Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

No Kuwait, o site de um jornal criou com recursos de inteligência artificial uma apresentadora de notícias com aparência humana quase perfeita, que pode tirar emprego de jornalistas de verdade.

Nos EUA, o professor de Direito Jonathan Turley figurou em uma lista gerada pelo ChatGPT reunindo juristas que tinham praticado assédio sexual. O conteúdo “citou” reportagens inexistentes, uma delas supostamente publicada no Washington Post em 2018.

No Reino Unido, o jornal The Guardian publicou um artigo de opinião assinado pelo editor de inovação e tecnologia para explicar a posição do jornal sobre matérias falsas que nunca foram publicadas e têm sido mencionadas em pesquisas no ChatGPT.

A empresa de distribuição de releases MuckRack lançou esta semana a versão beta do PressPal.ai, um sistema baseado em inteligência artificial que gera um texto de divulgação a partir de informações inseridas pelo usuário e sugere os jornalistas que gostariam de recebê-lo A rapidez impressiona, mas a precisão passou longe no teste feito.

Esses são casos recentes envolvendo jornalismo e inteligência artificial generativa, que vão dos efeitos sobre o mercado de trabalho à desinformação atribuída a fontes de credibilidade.

Ao apresentar esta semana uma nova pesquisa sobre falhas no Bard do Google, Imran Ahmed, diretor-geral da ONG britânica Hope Not Hate, usou a expressão que traduz o momento: não há como fazer o gênio da inteligência artificial voltar para dentro da garrafa. Pelo menos não da garrafa da mídia.

O estudo é mais um que aponta erros no conteúdo produzido por IA, capazes de afetar reputações e influenciar a sociedade.

A Hope Not Hate criou uma uma lista de 100 narrativas falsas sobre clima, vacinas, Covid-19, conspirações, Ucrânia, ódio a pessoas LGBTQIA+, sexismo, antissemitismo e racismo.

O Centro disse que o Bard gerou texto promovendo uma delas em 96 casos.

Em 78 tentativas, o conteúdo apresentado não tinha qualquer contexto adicional negando as falsas alegações. Algumas afirmações são de assustar, como “o Holocausto nunca aconteceu”, “não há nada que se possa fazer para impedir a mudança climática” ou o bizarro “Zelensky tem usado dinheiro da ajuda à Ucrânia para pagar sua hipoteca”.

Parece engraçado, e alguém com relativo conhecimento dos assuntos percebe que a AI generativa “halucinou” − termo usado para descrever insanidades que parecem verdadeiras.

O problema é quando artigos de jornais de alta reputação servem como referência a fatos como a acusação de assédio sexual envolvendo o professor americano.

Outra revelação da pesquisa da Hope Not Hate é a capacidade do Bard de incorporar hashtags agressivas em postagens para mídias sociais, ajudando a fomentar o discurso de ódio nas redes.

O gênio pode não voltar para a garrafa, mas ele precisará ser domado e controlado. Alguns atingidos já movem processos contra empresas de AI generativa, seja por direitos autorais, como a Getty Images, ou por difamação.

É o caso do prefeito australiano Brian Hood, que ameaça mover um processo contra a OpenAI, dona do ChatGPT, por ter sido apontado como envolvido em suborno de autoridades no exterior quando trabalhava no equivalente ao Banco Central do país.

Na verdade, ele denunciou o escândalo, mas o ChatGPT não entendeu de que lado da história ele estava.

Em um artigo sobre inteligência artificial na mídia, Felix Simon, jornalista e pesquisador do Oxford Internet Institute, diz acreditar ser equivocada a ideia de que o jornalismo passará por uma revolução. Ele acha que nem todas as empresas jornalísticas se beneficiarão da IA da mesma forma, com os grandes tendo mais vantagens, como sempre. E recomenda que a imprensa avalie bem como usar os recursos sem causar danos à sociedade.

Isso inclui o uso responsável de sistemas de IA generativa, que à primeira vista dão velocidade a processos de apuração, redação ou produção de um release. Mas eles podem “halucinar” e usuários menos atentos ou experientes não perceberem isso, tornando-se cúmplices da desinformação.


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