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quarta-feira, abril 24, 2024

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Memórias da Redação ? Um texto para Beluco

Em homenagem a Antônio Beluco Marra, que morreu em 2006, Malena Rehbein reproduz texto que escreveu naquela época sobre o amigo, que completaria 73 anos esta semana. Os dois trabalharam juntos em duas passagens na assessoria da Presidência da Câmara: nas gestões dos ex-presidentes Aécio Neves e de Severino Cavalcanti. Malena atualmente está na Secom da Câmara dos Deputados. Um texto para Beluco Pediram-me para escrever um histórico de Antônio Beluco Marra, grande amigo e companheiro de trabalho, que faleceu na manhã deste 12 de julho de 2006. Texto institucional, embora um pouco pessoal. Tarefa árdua para quem nunca escreveu obituários na vida e há pouco sabia da morte, ainda que esperada, do amigo. Tarefa cumprida, a dor volta. Beluco não combinava com textos institucionais. Ele odiaria o texto que escrevi. Para ele, faço então agora uma descrição minha sobre estar em sua companhia, usufrui-lo, observá-lo. Dos 66 anos de Beluco, compartilhei apenas dos últimos seis. Os outros 60 soube pela boca dele, em inúmeras conversas, regadas a vinhos – que ele escolhia como quem busca pérolas – e comidas que, vamos confessar, na maior parte das vezes eram criticadas por ele. Exigente esse Beluco. Beluquinho. Antônio. Tony. Já vi chamarem-no de todas essas formas. Embora muito simples em várias coisas, principalmente no amor pelas pessoas, Beluco tinha um jeito de “sabichão” muito engraçado. Como sempre sabia de muitas coisas dos bastidores, formulava pensamentos que se tornavam verdadeiras convicções, pelas quais ele argumentava em qualquer conversa. Talvez porque realmente tenha vivido muito… Das histórias do antigo MDB à atual crise política, sempre fazia conjecturas, orgulhava-se de saber detalhes, sem nunca deixar de se chocar com as atrocidades que lhe apareciam aos olhos ou chegavam aos ouvidos. Nunca perdeu a delicadeza, embora não lhe faltasse jamais a malícia. Beluco não era muito afeito à burocracia. Perdia-se em leituras, gostava de escrever (odiava revisar e ater-se a detalhes gramaticais), mas que não pedissem para gastar tempo administrando coisas. Quantas discussões tivemos por causa disso… – Beluco, você é o chefe desse negócio aqui –, dizia eu. – Oh, alemãzinha, você está na TGB? (nunca entendi porque ele chamava TPM assim) –, desdenhava ele. Sua liderança era diferente. Um palpite seu, um texto, uma estratégia transformavam o resto em nada. Ele ainda conseguia fechar algumas 6as.feiras dançando tango na sala. Sim, claro, depois de almoços antológicos no Francisco, aonde íamos porque o vinho era bom, mas a comida, obviamente, ruim. Jamais esquecerei uma frase de Beluco que, para mim, caracterizava sua capacidade de amar: “Quando estou com alguém (ele teve vários casamentos) tenho o maior prazer em voltar para casa”. Parece pieguice, mas ele nunca deixou de ter prazer de voltar para lá. Nunca foi daqueles jornalistas de trabalho-boteco-trabalho. Boêmio, sim. Mas conseguiu a façanha de fazer de sua família uma colcha de ex-mulheres, três filhos, netos e afilhados convivendo em uma harmonia que eu jamais conheci. Danado esse Beluco. Romântico e, segundo ele mesmo, como bom italiano, bastante ciumento. Fascinado por música, tinha a maior coleção de jazz de Brasília. John Coltrane, Ornette Coleman. Os nomes dos dois sempre foram a senha para entrar no computador dele. Na verdade, escutava de tudo, desde que tivesse qualidade, advertia. Gostava de criticar muito do que era pop. Por isso, não me atrevi a pôr outra coisa para escrever este texto que não o CD do Antônio Agri que ele me trouxe da Argentina. Como convivíamos muito no dia a dia, só hoje me dou conta de que participei pouco dos seus finais de semana. Sei que ele adorava pegar um ônibus e passear pela cidade, ir a um sebinho de livros e música, que eu nunca soube onde ficava. Ultimamente também gostava de ir à Fnac. Sei que ficava muito com a família também. Como ele se deslumbrava com aqueles netos e sentia-se cheio de si com as demonstrações de carinhos deles! Também nunca abriu mão da companhia de sua gata. Lembro-me de uma vez em que a bichana sumiu por um mês, e não é que ele ficou deprimido?! Sempre soube que ele gostava de viver, mas confesso que tive a verdadeira noção disso quando passei a acompanhar sua luta contra o câncer. Cansou de fazer quimioterapia e ir trabalhar, agitadíssimo em função do efeito das drogas que lhe eram ministradas. Nunca falava da gravidade da doença. Estava sempre a duas semanas de voltar para o trabalho. Nunca voltou. Cansei de ensaiar um tango para tocar ao violino para ele, mas meu excesso de preparação retardou para sempre minha apresentação. Agora termino este texto, e ele não está aqui para me criticar. Mas, por via de dúvidas, apressei-me em fazer um que parecesse mais com ele. Por isso, uso suas próprias palavras – embora baseadas em um poema de Wallace Stevens –, proferidas no Natal de 2004, para dizer-lhe: “Você fez flores líquidas de luz se abrirem. Em nós”.

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