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sexta-feira, abril 19, 2024

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O adeus a Mylton Severiano da Silva, o Myltainho

Vítima de infarto na noite da 9/5, faleceu em Florianópolis Mylton Severiano da Silva, o Myltainho, que ultimamente atuava como editor de textos do Almanaque Brasil de Cultura Popular (revista de bordo da TAM). Sentiu dores no estômago à tarde, foi ao médico, voltou para casa e morreu do coração. Seu corpo foi transferido para São Paulo, onde foi enterrado no Cemitério Getshêmani. Myltainho nasceu em Marília, interior de São Paulo, em 10 de setembro de 1940.

Aos nove anos de idade publicou no jornal Terra Livre o primeiro texto, sobre as condições em que vivia um casal de camponeses na Fazenda Bonfim. Abandonou o curso de Direito no segundo ano e iniciou a carreira na Folha de S.Paulo, na década de 1960. Trabalhou em publicações como O Estado de S.Paulo, Jornal da Tarde, Quatro Rodas, Realidade, TV Globo, TV Cultura, TV Tupi, TV Abril, A Nação, O Jornal, Panorama (Londrina/PR), Brasil Extra, Extra-Realidade Brasileira (participou da criação desses três últimos) e Caros Amigos, onde foi colunista e editor-executivo até 2009, dentre outros.

Indicado ao Jabuti na categoria Reportagem pelo livro Se liga – o livro das drogas (Record, 1997), também escreveu outras obras, como a biografia João XXIII: Um século de boa vida, em parceria com Jorginho Guinle; Paixão de João Antônio, Nascidos para perder – História do jornal da família que tentou tomar o poder pelo poder das palavras (sobre o Estadão e a família Mesquita), Realidade, a revista que virou lenda, e colaborou na edição e produção de Honoráveis bandidos e O príncipe da privataria, de seu amigo Palmério Dória.

Fora do jornalismo, formou-se acordeonista em Marília e ia lançar seu disco este mês. Deixou mulher e três filhos. Sobre ele, o amigo Ricardo Kotscho publicou uma homenagem em seu Balaio do Kotscho, que reproduzimos com a devida autorização: Miúdo e franzino, meu amigo Myltainho era um valente e inconformado guerreiro na luta contra as injustiças sociais, a hipocrisia, as maracutaias, o autoritarismo, a intolerância, a violência, o mau-caratismo, todas essas desgraças das quais ainda não conseguimos nos livrar.

Para combater tudo o que achava errado, usava como arma apenas as palavras, dono que era do melhor texto da imprensa brasileira, um incansável artesão forjado nas redações para transformar pedra bruta em finos diamantes. Repórter, redator, editor, escritor, criador de publicações, Mylton Severiano da Silva se foi na noite de 6ª.feira, aos 73 anos, em Florianópolis. À tarde, tinha ido ao médico, sentindo fortes dores no estômago. Receitaram-lhe um remédio e o mandaram de volta para casa.

Pouco tempo depois, morreu de infarto. Acabou sendo vítima de uma das muitas mazelas que não se cansava de denunciar: a negligência e a incúria nos serviços de saúde. Devo a esse brasileiro de fé e compromisso com seu povo meu primeiro emprego na grande imprensa, nos anos 60 do século passado. Se sou jornalista até hoje ele é o culpado. Myltainho já era uma das estrelas da lendária revista Realidade.

Naquela manhã de 2ª.feira, como só ele estava na redação, entreguei-lhe o bilhete do meu primo Klaus, recomendando-me para um emprego na melhor publicação brasileira de todos os tempos. Era muita pretensão minha… Por cima dos óculos de aro fino, olhou-me bem e abriu um sorriso, incrédulo, dizendo mais ou menos assim: “Meu filho, você é muito novo, está começando agora. Aqui só tem craque, é a seleção brasileira do jornalismo… Tem que ralar primeiro em jornal, depois você volta…”. Vendo minha cara de decepção, logo encontrou um jeito de ajudar e me encaminhou para o Estadão, ali perto, onde um amigo dele, Aloísio de Toledo Cesar, era o chefe da Reportagem da manhã.

Comecei no mesmo dia, trabalhei mais de dez anos no jornal e estou ralando até hoje, mas a Realidade acabou bem antes que eu pudesse criar coragem de pedir novamente uma vaga naquele time. Myltainho era assim: sempre solidário, disposto a ajudar os outros, mesmo que fosse um jovem desconhecido. Mais tarde, nos cruzamos em outras redações da vida, ficamos amigos, cúmplices e confidentes, rimos muito juntos nas vitórias e choramos as derrotas da nossa geração, na gangorra do último meio século.

Humilde, sem nunca perder a altivez, só faltava ele pedir desculpas quando mexia num texto, invariavelmente para torná-lo melhor. Foi tão rica sua trajetória como jornalista, iniciada aos nove anos, no Terra Livre, publicação de Marília, no interior paulista, onde nasceu, com reportagem sobre as condições de trabalho numa fazenda da região, que não cabe contar essa história no espaço de um blog.

Estou muito triste para continuar escrevendo sobre uma das figuras mais admiráveis que tive a ventura de conhecer neste ofício de contar histórias dos outros. Para quem quiser saber mais sobre a vida e a obra de Mylton Severiano da Silva, recomendo a belíssima homenagem prestada a ele no comovente texto de Luana Shabib publicado pelo site da revista Brasileiros, onde também trabalho: http://migre.me/jaJCN. Vai com Deus e descansa em paz, meu velho e bom amigo.

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