Vanira Kunc Dantas, viúva de Audálio Dantas, falecido em 2018, e a filha, Juliana Kunc Dantas

Realmente Eduardo Ribeiro estava certo. Ele propõe um papo que talvez nunca tivemos com nossos filhos.

Fui perguntar à minha filha sobre o legado que deixamos a ela. E logo me respondeu que se a gente espremer tudo, o norte é sempre a questão da dignidade, independentemente do assunto a ser tratado, das escolhas de vida e do formato ou mesmo do conteúdo. Mas se o norte são a dignidade, os direitos humanos, o respeito à vida humana, não importa o que se faça. Esse sempre foi o intuito de buscar informação como meio de melhorar e salvar vidas e agregar dignidade socialmente.

Ela é Juliana Kunc Dantas, 33 anos de idade, faz o podcast Finitude.

Filha de dois jornalistas: pai, Audálio Dantas, que certamente estaria orgulhoso em escrevermos juntos esse texto. Eu, Vanira Kunc, a mãe. E já pra completar, o marido da Juliana, Victor Aguiar, claro, também jornalista.

Um dia, de repente, levei um susto. Ju, com seus 13 anos de idade, me falou que iria fazer Jornalismo. Se é uma coisa que eu nunca havia pensado era sobre a profissão das minhas filhas.

Ela não entendeu o motivo da minha surpresa. De certa maneira, ou de todas as maneiras, ela tinha razão. Ainda pequena, quando ficava com aquelas doenças de criança, e não podia ir à escolinha, era no meu pequeno escritório que ela ficava. Dava uma melhoradinha e já tava de olho em tudo que acontecia. Tinha muita curiosidade e já perguntava, perguntava…

Essa menina que pensava que algum dia os pais não falariam tanto em trabalho no almoço, no jantar, num passeio, na vida, acabou se juntando a todas essas conversas.

Pra ajudar, no segundo colegial quando visitou a redação do Último Segundo (iG), Leão Serva, que era diretor de lá, sugeriu que se ela estivesse em dúvida entre qualquer curso e Jornalismo, que fizesse a outra faculdade. Qualquer outro curso agregaria depois, ao fazer Jornalismo. Mas que se tivesse certeza, que fosse nele direto.

E não deu outra. Aos 17 anos, estava na Cásper Líbero, pra alegria da mãe Casperiana e do pai, que já havia sido conselheiro daquela Fundação.

No ano seguinte, pra pagar a faculdade e logo saborear o Jornalismo, Ju foi estagiar na TV Gazeta.

E aí veio a primeira preocupação dela: o fato de ser filha de jornalistas, principalmente tendo Audálio Dantas como pai. É até natural que eventualmente viessem comparações que o mercado poderia fazer ou de quem era de fora achar que ela poderia estar num lugar ou outro, bom ou ruim, por causa de ser filha de quem era. Ela sentia isso.

Mas a trajetória dela foi pra lado totalmente diferente. Eu e Audálio vínhamos da mídia impressa, depois fomos levar informação montando exposições de literatura e palestras voltadas para essa mesma área e jornalismo. Mas Ju fez o caminho dela. Da Gazeta, depois de já ser uma profissional, foi trabalhar com Heródoto Barbeiro, na Record News. Enquanto isso fez locução e de lá partiu pra BandNews FM. Após alguns anos, voltou pra Gazeta, aí em cargo de chefia e depois foi coordenar o Jornalismo da Alpha FM.

Em 2018, aconteceu uma mudança na nossa vida, tivemos duas grandes perdas na família, minha mãe e Audálio. A convite do amigo-irmão (desde a Band) Renan Sukevicius, Ju deu ao podcast dele entrevista sobre essas perdas. Na sequência, foi convidada a participar com ele do outro lado do balcão. Foi fazer o podcast Finitude (que até então falava sobre fins de um modo geral). Passaram a abordar envelhecimento, saúde mental, cuidados paliativos, morte, luto. Juntos apresentam, produzem, fazem de cabo a rabo esse trabalho.

Dali, no começo do outro ano, ela teve um chamado interno. Abriu mão da segurança financeira da rádio e passou a se dedicar somente ao Finitude, que já recebeu alguns prêmios. É uma das fundadoras da Rádio Guarda-chuva, primeira rede brasileira de podcasts exclusivamente jornalísticos.

Juliana também fez seu primeiro roteiro de documentário, Esquina do mundo. Internou-se por nove dias no Hospital Premier durante a pandemia para fazer esse trabalho.

Ela olha para as redações e vê as transformações. Sente que o jornalismo tem sido sempre no sentido de tudo mais enxuto e o jornalista cada vez mais multifuncional. E não imagina como essa situação pode ser revertida. Mas acha que o jornalista tem que estar atento, não pode perder de vista o principal, que é o jornalismo em si.

Tem consciência de que não há isenção, que o jornalismo tem um lado, e esse lado tem que ser sempre pela Constituição, pelos direitos humanos. Mas às vezes a gente acaba escorregando em falsas simetrias. Um dos principais exemplos que se tem vivido hoje é o desafio de como cobrir um presidente que é contra os direitos humanos, a Constituição, mas ao mesmo tempo é a figura de um presidente. Ela acha que o jornalismo está tentando se encontrar para ver como é que cobre o absurdo vindo da autoridade máxima do País.

Comenta que tem gente muito boa nas poucas redações de grandes veículos que temos, mas que muitas vezes têm que se submeter a algumas diretrizes da casa, que nem sempre vão ao encontro do que o jornalismo deveria fazer. As redações estão sucateadas, sobrecarregadas, não dá tempo de refletir, e é quando, várias vezes, ocorrem erros graves.

O que pude observar dessa conversa com a Ju é que muitos profissionais competentes, ou porque a conta não fecha, salários, plantões ou por estresse, estão desistindo das redações, fazendo uma escolha entre a vida pessoal e a profissional.

Ela imagina que uma possibilidade seria os pequenos e médios veículos serem incentivados pela filantropia, pessoas que acreditem que a democracia é forte quando o jornalismo está forte. Talvez esse caminho esteja se abrindo um pouco mais no digital.

E nesses tempos tão difíceis, sem Audálio, fico querendo compartilhar com ele toda essa história de vida da nossa menina que aprendeu muito bem o seu ofício, que mantém a ética e que na cozinha prepara um sururu ao coco bom demais, que cresceu vendo o pai fazer, com um avental preto bordado em verde escrito: Mestre Audálio.

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