A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina (SJSC) repudiaram declaração do governador de Santa Catarina Carlos Moisés da Silva, que, em 8/5, em transmissão via redes sociais, sugeriu a empresários que pressionassem os veículos de comunicação a praticarem um “jornalismo decente”.
O governador afirmou que “o governo foi execrado por pagar
adiantado, eles (os jornalistas) fizeram tudo errado. Eu vi jornalistas aqui de
Santa Catarina induzindo nas suas entrevistas, como se fosse uma autoridade
policial ou um promotor, que estes sim têm que fazer suas oitivas, tem que
indagar. Ele (jornalista) fez a persecução criminal, a persecução criminal, na
frente das câmeras. Acho que nós precisamos renovar esse conceito”.
Moisés reagia à cobertura da imprensa sobre a compra de 200
respiradores para o combate ao coronavírus, com pagamento antecipado, por cerca
de R$ 33 milhões. Até então, nenhum equipamento havia sido entregue à
Secretaria de Estado da Saúde.
Em nota conjunta, a Fenaj e o SJSC declaram que “se,
porventura, algum veículo ou profissional cometeu ou vier a cometer qualquer
erro na cobertura jornalística relativamente a este fato, cabe ao Governo do
Estado de Santa Catarina tomar as medidas legais para a reparação do erro ou
para assegurar o direito ao contraditório. No entanto, estimular e/ou promover
o cerceamento à liberdade de imprensa por meio da pressão econômica de
anunciantes é um erro grosseiro, autoritário e um ataque inaceitável. Cumprindo
seu papel de garantir e defender a Liberdade de Imprensa, o Jornalismo e os
jornalistas não vão se calar”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) escreveu que “fiscalizar o uso de recursos públicos é uma das principais funções do jornalismo. Em sua fala a empresários, o governador demonstra ignorância sobre o conceito de liberdade de imprensa. Como, infelizmente, está se tornando comum entre autoridades brasileiras, prefere atacar o mensageiro a prestar contas à sociedade catarinense”.
Morreu nesta segunda-feira (11/5) o jornalista esportivo e ex-jogador de futsal Newton Zarani, aos 93 anos, no Rio de Janeiro, vítima de AVC e pneumonia. Ele foi um dos fundadores da Federação Carioca de Futsal, em 1954, a mais antiga do mundo. Atuou como jogador do Club Municipal e do América, onde também foi treinador.
Depois de pendurar as chuteiras, Zarani tornou-se
jornalista esportivo, trabalhando por mais de 40 anos no Jornal dos Sports e em
outros veículos. Foi um dos pioneiros no papel de comentarista de rádio. Em
nota, a Associação de Cronistas do Estado do Rio (Acerj) lamentou sua morte.
Ele deixa a esposa, Maria Lúcia e três filhos, Charles, Ives e Michelle.
Os profissionais de imprensa de São Paulo estão liberados do rodízio de veículos imposto pelo Decreto Municipal nº 59.403, publicado em 8/5 e que passa a valer a partir desta segunda-feira (11/5), como medida de prevenção e redução de contágio pelo novo coronavírus. O texto garante a livre circulação da imprensa, bem como a exclusão das restrições impostas.
O decreto diz que o cadastro de trabalhadores freelances do setor de imprensa será
autodeclaratório e deve ser acompanhado do devido comprovante de registro
profissional. Já profissionais empregados em veículos de comunicação devem
solicitar o cadastro nas próprias empresas jornalísticas, exigindo sua
identificação e de seus respectivos veículos junto à Secretaria Municipal de
Mobilidade e Transportes.
Os profissionais devem fazer o
pedido pelo isencao.covid19@prefeitura.sp.gov.br
ou pelo Portal 156, clicando na área
“Trânsito e Transporte” e, em seguida, na opção “Rodizio de Veiculos
(coronavírus) – Cadastrar veículos para isenção durante a pandemia”.
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, anunciou a criação de um órgão independente que moderará o conteúdo veiculado na rede social, principalmente no que se refere a publicações polêmicas, que ferem os direitos humanos e a liberdade de expressão. O nome oficial é Conselho Assessor de Conteúdo.
O novo órgão é independente, alheio ao Facebook. É formado
por 20 conselheiros, dez homens e dez mulheres, que não trabalham no Facebook,
e, portanto, não podem ser demitidos por Zuckerberg. Entre os integrantes está
o brasileiro Ronaldo Lemos, advogado de propriedade tecnológica e
intelectual e professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ).
