Paulo Rodrigues Torres nasceu em Cerqueira Cesar, em 23/3/1965. Morreu aos 56 anos em Bauru, aonde viveu a maior parte da sua trajetória profissional.

Paulo Torres em entrevista com Osires Silva-1992/Arquivo Pessoal
Paulo Torres em entrevista com Osires Silva-1992/Arquivo Pessoal

Jornalista formado pela Unesp, iniciou carreira no Diário de Bauru como repórter, em 1988, indo logo em seguida para o Jornal da Cidade como editor regional. Em 1990 retornou ao Diário de Bauru como editor-chefe, numa temporada que marcou o jornalismo impresso bauruense, quando fez dupla com Marcio ABC, que era subeditor.

Quando o Diário de Bauru encerrou atividades, em 1999, foi convidado a assumir como diretor de Redação do Diário da Região, em São José do Rio Preto, onde permaneceu de até 2003.

Após a passagem por S. J. Rio Preto, em 2004 assumiu o comando do jornal O Estado do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Lá permaneceu por alguns anos, até retornar a Bauru onde passou a atuar de forma independente até 2020.

Dono de um estilo único de escrever e comandar a equipe, conquistava admiradores por onde passava e influenciava a política local dos municípios onde atuou, pelo carisma e independência com que impunha a linha editorial.

Paulo Torres em entrevista com José Dirceu-1993/Arquivo Pessoal
Paulo Torres em entrevista com José Dirceu-1993/Arquivo Pessoal

Entrevistou e escreveu sobre a maioria dos políticos de destaque nacional: de Paulo Maluf, a Orestes Quércia, Mário Covas, Luís Inácio Lula da Silva (na época apenas um metalúrgico em ascensão), Zé Dirceu, FHC e Geraldo Alckmin. Era respeitado e considerado brilhante pela lucidez e discernimento em suas colocações e visão jornalística. Adorava um furo e estimulou o surgimento de vários talentos. Nomes como Fábio Turci, repórter da TV Globo, e Alberto Bombig (Estadão), entre outros, começaram como focas sob seu comando na direção do Diário de Bauru antes de alçar voo para a capital.

Nos últimos anos estava afastado de todos os antigos contatos. Na última sexta-feira (20/8), foi encontrado por familiares morto em seu apartamento no centro de Bauru. A causa da morte foi infarto.

Foi sepultado no cemitério Jardim do Ipê, em Bauru. Deixou três filhos: Paulo André Torres (40 anos), Mariana de Lima Torres (28 anos), Rodrigo de Lima Torres (23 anos) e uma neta, Marina Torres (2 anos). Foi casado com Ellen Lima, jornalista em Rio Preto, com quem viveu por 15 anos até se mudar para Campo Grande. Era o caçula de Aparecida Torres (90 anos) e tinha quatro irmãos (todos vivos). 

Sobre ele escreveu o amigo Marcio ABC:

Marcio ABC
Marcio ABC

Ulisses

Um dos romances mais fodas de todos os tempos, Ulisses, de James Joyce, é inspirado na Odisseia, obra imortal de Homero. É a narrativa de um dia de um cara em Dublin (Irlanda). E que dia! E que cara! E que Dublin!

Hoje à tarde eu estava relendo o livro quando do nada, como quase sempre acontece nessas horas, estava lá no zap: “Pessoal, meu tio Paulo morreu. Foi encontrado morto no seu apartamento hoje na hora do almoço”. O fotógrafo Cristiano Zanardi mandou o petardo. O petardo caiu devagar, às 16h44. Depois, feito um mecanismo cruel – uma anestesia que te pega aos poucos, uma dorzinha de cabeça que vai te derrubar, uma cólica de rim que começa com um incômodo nas bolas −, foi me afundando, afundando, afundando.

