Por Moacyr Castro
Ele chegou espantado à redação do Estadão: “Coisa de louco! Vi um bando de moleques tocando berimbau, sanfona, bumbo, cuíca, ali na Barão de Itapetininga. Parecia a banda de ‘píncaros’ de Caruaru! Perfeição!”. Mug, não seria a banda de “pífanos” de Caruaru? “Sei lá… Mas sei que quando eles começaram a tocar, o relógio do Mosteiro de São Bento batia 13 badaladas”. Tá bom. Isso já dá uma boa matéria, mas só quando o relógio bater 12 badaladas de novo…
Sala de embarque do aeroporto de Congonhas: Mug e o fotógrafo Benedito Salgado, prontos para voar até Assunção, na primeira viagem internacional deles. Salgado caprichava na limpeza das máquinas, lentes etc. Tudo para declarar que o equipamento era do jornal e não contrabando. Mug, dentro de seu paletó de tweed, falava com todo mundo. Calou-se quando a atendente do balcão da LAP pediu sua carteira de identidade. “Vixe! Acho que ficou em casa! Mas não importa, eu sei o número do meu RG de cor…”. Foi buscar em casa, na divisa de São Paulo com Osasco, no táxi mais veloz do que o jamais visto. Sorte, trânsito livre, sábado modorrento de feriado prolongado…
“Tá doendo tudo até agora, ‘chefe’”, disse, quando chegou ao jornal mancando e de rastos, amparado no ombro do filho Maurinho (figuraça!). “Louco! Você é louco de pedra! Não tem juízo!”, esbravejei. Toda a parafernália comprada para fazer a matéria estava em frangalhos. Eu só sugeri que planejasse uma ‘ida’ ao pé da Serra do Mar, seguindo os trilhos da velha Sorocabana. E ele gemia: “Chefe, contei um por um os 33 túneis; onde não tinha corrimão eu me segurava nos trilhos e o Maurinho atrás, segurando eu…”.
“General? Aqui é Mug, periodista do Estadão, de São Paulo, ‘Brassil’. Óia, aqui tão dizendo que o señor caió. És verdá? Non!? Entonces, o señor tá firme no cargo? Estimo, muchas grazias!”. E assim, o carniceiro Pinochet, mal empossado, desmentiu a primeira fake news da imprensa contra seu tenebroso mandato… (Naquele tempo, Mug ainda era rádio-escuta, da equipe do falecido Amadeu Nadeo, Mirandinha, Roberto… )
Logo de manhã cedinho, o radialista Hélio Ribeiro, então diretor artístico da Rádio Bandeirantes, pediu ao Mug que descontasse um cheque para ele, quando fosse até a cidade. Meio da tarde, nem cheque nem Mug. Quando o ‘gordinho’ chegou, esquivou-se das broncas e explicou: “Por que o senhor não me disse logo que seu nome é Zé Magnoli e não Hélio Ribeiro?”.
“Moacyr!!! Quem o Mug estava esmurrando nessa foto do ‘Bacalhau’, hoje cedo?”. O então editor-chefe e ex-ministro Miguel Jorge tremia com os contatos nas mãos. Mug já tinha saído. Mandei um carro até a casa dele, lá na mesma divisa São Paulo-Osasco. E chega o gordinho: “É um feirante ladrão, Miguel. Ele me disse que não ia falar com O Estadão, ‘jornal de rico’, e passou a xingar nóis de fresco. Aí eu mostrei pra ele quem é fresco”. Mas quem disse para você que o feirante é ladrão?, Miguel quis saber. “Foi o fiscal…”.
Na lotada e agitadíssima sala de espera do pronto-socorro do Hospital das Clínicas, armamos uma blitz para provar ao governador Salim Maluf que aquilo era a antessala do inferno. Mug entra amparando um velhinho, com os olhos do coitado nas mãos. Na triagem, o atendente teve a coragem de dizer que “aquilo” não era caso de emergência. Não fosse o fotógrafo Rolando de Freitas, o atendente teria o mesmo destino do feirante ladrão.
Na mesma antessala, mas à tarde, o mesmo atendente encaminhou o Mug para uma consulta com o ginecologista de plantão. A prova deve estar no bolso do paletó do Maluf até hoje.
Um pouco antes do almoço, Miguel Jorge chegou perto de mim e mandou: “Chame o Mug, a Celina (Vidigal Monteiro de Barros) e o Benedito Salgado. Em seguida, disse-me bem baixinho: “Eles ganharam o Prêmio Esso de Informação Científica, com a reportagem sobre a péssima qualidade do leite vendido em São Paulo. Mas é você quem deve dar a notícia para eles (ética do Miguelão, sabe como é?).
Recebida a denúncia, Mug vai a uma das unidades da Febem, onde, diziam, os meninos eram forçados a pintar faixas para a campanha eleitoral de candidatos a prefeito, vereador… Os de sempre. Foi escorraçado a mando de um candidato que estava ali para levar seu material. No dia seguinte, o jornal estampou: “A estranha história das faixas na Febem”. Ou algo parecido.
Jornal quase fechado, entra na redação um tal de Vanderlei, dizendo-se ex-funcionário da Eletronorte. Sentou-se junto à mesa do chefe de Reportagem e despejou: “Nenhum jornal quer publicar minha história. Então, amanhã cedo, vou a uma agência do Bradesco na Avenida Paulista, e ameaço todo mundo com uma bomba! É o jeito de chamar a atenção sobre meu caso”. O chefe de Reportagem pediu que ele não contasse nada a ninguém e voltasse ao jornal bem cedo. Dito e feito. Quando o Mug chegou, foi apresentado ao assaltante; e o grande fotógrafo Reginaldo Manente completou a equipe. Maluf, governador, com o Estadão atravessado em sua garganta, foi aconselhado pelo delegado Romeu Tuma a deixar o caso com a Polícia Federal, que na época cuidava dos assaltos a banco.
Por toda a imprensa, o Mug foi tratado como meliante. Era um tal de “O repórter Mauro Carvalho da Silva, o Mug, pra cá; o repórter Mauro Carvalho da Silva, o Mug, pra lá”. Só faltaram dizer que Mug era “alcunha” e não seu apelido, dada a imensa semelhança com o autêntico boneco trazido ao Brasil por Wilson Simonal e apresentado num dos musicais da TV Record.
Com um repórter como o Mug em sua equipe, o Estadão tinha de ser, mesmo, “o segundo jornal do mundo”, como foi considerado pela Unesco em pesquisa que sondava a opinião dos leitores, assinantes, anunciantes. Unanimidade. A redação, verificaram, era a melhor para se trabalhar, considerando o respeito ao jornalismo, aos jornalistas e à cordialidade entre seus repórteres e os leitores. Era impossível não gostar do Mug.
Recebemos de Moacyr Castro, colaborador bissexto deste espaço e que por muitos anos chefiou a Reportagem do Estadão, uma bela coletânea de episódios protagonizados pelo repórter Mauro Mug, também conhecido como Mauro Carvalho da Silva, cujo falecimento noticiamos em J&Cia 1.334. Moacyr trabalhou em O Estado até 1991, quando se mudou para Ribeirão Preto, e diz que nunca mais viu um repórter como Mug.
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