O único outro latino-americano é a jurista colombiana Catalina
Botero-Marino, diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Los
Andes e ex-relatora para a liberdade de expressão na Organização dos Estados
Americanos. Também fazem parte do conselho Tawakul Kerman, ganhadora do
Nobel da Paz de 2011; a ex-primeira-ministra dinamarquesa Helle
Thorning-Schmidt; o jornalista britânico Alan Rusbridger,que
por duas décadas dirigiu o jornal The Guardian; Jamal Greene,
catedrático da Universidade Columbia; Michael McConnell, ex-juiz federal
dos EUA e hoje professor em Stanford, entre outros.
Ao todo, serão 40 membros no conselho, o dobro da
composição atual. O processo de seleção dos outros 20 deve estender-se até
2021. (Veja+)
Artistas, jornalistas, estudantes, escritores e contadores de histórias de todo o País são convidados para contribuir com a iniciativa Inumeráveis, memorial que destaca os nomes e uma breve biografia de todas as vítimas por Covid-19 no Brasil. O objetivo é mostrar as pessoas por trás dos dados, números e estatísticas diariamente presentes na mídia nacional.
Criado em 30 de abril, o projeto é obra do artista Edson
Pavoni em colaboração com Rogério Oliveira, Rogério Zé, Alana
Rizzo, Guilherme Bullejos,Giovana Madalosso, Jonathan
Querubina e os jornalistas e voluntários que seguem adicionando histórias
ao memorial. A iniciativa busca mostrar o lado humano da pandemia, apresentando
as histórias das pessoas que se foram por causa da doença, de forma sensível,
pessoal e respeitosa, valorizando cada uma delas. Posteriormente, os
idealizadores pretendem fazer uma exposição artística em local público com os
nomes das vítimas.
Rogério Oliveira, empreendedor social e um dos
idealizadores do Inumeráveis, explica que o projeto serve para mostrar as vidas
escondidas pelos números e estatísticas: “O Inumeráveis nasce do incômodo em
perceber que, nas tragédias humanitárias pela qual a humanidade passa,
transformamos as vidas perdidas apenas em números e estatísticas. Pandemias,
guerras, genocídios, desastres recentes como Brumadinho. Não valorizamos, não
registramos a vida, a história de cada única pessoa que todos nós perdemos.
Hoje temos tecnologia e um sistema distribuído que pode colaborar para termos a
ambição de registrar 100% das histórias, de cada pessoa”.
A plataforma oferece duas formas de colaboração: uma para
profissionais de imprensa, estudantes de jornalismo e outros que queiram
reportar uma história; e outra direcionada à família e aos amigos que gostariam
de prestar uma homenagem à vítima.
Faleceu na última sexta-feira (8/5), aos 78 anos, vítima da Covid-19, o jornalista, escritor, cineasta e dramaturgo Jesus Chediak. Ele era diretor cultural da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e atuava como curador da superintendência de Artes da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro. Chediak estava internado desde 4/5 no Assim Medical Center do Méier, Zona Norte do Rio. A Prefeitura de Duque de Caxias, cidade onde Chediak foi secretário de Cultura na gestão do ex-prefeito Alexandre Cardoso, decretou luto oficial de três dias pelo falecimento
“Artista multitalentoso, Chediak era associado da ABI há mais de 40 anos”, destacou o comunicado emitido pela entidade. “Jogou sinuca com Villa-Lobos nas lendárias mesas de bilhar do 11º andar da entidade. Participou de vários Conselhos da Casa do Jornalista. Dividiu cadeiras de conselheiro com Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony e tantos baluartes da cultura brasileira. Foi diretor de Cultura durante a gestão de Barbosa Lima Sobrinho e, mais recentemente, nas gestões Maurício Azedo, Domingos Meirelles e Paulo Jeronimo Sousa. Lançou na ABI o Cine Macunaíma, sendo um precursor do cinema novo. Montou, com parcos recursos, no teatro do 9º andar da entidade, uma peça sobre a morte de Vladimir Herzog, considerada pela revista Veja como a melhor daquele ano de 1976”.
