se você tem algum projeto que você quer destacar. 

[ LUCIANA BARRETO ] 

Bom, o meu projeto de mestrado vai virar um livro em breve, eu tenho fé. 

E eu falo sobre discurso de ódio nas redes sociais, mas a minha ideia foi construir uma espécie de mecanismo pra que mulheres que tenham que lidar… ou homens, pessoas negras que tenham que lidar com esse discurso de ódio o tempo inteiro quando chegam em posição de poder, entendam o que deseja aquele odiador naquele momento. 

Ele deseja te parar. Né? 

E é isso que a gente não vai fazer. Porque a gente não vai cumprir desejos de odiadores, né, a gente não vai fazer isso.      

Então, em breve eu vou analisar esses mecanismos, as palavras que eles utilizam… 

E pra entrar em contato comigo, o tempo inteiro, nas minhas redes, é importante, o meu Twitter @lubarretotv, e meu Instagram é @lubarretooficial.

[ LUANA IBELLI ]

Pronto! 

Brigada, Lu, espero que as pessoas continuem te seguindo, esse seu trabalho lindo, importante, que inspira tanta gente. 

[ LUCIANA BARRETO ] 

Eu que agradeço. Foi maravilhoso conversar com você! 

[ LUANA IBELLI ]

Brigada! 

[ LUANA IBELLI / ENCERRAMENTO ]

Gente, vamos então encerrar mais um episódio, obrigada pela tua companhia até aqui. Vamos fazer os nossos agradecimentos, né. 

Nossa equipe, Anna França, estagiária, Fernando Soares, editor, Victor Félix, repórter, equipe do Portal dos Jornalistas, né, bom dizer. 

Tem os nossos apoiadores, também, que é a Ajor, Associação de Jornalismo Digital, a ICFJ, International Center for Journalists, a Meta Journalism Project, a Imagem Corporativa, e a Rádio Guarda-Chuva.  

E tem também os nossos parceiros institucionais, a Énóis Conteúdo e a Oboré Projetos Especiais

Muito obrigada por acompanhar a gente em mais um episódio, e até a próxima. Tchau! 

 

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