Por Assis Ângelo
Além de Machado de Assis, José de Alencar e outros antes dele e depois fizeram circular nas páginas dos livros grandes mulheres que perderam o marido nas mais diversas circunstâncias. Entre esses autores não custa lembrar que também se acha o curitibano Dalton Trevisan (1925-2024).
Trevisan falou de todas as relações possíveis que há entre o homem e a mulher, seja novo, seja velha.
Falar de Dalton Trevisan é o mesmo que falar de feijão com arroz. No caso, amor e putaria.
A estreia de Loyola Brandão ocorreu em 1965, quando lançou à praça um livro de contos intitulado Depois do Sol. Entre os contos se acha O Homem do Furo na Mão. Muito bom, ótimo.
O personagem, um professor de história, volta às páginas do escritor em 1981. Nesse ano é publicado o romance Não Verás País Nenhum. Distópico. Há momentos hilariantes.
O buraco na mão do sujeito provoca grande preocupação da mulher, Adelaide. Mas ele mesmo não liga, passa a se preocupar mesmo quando é aposentado compulsoriamente. A mulher o abandona e ele, que perde tudo e até a vontade de viver, acaba preso depois de conhecer uma jovem e com ela transar. Curioso é o fim.
De Brandão é também bacana o romance Bebel que a Cidade Comeu. É de fundo político, como quase tudo que Brandão escreve. A história passa-se em São Paulo, como em São Paulo se passam também as histórias narradas no livro Cadeiras Proibidas (1976).

Tudo ou quase tudo que ele se dispõe a contar nos seus livros parece banal, mas o fato é que o leitor quase sempre tem uma surpresinha no final.
Ao contrário de Machado, Loyola nunca até aqui pôs em suas páginas de ficção uma viúva.
Dá até para comparar os escritos de Brandão com os escritos de Lima Barreto, que nos seus 41 anos de vida escreveu provocativos, críticos e engraçados contos. Nessa mesma linha, o jornalista João do Rio também escreveu bonitos e sangrentos textos em jornais da sua época.
O curioso em João do Rio é que seus textos tinham origem na vida real. Até os personagens aparentemente fictícios eram reais.
Num dia qualquer do começo do século 20, João esteve numa cadeia pública do Rio e lá ouviu alguns presidiários. Depois, contou. Um trecho:

− Pois vá ver esses criminosos. O assassino por amor é o único delinquente que confessa o crime.
Alguns chegam mesmo a reviver detalhes insignificantes. Ao passo que os gatunos, os incendiários e os homicidas vulgares, mesmo tendo a cumprir sentenças longas, negam sempre o crime; essas vítimas da paixão não se cansam de contar a sua história, cada vez com maior número de minúcias e mais abundâncias de memória.
“− Ora, nós brigamos. Eu gostava dele. Nós brigamos. Um dia ele me disse uma porção de nomes. Eu fiquei calada, mas quando o vi deitado, com o pescoço à mostra, roncando, parece que o diabo me tentou. E fui então com a faca…”
Aproximei-me, bem perto, quase murmurando as palavras:
− Diga: era capaz de fazer o mesmo outra vez, de abrir o pescoço do pobre rapaz, de acender as velas, de cantar? diga: era?
Ela riu como uma fera boceja, e disse num arranco de todo o ser:
“− Eu era, sim, senhor…”
Uma das primeiras revistas em que o autor de A Alma Encantadora das Ruas publicou textos foi O Diabo.
O Diabo, aliás, é personagem presente em tudo quanto é romance mundo afora.
Quem não se lembra do incrível texto Doutor Fausto, de Tolstói?
Nessa obra, o autor cria um personagem que quer ter o conhecimento de tudo que há no mundo. É um sabichão. Mas quer mais e aí ele, o doutor, faz um pacto com o demônio. O final é fantástico.
E Machado de Assis, hein?
Machado tem um conto intitulado A Igreja do Diabo.
Tem também Olavo Bilac, que foi jornalista, poeta e tal. É dele o conto envolvendo uma jovem e um padre. Título: O Diabo:
Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando, às dez horas, apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo, que começava a bater os dentes… Pobre Luizinha! Que medo, que medo ela tinha do diabo!
Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a atormentar…
Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando, com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:
− Minha filha! Basta ver que está assim preocupada com essa ideia, para reconhecer que realmente o Diabo anda a persegui-la… Para o tinhoso amaldiçoado assim é que começa…
− Ai, senhor padre! Que há-de ser de mim?! Tenho a certeza de que, se ele me aparecesse, eu nem forças teria para gritar…
− Bem. filha, bem… Vejamos! Costuma deixar a porta do quarto aberta?
− Deus me livre, santo padre!
− Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal… Para que serve fechar a porta se o Amaldiçoado é capaz de entrar pela fechadura? Ouça o meu conselho… Precisamos saber se é realmente Ele que quer atormentá-la… Esta noite, deite-se, e reze, deixe a porta aberta… Tenha coragem … Às vezes, é o Anjo da Guarda que inventa essas coisas, para experimentar a fé das pessoas. Deixe a porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado…
− Ai! Senhor padre! Eu terei coragem?…
− É preciso que a tenha… é preciso que a tenha… vá… e, sobretudo, não diga nada a ninguém… não diga nada a ninguém…
E, deitando a benção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando o belo queixo escanhoado.
E, no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando viu chegar a bela Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se passara….
− Ah! Meu padre! Apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo… com um medo… De repente, senti que alguém entrava no quarto… Meu Deus! Não sei como não morri… Quem quer que fosse, veio andando devagarinho, devagarinho, devagarinho, e parou perto da cama… não sei… perdi os sentidos… e…
− Vamos, filha, vamos…
− … depois quando acordei… não sei, senhor padre, não sei… era uma cousa…
− Vamos, filha… era o Diabo?
− Ai, senhor padre… pelo calor, parecia mesmo que eram as chamas do inferno… mas…
− Mas o que, filha? Vamos!…
− Ai, senhor padre… mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina…
Luisinha é também um personagem que enriquece o texto do livro O Cabeleira, de Franklin Távora (1842-1888). Nessa história o leitor fica sabendo que Cabeleira é filho de Joana e Joaquim Gomes. Esse Joaquim é uma figura totalmente temerária, violenta, assassina. É história terrível, de cangaço, de morte e tudo mais.
Luisinha é uma menina do passado de Cabeleira. Ela o amava.
É uma história de muito sangue essa história de O Cabeleira. Mas nessa história tem também momentos de divertimento em cabarés e mulheres da vida. Tem dança, tem viola, tem cantiga…
Foto e ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora
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