Chediak foi também diretor da Casa França Brasil e professor da Universidade Federal da Bahia e autor de diversos livros, entre eles Brasil, país do presente: contribuições para a formulação de um socialismo cristão brasileiro. Entre os filmes que produziu, o mais recente foi sobre a vida de Pedro Aleixo.
“Era muito mais que um amigo; era um irmão. E o mais
devastador é que não podemos nem sequer nos despedir dele. Em tempos normais,
faríamos o velório na própria ABI, que era a sua casa. É muita tristeza”, lamentou
o presidente da ABI Paulo Jeronimo Souza.
“Manifesto, em meu nome, em nome da minha família e em nome de todos os seus
companheiros de militância e de convívio fraterno na ABI, o mais profundo pesar
por esta perda desoladora. Estamos solidários com a dor de sua mulher,
Glorinha, e de seus filhos. Que nosso querido Jesus Chediak descanse em paz”.
Ele deixa a esposa Glória
Chediak, também jornalista, e quatro filhos já adultos: Paloma, Tiago,
Julian e Neelash.
Orlando Brito, repórter fotográfico que foi agredido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro durante manifestação em frente ao Palácio da Alvorada em 3/5, contou os bastidores do “convite” para almoço que lhe teria sido feito pelo próprio presidente. O repórter negou ter recebido qualquer convite de Bolsonaro. A informação é de Chico Sant’anna.
Brito contou que foi chamado por Bolsonaro para uma
conversa na saída do Palácio do Planalto na terça-feira (5/5). Ao lado de
outras “10 ou 12 pessoas que o acompanhavam”, o presidente perguntou a ele se a
agressão de fato havia acontecido. Brito confirmou o ocorrido e narrou os
acontecimentos para Bolsonaro, incluindo o “safanão” que levou, os xingamentos
e o fato de que os manifestantes queriam quebrar suas câmeras. Segundo ele,
Bolsonaro não se desculpou, “mas disse ser ‘impossível controlar a ação das
pessoas em uma multidão’ e que não entendia como alguém podia atribuir a ele,
Bolsonaro, a autorização para agressões contra quem quer que fosse”.
O presidente também indagou sobre a agressão sofrida pelo
repórter fotográfico Dida Sampaio,
do Estadão. O grupo então dirigiu-se a uma sala contígua ao gabinete do
presidente, onde havia um bufê e os dois continuaram a conversa, “que não durou
mais do que 20 minutos”, contou Brito. Bolsonaro teria passado a atacar a
imprensa com falas como “querem me sacanear o tempo todo, deturpam o que digo, mídia
lixo, lixo, canalhas”. Os outros participantes tentavam introduzir outros
assuntos ao verem que o presidente começava a se exaltar.
Antes de deixar o Palácio do Planalto, o repórter sugeriu a
Bolsonaro que fosse ao Comitê de Imprensa para falar com os jornalistas
credenciados pelos jornais, em vez de dar “entrevistas tumultuadas sob a
mangueira do Palácio Alvorada”. O presidente disse que iria rever sua presença
naquelas entrevistas.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Embaixada dos Estados Unidos no Brasil promovem na próxima terça-feira (12/5), das 10h às 18h, o seminário Liberdade de imprensa durante a pandemia, com convidados nacionais e internacionais. O evento virtual, que discutirá os desafios enfrentamos pelos profissionais de imprensa na cobertura do novo coronavírus, será dividido em três painéis temáticos.
O primeiro será Segurança dos profissionais da imprensa
em meio à pandemia de Covid-19, com mediação de Daniel Bramatti,
conselheiro da Abraji, e participação de Judith Matloff, especialista em
segurança de jornalistas e professora da Universidade de Columbia (EUA); e Angelina
Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes de proteção aos
jornalistas.
O segundo painel contará com a presença de Teresa
Frontado, editora executiva da KUT 90.5 (Texas, EUA); Sérgio Dávila,
diretor de Redação da Folha de S.Paulo; Ricardo Gandour,
diretor-executivo de Jornalismo da CBN; e Maria Fernanda Delmas, editora
executiva dos jornais O Globo, Extra e da revista Época, que discutirão O futuro
dos meios de comunicação após a pandemia. A mediação será de Guilherme
Amado, vice-presidente da Abraji.
O último painel, mediado por Marcelo Träsel,
presidente da Abraji, abordará O combate à desinformação durante a pandemia,
com participação de Cailin O’Connor, autora de A era da desinformação
(Yale University Press, 2019); Cristina Tardáguila, diretora adjunta da
Rede Internacional de Checagem de Notícias; e Sergio Lüdtke, editor do
projeto Comprova.
