Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

O uso da internet como instrumento para assédio sexual a crianças e jovens talvez seja o mais abominável efeito colateral da tecnologia criada para conectar pessoas pessoas e compartilhar conhecimento.

Violência sexual contra crianças sempre existiu no mundo físico, com resultados devastadores.

Mas o medo, a vergonha e os riscos infligidos a pessoas em formação, por abusadores que se aproveitam de sua fragilidade no mundo virtual, podem causar efeitos igualmente dramáticos para a vida futura, com traumas difíceis de superar.

Nos últimos dias, duas grandes empresas de tecnologia resolveram agir. Primeiro foi a Apple, que anunciou um conjunto de ferramentas para iPhones, iMacs e Ipads a fim de combater o abuso sexual infantil.

O Google seguiu os passos e também apresentou mudanças em suas plataformas, que incluem restrições para para exibição de anúncios a menores e desativação do histórico de localização para jovens.

Mas a solução do problema não é simples e nem será resolvida por decreto.

Apesar das boas intenções, a Apple foi questionada por ativistas que defendem a privacidade nas redes e até pelo líder global do WhatsApp. O motivo é o plano de identificar no iCloud dos usuários fotos de menores que configurem abuso sexual.

A controvérsia traz novamente à pauta um dos debates mais difíceis do mundo contemporâneo: privacidade x segurança.

Não são poucos os que defendem a privacidade a qualquer custo, não admitindo qualquer interferência no conteúdo dos usuários ou no armazenamento de imagens de pessoas (como nos sistemas de vigilância em locais públicos), mesmo quando essas tecnologias estão a serviço da proteção de cidadãos contra crime e terrorismo. Ou contra o abuso infantil.

Já o lado mais preocupado com as crianças entende que manter abusadores protegidos pelo anonimato é um mal ainda maior para a sociedade.

O pacote anunciado pela Apple, que vai começar pelos Estados Unidos, parece ter sido concebido já antevendo as críticas que viriam.

A Apple garante que não vai monitorar todas as fotos do iCloud. Somente as que tiverem sido previamente classificadas como “conteúdo conhecido” no banco de dados de uma ONG americana que trabalha em parceria com órgãos do governo.

Para os mais radicais o mecanismo não resolve inteiramente o problema do abuso, pois se a foto armazenada por um pedófilo tiver sido feita por ele mesmo ou por uma criança sem que tenha sido classificada, continuará lá.

Também não resolve se o usuário simplesmente deixar de armazenar a foto no iCloud. No entanto, há um efeito psicológico, que pode desestimular a troca de imagens pelo risco de o abusador ser descoberto.

Mas o mais importante no pacote da Apple não é a busca de fotos, e sim o mecanismo de alerta a crianças e pais. A criança será notificada se receber uma foto de cunho sexual, que ficará borrada até que ela decida visualizar. Se o fizer, os pais serão avisados.

Talvez a Apple tenha ido longe demais na proposta de mapear as fotos do iCloud. Mas a empresa foi corajosa, e alinhou-se a pessoas e entidades que têm se mostrado contrárias ao anonimato nas redes sociais.

No Reino Unido, a NPSCC (Sociedade Nacional para a Prevenção da Crueldade contra Crianças) empreende uma campanha feroz contra a adoção da criptografia de ponta a ponta no Facebook Messenger e no Instagram, já que isso dificultará a identificação dos que assediam crianças por meio da internet.

E não é só pelas redes sociais que o assédio acontece. Uma pesquisa feita pela entidade encontrou aumento de casos por aplicativos de mensagens, e-mail e nos sistemas de mensagens dos jogos online, com pedófilos usando-os para abordar crianças.

Na última segunda-feira (9/8), a Apple publicou um extenso documento defendendo as novas ferramentas e tentando amenizar as críticas.

Ainda que ela acabe voltando atrás (ou seja instada a fazê-lo), o movimento serviu para mostrar que o problema tem solução, e há tecnologia para tal. Como as que vão ser adotadas pelo Google.


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