Agora, nove e tanto da noite, depois de entornar umas cervejas, vou aos poucos tirando a cabeça fora da água. Primeiro para tentar um vago consolo expressando-me aqui com a vaga ideia de um vago grito no escuro. Depois processar que “meu tio Paulo” é o Paulo Torres. O Paulo Torres morreu. Morreu o Paulo Torres. Morreu, morreu. O Paulo Torres. Preciso repetir. O Paulo Torres morreu. O imenso Paulo Torres morreu. Um desses sujeitos que nascem, eclodem, fazem a vida de gato e sapato, depois vão embora sem dar maiores satisfações. São tão imprevisíveis!

Trabalhei com ele durante seis anos redondamente falando. Numa sala de três metros por quatro talvez. Mas que sala! Que imensidão! O Diário de Bauru, depois de um breve tempo lá em cima na Antonio Alves, foi para a Bandeirantes, lá embaixo, perto da histórica estação ferroviária, ao lado daqueles bares decadentes atraentes em que as salsichas, de tão velhas, chegavam a parir naqueles vidrões temperados. Hoteizinbos fodidos, sarjetas sujas onde baratas passeavam de bolsinha a tiracolo, e nos bueiros ratos do tamanho de pitbulls fumavam bitucas antes de dormir de dia para sair à noite. Era assim.

Viramos muitas noites ali, dentro do jornal, na rua, nos bares. Nossa sala era adrenalina pura. Éramos loucos. Ele mais do que eu. O dono do jornal, mais ainda. Todos os dias precisávamos aprontar alguma. Denunciar, investigar, fazer jornalismo! Eu me dava tão bem com ele. E ele comigo. Uma vez, no nosso auge, estávamos cada um em sua mesa, cada um digitando em seu computador (aqueles grandões). Eu me viro para perguntar ao Paulo Torres:

Paulo Torres/Arquivo Pessoal
Paulo Torres/Arquivo Pessoal

− Paulinho…

E antes que eu fizesse a pergunta, ele me deu a resposta. Éramos tão ligados que chegamos a isto! Quem quiser que acredite. Quem não quiser, a puta que pariu está por aí, em meio às baratas de tiracolo, aos ratos fumando nos bueiros. Qual era o assunto? Qual seria a pergunta? Qual foi a resposta? Não sei mais. É uma daquelas circunstâncias em que a cena, o fato, o ato precipita-se sobre o conteúdo. Foi tão forte que ficou apenas a lembrança do improvável, do inexplicável, do metafísico.

Foi meu parceiro mais próximo, maior cúmplice, a melhor das minhas metades profissionais. No nosso cubículo de ousadias, nos bares mastigando conquistas e ruminando reveses, na sala do patrão juntos para o que desse e viesse, aquele dia na moto em que o carro nos perseguiu (politicamente?) e quase nos jogou do viaduto da Duque sobre a Nações, nossas escapadas aos bingos, nossos vícios, quando ele se acidentou e no quarto do hospital o médico pediu para que eu o despisse, em seus maus dias, nos meus, nas suas deprês, nas minhas, quando dissemos ao chefe que se houvesse demissões seríamos os primeiros, quando você errava e eu assumia o erro, quando eu errava e você assumia o erro, quando você dizia “nisso você é melhor que eu”, quando eu dizia “faz isso porque você faz melhor que eu”. Aquele dia em que o jornal fechou e fomos cada um para um lado chorando.

Não te vejo faz sete ou oito anos, sei lá. A vida junta e separa. A vida é tão bela e triste!

Onde você? Onde eu? Onde todos?

Onde você? Você, meu Ulisses! Você que agora, depois de tanto remar, chega ao seu destino final. Imagino daqui seu barco aportando numa praia de areia branca, o sol reluzindo em sua cabeçona, você com as mãos na cintura girando sobre os pés, o sorriso no rosto, e seu “hã-hã” exclamativo rasgando seu novo mundo.

Atrás de você, o mar. Que um dia a gente também vai atravessar pra te ver.

 

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