Jornalistas&Cia e ESPM realizaram em 27/10 o sexto e último encontro do ciclo O presente e o futuro do jornalismo – Insights. O evento, cujo tema foi Democracia sob espreita, discutiu a relação entre o jornalismo e o estado democrático de direito, bem como os obstáculos e soluções para o futuro da imprensa no Brasil.
O debate reuniu, na sede da ESPM Tech, na Vila Mariana, em São Paulo, profissionais que são referência na discussão sobre os caminhos que o jornalismo pode e deve percorrer nas próximas décadas: Carla Jimenez, colunista do UOL e ex-diretora e editora-chefe do El País no Brasil; Leão Serva, ex-diretor de Jornalismo da TV Cultura e correspondente da emissora em Londres (que participou via Zoom); e Ricardo Gandour, ex-diretor de Jornalismo do Grupo Estado e atual ESPM/R.Gandour Estratégia e Comunicação. A mediação foi de Verónica Goyzueta, correspondente internacional no Brasil há quase 30 anos e professora do curso de Jornalismo da ESPM.
Na plateia, o evento reuniu, mais uma vez, diferentes gerações de indivíduos interessados no futuro do jornalismo, desde profissionais com anos de caminhada, entre diretores, editores, chefes e redação e professores, e gerações, representadas pelos estudantes de jornalismo, que carregarão nas costas o trabalho da profissão nas próximas décadas.
Na abertura do debate, Eduardo Ribeiro, diretor deste Portal dos Jornalistas e J&Cia, agradeceu à ESPM e aos presentes pela parceria ao longo do ano e ressaltou a importância de discussões do tipo para o futuro da profissão: “É uma honra para nós estarmos ao lado da ESPM, uma das principais escolas de comunicação do País, realizando este ciclo de debates tão essenciais para a nossa profissão. Somos um veículo de nicho, os jornalistas dos jornalistas, sempre fazendo esse trabalho de divulgação e para agregar à profissão. Este evento hoje coroa, encerra com chave de ouro este ciclo, falando sobre a relação entre democracia e o jornalismo, sobretudo as dificuldades da categoria, do ponto de vista de sobrevivência e prestígio, considerando os ataques que estamos sofrendo de todos os lados já há algum tempo”.
Verónica, mediadora do debate, ressaltou a importância do trabalho jornalístico em uma sociedade democrática: “Jornalismo é um dos pilares da Democracia. A profissão jornalística e a democracia andam de mãos dadas, sempre juntas. No último sábado, foram realizadas diversas homenagens em memória dos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog, em um contexto duríssimo, onde não havia democracia no Brasil. Hoje, 50 anos depois, nós, jornalistas, ainda continuamos sofrendo, obviamente que agora dentro de uma democracia, em contextos diferentes, mas os focos de ataque são outros: discursos de ódio, ameaças, ataques virtuais nas redes. Então, temos muito a discutir sobre esses obstáculos à nossa profissão que, mesmo com tantos ataques, segue atuante”.

Carla Jimenez destacou que o jornalismo enfrenta hoje uma dupla crise: a da descrença pública e a da banalização da informação. Desde o início da carreira, ouve previsões de extinção da profissão – agora reforçadas pela ascensão da inteligência artificial e pela proliferação de influenciadores digitais que ocupam o espaço dos jornalistas. Para ela, porém, o jornalismo é vital e resiliente, um organismo que se reinventa continuamente, embora as empresas pouco incentivem seus profissionais a compreender o mercado. Criticou a produção excessiva e a corrida por cliques, que esvaziam o interesse público em favor do trivial, e defendeu a retomada do papel do jornalismo como serviço e motor de transformação social. Diante da crise civilizatória e do poder dos algoritmos, Carla propôs recolocar o coletivo, a democracia e o bem comum no centro da prática jornalística, lembrando o exemplo do consórcio de veículos na pandemia. Defendeu ainda a regulamentação das redes sociais como uma simples questão de cumprimento das leis e de proteção da humanidade.
Leão Serva, em intervenção direta de Londres, refletiu sobre o desgaste histórico do jornalismo e comparou a ascensão da inteligência artificial ao ciclo de expansão dos meios de comunicação, que “vampirizam” a atenção do público. Observou que, no cenário atual, o jornalismo perdeu protagonismo nas novas mídias e enfrenta grave crise de sustentabilidade: antes sustentado por publicidade, hoje depende de assinaturas em queda, tornando-se menor e mais segmentado. Ressaltou que o interesse pelo jornalismo ainda existe, mas o modelo de negócios e as estratégias editoriais se desalinharam, especialmente quando veículos cedem espaço a celebridades e opiniões superficiais. Apontou também o erro estratégico de priorizar notícias pessoais e de entretenimento em detrimento do interesse público. Para ele, a incompreensão do ofício – inclusive entre jornalistas – enfraquece a credibilidade. Defendeu a regulamentação das redes sociais como instrumento essencial à democracia, capaz de conter abusos e restabelecer limites civilizatórios no debate público.
Ricardo Gandour abordou a ideia de “institucionalidade do jornalismo”, propondo que a profissão seja compreendida como uma instituição com liturgia própria – método, rigor e princípios, como separar fatos de opiniões e corrigir erros. Argumentou que a fragmentação digital corroeu essa liturgia ao dispersar a atenção social e acelerar o tempo de apuração, o que levou à banalização de conteúdos e à perda de autoridade jornalística. Para ele, preservar o método é a chave para que o jornalismo continue a ter função republicana, ao lado dos Três Poderes. Criticou a lógica algorítmica das big techs, que destrói o debate público ao reforçar bolhas de opinião, e defendeu o resgate da autoridade técnica e ética do jornalista sobre os assuntos que cobre. Como saída, propôs a criação de uma coalizão ampla – envolvendo associações de imprensa, ministérios e entidades educacionais – para promover a educação midiática nas escolas e fortalecer o vínculo entre jornalismo, democracia e cidadania.
Assista ao último debate do ciclo O presente e o futuro do jornalismo – Insights na íntegra aqui.