O evento, gratuito, terá tradução simultânea. Inscreva-se!
A pandemia de Covid-19 foi citada injustificadamente como motivo para negativa de atendimento a pelo menos 24 pedidos de informação feitos ao Executivo federal de 27/3 a 27/4 – depois, portanto, de o STF suspender liminarmente trechos da MP 928/2020, que possibilitava a interrupção do prazo para respostas via Lei de Acesso a Informação (LAI) por causa do estado de emergência decretado no País. Em 30/4, o plenário do STF confirmou a liminar e derrubou o texto da MP.
O levantamento foi feito pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, coalizão de 22 organizações da sociedade civil e pesquisadores que monitora a implementação da LAI. Foram consideradas respostas contendo os termos “covid” e/ou “coronavírus” fornecidas no período, localizados via busca no banco de pedidos e respostas da Controladoria-Geral da União (CGU).
Em 37% dessas respostas, o Ministério da Saúde negou acesso a alguns dados e informações sobre a pandemia sob a alegação de que os materiais precisam “ser salvaguardados” por sua importância estratégica. Descumprindo a LAI, não apontou se as informações estão classificadas em algum grau de sigilo nem quem teria sido responsável por classificar o documento. Uma das solicitações buscava o procedimento adotado pelo poder público para decretar o estado de emergência. (Veja+)
Tive muitos ídolos na vida, nenhum do tamanho do Aldir Blanc. Aldir era grande porque era muitos: o ídolo, o inacreditável letrista, o Garrincha da MPB que nos fazia rir, chorar e chorar de rir com suas crônicas musicadas por João Bosco.
Aldir era a alma do subúrbio, o olhar único sobre a vida na Zona Norte,
o Proust de Vila Isabel.
Aldir era o homem que abandonou a medicina pra se dedicar à poesia da
vida, fosse lida, cantada, falada, escrita, conversada, versada e improvisada.
Aldir era o parceiro de bebida de todo bêbado, embora não bebesse há
muitos anos. Nunca fui a um botequim com ele, mas jamais deixei de brindar os
melhores sentimentos de um fã quando chega à segunda casa de um ídolo. Entrar
num botequim, na minha cabeça de adolescente, era sair de uma música ou crônica
de Aldir para a vida real.
O Aldir, aliás, quando nasceu foi surpreendido por um anjo meio torto
português que lhe disse “Bai Vlanc, ser Basco na Bida”. Era um
vascaíno intransigente e ranheta. Sabia tudo do time.
Aldir era de uma geração que ganhou o nome de MAU, Movimento Artístico
Universitário, uma galera que se reunia em torno da música na rua Jaceguai, na
Tijuca, todos os sábados, na casa da família Portocarrero; jovens cheios de
sonhos e sambas, muitos deles cantados por gente como Elis já naquela época.
Eram “nativos” daquele lugar, entre outros, Gonzaguinha e Ivan Lins.
Quando o conheci pessoalmente, levado à casa dele, na esquina da Muda
com a Usina, por João Máximo, para
entrevistá-lo para o JB, em meados dos anos 1980, não tive pudor em revelar
minha admiração.
– Tinha o sonho de conhecer pessoalmente duas pessoas: você e o
Samarone.
– Tu tá me sacaneando…
Essa resposta, lembrada por ele desde então quando nos encontrávamos ou
quando um portador levava um abraço meu pra ele e vice-versa, me faz pensar até
hoje.
Nunca soube e nem teria a coragem de perguntar se ele se sentiu
sacaneado por ser vascaíno, por ser comparado a um jogador de clube, ídolo, mas
muito distante da constelação do futebol brasileiro ou sei lá por que outro
motivo. Me pego rindo sempre que lembro dessa nossa primeira troca de palavras,
cara a cara. Já o havia entrevistado por telefone algumas vezes, mas estar
diante da figura do Aldir era um presente da vida.
