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sexta-feira, abril 19, 2024

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Memórias da Redação – A morte misteriosa de Castelo Branco

A história desta semana é uma reprodução autorizada de um trecho do livro Eu vi, que Helle Alves lançou na última semana em São Paulo. A morte misteriosa de Castelo Branco Na tarde de 1° de abril de 1964, ao chegar ao jornal vi meus colegas alvoroçados, amontoados numa mesa com o rádio ligado. Eram notícias da Revolução de 64, só anunciada dia 1° de abril, mas com os fatos apontando a véspera, 31/3, dia por que ficou conhecida. O Brasil ingressava numa fase escura, que iria durar 21 anos. E apenas 19 anos depois da abertura de 1945. O primeiro presidente da República nomeado pelo Congresso Nacional, já “limpo” de seus representantes “nocivos”, foi Humberto de Alencar Castelo Branco, um cearense nascido em Fortaleza, no dia 20/9/1887. Homem duro, austero e de fisionomia trancada, foi muitas vezes a atos públicos em São Paulo e outras cidades. Todos diziam que ele era competente e honesto e não sei de nada que conteste essa opinião geral. Apenas uma vez ele me marcou como uma pessoa insensível. Foi em Campinas, na inauguração de um conjunto habitacional que o governo entregou aos operários e o fato não tem nada a ver com as palavras dos discursos, iguais a todas. Foi depois, quando ele já esperava o carro oficial, numa esquina. Havia escolas na rua, de duas delas vieram correndo até ele bandos de crianças, gritando a plenos pulmões: “presidente, presidente”. Acompanhei bem: ele não deu atenção, sequer viu ou ouviu as crianças que chegaram a encostar nele. O presidente simplesmente entrou no carro e partiu, inatingível. Quero contar como foi a minha cobertura sobre a misteriosa morte de Castelo Branco e do acidente aéreo que o matou, em Fortaleza, no dia 18 de julho de 1967, apenas quatro meses depois de ele passar a faixa ao marechal Costa e Silva, segundo presidente da Ditadura Militar. Cheguei na redação às 12h de um dia muito frio de inverno e recebi ordens de fazer o necrológio do ex-presidente, falecido havia poucas horas em Fortaleza, de desastre aéreo. Nem comecei a pesquisa e fui chamada às pressas com a ordem de estar no aeroporto de Congonhas para pegar um voo para Fortaleza às 13 horas. Também recebemos ordens, eu e meu fotógrafo, de pegar na TV Associada de Iá um vídeo gravado contendo a reportagem que eles fizeram no local do acidente. Lá fomos nós, eu vestida como um urso: uma saia e um grosso pulôver de Iã em cima do corpo, sem blusa por baixo, o que não era meu costume, botas longas e meias de Iã. Eis como fui parar no Ceará. Lá, diretamente para o velório do ex-presidente, trabalhei o dia todo. O VT do acidente aéreo foi trazido a São Paulo pelo governador Abreu Sodré, meu velho conhecido desde seus tempos de deputado estadual, e que estava presente ao velório. Nosso governador regressou a São Paulo em avião oficial no mesmo dia e nós ficamos em Fortaleza para cobrir o funeral e levantar os detalhes do acidente. Fizemos a cobertura do velório, com a presença de muitos governadores e ministros e no dia seguinte continuamos depois de comprar roupas de verão (que alívio!). Em nosso trabalho levantamos      sérias suspeitas de que o acidente aéreo que matou Castelo Branco tinha sido tramado. Assistindo ao enterro do piloto do avião acidentado, encontramos a família muito revoltada. Ouvi da esposa, de familiares, amigos e colegas presentes a seguinte história: o ex-presidente havia regressado há pouco do exterior e fora visitar sua amiga, Raquel de Queiroz, em Quixadá, de trem. Mas o trem em que Castelo viajava havia sofrido um atentado. Por isso, ele não quis voltar de trem e pediu ao governador que mandasse o jato buscá-lo. O ex-presidente estava sendo perseguido pela ala chamada “linha dura” do presidente Costa e Silva, a quem não havia apoiado e foi voto vencido na cúpula militar. A família do piloto morto tinha a certeza de que o acidente não foi casual, mas provocado. Contaram-me como as coisas aconteceram e eu anotei com todos os nomes e os depoimentos entre aspas. Pediram-me inclusive que procurasse no hospital o copiloto, que sobreviveu ao acidente e estava internado. Procurei-o e ele me confirmou toda a história: o avião já estava entrando no campo de pouso do aeroporto de Fortaleza quando encontrou um treinamento da Aeronáutica constituído de cinco jatinhos voando em formato de estrela. Nesse tipo de voo, só o avião-madrinha controla o trajeto; os outros quatro jatinhos voam de olho na asa do madrinha. Naquele dia especificamente, o jatinho lateral que colidiu com o avião sinistrado era pilotado por um cadete filho de militar do grupo de Castelo (a ala chamada da Sorbonne), enquanto o piloto do avião madrinha pertencia à “linha dura”, ala de Costa e Silva. Com o acidente e morte do ex-presidente, quem iria responder pela colisão seria o cadete do jatinho lateral, cuja inocência seria facilmente comprovada e a colisão considerada acidente, e o complô ficaria impune. Além disso, aquele espaço aéreo era especifico da aviação comercial. Ninguém sabia explicar porque naquele dia estava sendo usado para manobras militares. Com esta explicação, colocando todos os respectivos nomes e entre aspas todas as conclusões, ilações e deduções, mandei a matéria para o meu jornal, em São Paulo. Por sorte, meus chefes barraram a publicação dessa reportagem. Caso contrário, eu teria sido presa e mandada para Fernando de Noronha, onde o colega Helio Fernandes, do jornal carioca Diário de Notícias, já estava cumprindo pena por artigo sobre o ex­presidente. Hoje escrevo o caso como me foi contado na época, mas sem dar nomes aos personagens.

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