Por Cristina Vaz de Carvalho, editora de J&Cia no Rio de Janeiro

O repórter fotográfico Lucas Tavares conversou conosco sobre suas preocupações profissionais. Com a redução do mercado de trabalho e a difusão desordenada na internet, os profissionais procuram se apoiar nos direitos autorais.

Lucas Tavares

Formado em Jornalismo pela Candido Mendes, do Rio de Janeiro, Lucas fotografa profissionalmente desde 2011. No ano seguinte, começou na Agência Globo e lá esteve por sete anos. Teve passagem pela agência de fotojornalismo Zimel Press, e foi recontratado em 2022 pelo Globo, onde está até hoje. Atende a todas as editorias, mas especializou-se na cobertura de shows musicais.

Entre suas coberturas marcantes estão o Lollapalooza Brasil, por três anos, e o Rock in Rio 2022. Teve fotografias publicadas na coleção O melhor do fotojornalismo brasileiro, da Editora Europa, e fotos escolhidas para a galeria virtual Imagens da Pandemia, com curadoria da Arfoc Brasil. Atualmente cursa mestrado em Mídia e Cotidiano na UFF.

Jornalistas&Cia − Como vê a atividade dos repórteres fotográficos na atualidade e a evolução da categoria?

Lucas Tavares − Dentro do universo da grande mídia, o fotojornalismo é uma profissão que, cada vez mais, tem diminuído a colocação no mercado. Por outro lado, crescem iniciativas como a criação de coletivos de fotojornalistas e de pequenas agências. Isso também acontece com os fotodocumentaristas.

Foto: Lucas Tavares

J&Cia – Qual a sua opinião sobre a questão da proliferação de amadores, o impacto na fotografia profissional e no próprio jornalismo?

Lucas − Vejo que hoje muitas matérias são ilustradas com imagens feitas pelo chamado fotojornalista cidadão. A perda da centralidade das mídias corporativas, do poder comercial dos grandes conglomerados, resultou numa diminuição editorial. As redações foram impactadas, o que respingou na editoria de Fotografia, que, em redações menores, foi até extinta. Perdendo recursos para as mídias alternativas, os jornais procuram se manter, mas têm investido menos no fotojornalista profissional, aquele trabalho com equipamento de ponta, até mesmo na figura do repórter.

J&Cia − E a questão dos direitos autorais no País, em especial para os fotógrafos?

Luca − Vejo uma relação complicada que o fotógrafo tem com a internet. As pessoas pensam que basta dar o crédito e tudo bem. Na verdade, muita gente não conhece a licença de uso, que é uma obrigação por lei. É preciso ter minimamente uma autorização – mesmo que a reprodução seja gratuita – ou por meio do fotógrafo ou da agência para a qual ele trabalha, ou banco de imagens. A maioria dos fotógrafos vê suas imagens utilizadas sem qualquer autorização. Entendo que é preciso falar com o fotógrafo, porque o direito autoral é inalienável. É uma relação conturbada, mas estabelecida com regras claras. A lei é boa, só precisa ser aplicada.

Foto: Lucas Tavares

J&Cia − Como vê a proteção efetiva das leis contra o uso indevido de imagens?

Lucas − Não conheço uma entidade que faça fiscalização de maneira ativa. Dependendo da magnitude, e do próprio fotógrafo, quando a gente vê procura um escritório de advocacia. Tenho visto muito fotógrafo fazendo assim. No meu caso, são muitas fotografias utilizadas, preciso de um escritório.

J&Cia − Que conselho dá para editores ou colegas que precisem usar imagens da internet?

Lucas – Sempre faça contato com o autor, ou com a empresa com a qual ele trabalha – ou trabalhava, dependendo da data. O melhor é fazer contato direto com o fotógrafo; sempre oriento buscar autorização. Pegar no Google e não botar o nome, acho muito arriscado; não peguem qualquer fotografia da internet. O direito do autor é protegido, independentemente de estar do domínio público ou não. É inalienável. Quando está vivo, precisa pedir autorização; se for falecido, a família tem direito de receber. No caso de divulgação, um release com foto, a autorização está implícita.

O trabalho do fotojornalista é importante porque documenta o cotidiano e deve ser valorizado. É feito com muito cuidado, sempre privilegia a questão da técnica e do olhar.

Foto: Lucas Tavares

Proteção a direitos autorais na área de fotografia

Marcelo Pretto

Jornalistas&Cia entrevistou o advogado e fotógrafo Marcelo Pretto, que já há alguns anos também tem atuado na proteção aos direitos autorais dos profissionais de imagem, com o escritório One Intelectual. Nessa conversa, ele conta um pouco desse trabalho e de como devem ser os procedimentos de quem utiliza imagens para fins editoriais e comerciais, sobretudo de imagens buscadas na internet.

Jornalistas&Cia – Há quanto tempo existe a One Intelectual e quais seus principais objetivos?

Marcelo Pretto – O escritório sempre levou meu nome, Marcelo Pretto. Porém, criei a marca One Intelectual em 2021 a fim de ingressar no mercado corporativo e para atender a bancos de imagem e agências de fotografia. Desde 2009, quando comecei a fotografar, tive uma demanda de colegas fotógrafos sobre contratos e direito autoral. De lá para cá, após uma especialização acadêmica na área e muita prática, advogo hoje em dia somente para fotógrafos, artistas, criadores de conteúdo e modelos.