Quando o conheci já havia lido todos os seus livros de crônicas, cada
uma mais engraçada do que a outra, editados pela Codecri, da turma do Pasquim,
onde desfilavam personagens reais: o tio Waldir Iapetec, o avô Aguiar, de longe
a grande figura da vida de Aldir, o pai Ceceu Rico e outras figuras
absolutamente humanas, movidas pela sem-vergonhice em seu sentido mais amplo:
não se ter a vergonha de ser o que se é. Sua obra tinha muito da sem-vergonhice
da vida, a emoção verdadeira, os sentimentos mais surpreendentes que o homem
pode expressar.
Sou grato por ter Aldir como ídolo, inspiração, por ler suas histórias,
algumas contadas por ele mesmo, ouvir suas músicas, por ter conhecido sua casa,
a mulher, as filhas e vivido alguns momentos com ele que guardo com todo o
cuidado no cantinho do afeto.
Vivi com o meu colega e amigo Cláudio Henrique uma noite inacreditável
em torno do Aldir. Início dos anos 1990, o samba andava em baixa e os
compositores se reuniam na casa do Moacir Luz, no primeiro andar do prédio onde
morava o Aldir. Como as gravadoras não queriam saber de samba, eles passavam a
noite mostrando uns para os outros o que estavam compondo. Naquela noite, que
virou reportagem da revista de Domingo do JB, estavam Betinho, Paulo César
Pinheiro, Fátima Guedes, o Magro do MPB-4, Sílvio da Silva Filho, Aldir, Mary,
Guinga e uma das filhas, Dudu Falcão e mais gente. O violão passava de mão em
mão e isso durou até de manhã. Betinho disse pra mim e para o Claudio:
“Essas reuniões aqui são os melhores momentos musicais da minha vida”.
Foi lá, numa dessas reuniões, que nasceu Saudades da
Guanabara, escrita a seis mãos por Aldir,
Paulo César Pinheiro e Moacir Luz. Eu era editor do Caderno Cidade do JB. Aldir
me ligou e contou:
– Nêgo, fiz uma música que é um passeio pela nossa saudade do Rio e um
lamento à desesperança desses tempos de degradação e violência. Vou te mandar
pra ouvir e acho que pode render uma matéria.
O Rio era uma de nossas paixões em comum. Ouvi a fita cassete e chorei e
ainda choro diante do refrão “Brasil, tira as flechas do peito do meu
padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar”.
Aldir, na caricatura de Lan, estampa a capa da revista Domingo, do JB, ao fazer 50 anos, em setembro de 1996
Na mesma época convidei-o a escrever uma coluna no JB. Ele recebia um desenho do Lan, o grande caricaturista, e fazia o texto. Eram geniais. Aldir e o Lan se adoravam. Aldir brincava: “Sou letrista de caricatura”!
Que pena Aldir ter partido assim. Não merecia sofrer no final, nem
nunca. Foi-se um olhar único da vida, personagem de si mesmo. Imagino a dor de
tanta gente, tantos eram o Aldir. Ele era ligado demais à família, tinha um
amor incontrolável pela mulher, um ciúme de maluco das filhas e um tremendo
orgulho da terceira geração, da neta que deve estar fazendo residência médica.
Era preocupado com os parentes, com os amigos. Quando soube que eu estava com
hepatite lá pelos idos de 1980, ligava toda semana pra saber a quantas estavam
minhas transaminases e bilirrubinas. E dizia: fica tranquilo que daqui a um ano
a gente vai tomar uma cerveja”.
Aldir amava, sobretudo os livros. Um dia, Moacir Luz me contou de uma
viagem que fizeram para a casa de campo de um amigo num feriado. Aldir já
estava recluso, quase não saía do quarto. Todos ficaram muito felizes em ele
topar passar uns dias fora. E lá foram. Aldir levou três malas e todo mundo
estranhou. Chegou na casa do amigo na Serra, entrou no quarto e desfez a curiosidade.
Eram malas de livros. Se trancou, ficou lendo e só saiu do quarto na hora de ir
embora. Moacir Luz comentou:
– Como lia, aquele filho da puta!
Aldir era o olhar desconcertantemente lúcido da tragédia da vida no sentido grego da palavra. Não saberia hierarquizar os grandes de todos os tempos, mas no meu time ele joga com a 10. Sem sacanagem.
Bruno Thys
Quem estreia neste espaço é Bruno Thys, que foi editor no Jornal do Brasil, um dos fundadores e diretor de Redação do jornal Extra, editor executivo da Infoglobo e diretor-geral do Sistema Globo de Rádio. Dirige hoje sua editora Máquina de Livros.