Nossos objetivos são: proteger a obra fotográfica; gerar acordos extrajudiciais a fim de compensar o prejuízo pelo uso indevido das fotografias; e educar o consumidor de propriedade intelectual (seja texto, fotografia, logotipo, música etc.) para que o mercado atue de forma profissional e respeitosa com os criadores de conteúdo.

J&Cia – A luta por direitos autorais, no campo do jornalismo e, mais especificamente, da fotografia, é antiga, e protegida por lei. Você pode contextualizar essa legislação e o quanto ela de fato protege os direitos autorais nesse campo?

Marcelo – A Lei de Direito Autoral no Brasil, de 1998, recebe o nº 9.610. É uma lei que protege as criações artísticas e científicas de um autor, que são chamadas de obras protegidas. Protege tanto o fotógrafo quanto o jornalista. Mas também o arquiteto, o músico, o escritor, e por aí vai… Protege o autor/criador da obra, o titular (aquele que pagou para adquiri-la e utilizá-la), além da própria obra e a criatividade nela contida.

Toda vez que o autor e/ou titular de uma obra tiver sido vítima de uso indevido de sua propriedade intelectual (leia-se, obra protegida), pode procurar um escritório que seja especializado no tema.

Há formas de requerer direitos na esfera extrajudicial, e se não for sanado o problema, acionar o Poder Judiciário a fim de fazer valer seus direitos violados por terceiros, a saber: não colocar os créditos na obra; utilizar sem prévia autorização do autor; manipular a obra sem autorização do autor ou titular; usá-la para fins comerciais; e plagiar a obra (copiar sem autorização).

Nossa lei específica é muito eficaz e moderna; comparando-se com as melhores leis sobre autoria no mundo, como a francesa e a alemã.

J&Cia – Você diria que o reconhecimento dos direitos autorais no Brasil tem avançado ou essa é ainda uma luta que precisa ter continuidade? 

Marcelo – Sim, tem avançado, mas a luta deve continuar. Principalmente nesta época em que vivemos, pós-2020, em que a tecnologia, a meu ver, não está nos aparelhos eletrônicos, mas sim no cérebro humano. Ou seja, um smartphone nada mais é do que o produto de um pensamento, de know-how humano. Uma obra de arte ou uma fotografia são conteúdos (se forem criativos) que devem ser protegidos, pois a liberdade e o direito de criar é inerente à dignidade humana. Direito autoral é o direito do futuro (próximo), na minha opinião. Mas a sociedade brasileira precisa se comunicar com a lei e respeitá-la. Infelizmente, em mais de uma década trabalhando com o tema, sinto que há muito a avançar. Nesse sentido, Europa e EUA estão mais avançados, pois a violação à propriedade intelectual lá é punida de forma mais severa.

J&Cia – Quais são os desrespeitos mais comuns nesse campo e como vocês fazem para monitorar as publicações?

Marcelo – A contrafação é a modalidade de ilícito civil mais comum. Contrafação é o uso indevido de obra alheia. E isso ocorre com a fotografia diariamente e sem controle… Nossos clientes, quando descobrem que estão tendo prejuízo por usos indevidos de suas fotografias, pedem nossa assessoria e iniciamos nossos trabalhos de proteção e fomento ao acordo, a fim de reparar parte do dano que o fotógrafo já teve.

Temos uma equipe especializada em busca reversa, que detecta os usos indevidos por parte dos infratores.

J&Cia – Quantos clientes nessa área a One Intelectual tem e como funcionam os contratos, em termos de ganhos para as partes?

Marcelo – Já atendemos a mais de duas dezenas de clientes em quase cinco anos. Quanto à porcentagem, é assunto restrito entre escritório e cliente. No entanto, podemos garantir que os valores que os clientes recebem nos acordos são vultosos, relevantes em sua renda mensal. Já que inúmeros infratores utilizam-se de suas obras fotográficas, os acordos gerados são ferramentas para amenizar o prejuízo que já ocorreu. Para ter uma ideia: valores em acordos desde 2021 somam mais de R$ 2 milhões para nossos clientes.

J&Cia – Autores interessados nessa proteção como devem proceder para contratar um escritório de advocacia? Que cuidados devem tomar?

Marcelo – Devem produzir todas as provas, porém nós auxiliamos como fazer. Devem ter bem armazenados os arquivos digitais ou analógicos. Nos digitais, o ideal é inserir seus metadados: nome do fotógrafo, data e e-mail são informações muito importantes para garantir a autoria. O conjunto probatório, se for bem robusto, também é válido judicialmente. Não precisa ter o arquivo RAW, mas se tiver, e com os metadados ali inseridos, fica tudo devidamente comprovado e transparente e fácil de provar que a foto é dele. Dali para a frente a One Intelectual agrega seu conhecimento jurídico a fim de fomentar os acordos/indenizações extrajudiciais.

J&Cia – Qual o ritual praticado quando se descobre o uso indevido de uma imagem protegida por direito autoral? E, em média, qual o tempo de duração dos processos quando há e quando não há acordo?

Marcelo – Uma vez descoberto o caso, a One Intelectual notifica o infrator e começa as tratativas de acordos extrajudiciais. Trinta dias são suficientes para sabermos se lograremos composição amigável ou não. Se não houver acordo, ajuizamos o caso e em média o processo dura um ano.

J&Cia – Como são calculados os valores indenizatórios e em que se baseiam?

Marcelo – Com base no valor/preço da obra fotográfica utilizada e com base na jurisprudência. Porém, o uso indevido também é fator variável para chegarmos num valor justo de indenização.

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