Jornalistas&Cia e ESPM realizaram nessa segunda-feira (28/4) o segundo encontro do ciclo O presente e o futuro do jornalismo – Insights, cujo tema foi No rastro da COP30: O Jornalismo, o meio ambiente e as catástrofes ambientais – A dura missão de lutar contra o negacionismo e o poder econômico. O evento, no auditório da ESPM Tech, em São Paulo, reuniu jornalistas, estudantes e acadêmicos interessados em jornalismo ambiental e sua importância para o trabalho da imprensa.
A mesa foi composta inteiramente por mulheres, referências na cobertura de pautas climáticas e do meio ambiente: Daniela Chiaretti, do Valor Econômico, Kátia Brasil, da Agência Amazônia Real, e Verónica Goyzueta, correspondente de veículos internacionais no Brasil e professora da ESPM. A moderação foi da professora Maria Elisabete Antonioli, coordenadora do Curso de Jornalismo da ESPM.
“Elas foram escolhidas não por serem mulheres, mas de fato pela relevância e representatividade no tema”, explicou Eduardo Ribeiro, diretor deste J&Cia, na abertura. “É preciso analisar o presente, que dá os caminhos para esse futuro, e nem sempre com muitas alegrias. A mesa debaterá o papel do jornalismo na crise climática, como podemos contribuir para informar e sensibilizar a sociedade frente a esta crise, como combater inverdades e como cobrir catástrofes climáticas de forma consciente e ética”.
Ao longo do debate, foram abordados diversos temas essenciais para o jornalismo ambiental, como a COP 30 (incluindo a preparação para a cobertura do evento, a cobertura em si e o que ocorrerá pós-encontro); a cobertura de catástrofes climáticas; e a importância de não considerar o jornalismo ambiental como uma editoria isolada e separada dos outros assuntos dentro da redação.

Kátia Brasil destacou a importância de relatar o que de fato está acontecendo, valorizando o compromisso do jornalista com a verdade. No começo do evento, ela exibiu um vídeo sobre as consequências de queimadas e secas na Amazônia em 2023.
“Nós, da Amazônia Real, íamos entrevistar ribeirinhos que estavam sem água potável devido à seca. Antes disso, durante a madrugada, eu acordei às 3h da manhã, e havia fumaça por todos os lados. Não dava para enxergar nada. Então, aproveitando que já tínhamos essa cobertura, decidi gravar esse vídeo para mostrar o impacto da fumaça e das queimadas”, explicou Kátia. “Quando o jornalista está contando essas histórias, ele não está sendo ativista, ele está contando a verdade. Pois somos também cidadãos, é preciso contar o que está acontecendo, seguindo nosso compromisso com a democracia. Isso é só um exemplo do que acontece na Amazônia hoje. Daqui a pouco todo mundo esquece tudo isso, mas os sintomas permanecem por muitos e muitos anos, por isso é importante registrar e relatar o que de fato está acontecendo”.
A cofundadora da Amazônia Real também falou sobre a segurança dos jornalistas durante coberturas ambientais e a importância de denunciar ameaças e ataques: “Muitos empresários e grandes empresas acabam processando jornalistas e veículos que cobrem a Amazônia e a crise climática, pois não gostam do que é divulgado. A imprensa tradicional sofre também, mas eles têm departamento jurídico para cuidar do caso, diferentemente da maioria dos veículos de jornalismo independente. É importante relatar ameaças aos jornalistas. A maior parte da imprensa só divulga quando são jornalistas da casa, mas é importante que a mídia dê visibilidade a toda e qualquer ameaça e ataque a jornalistas, ao jornalismo. O Brasil é um dos países que mais ameaça e ataca jornalistas no mundo”, refletiu Kátia.
Verónica Goyzueta falou sobre a importância de apoiar os veículos jornalísticos, principalmente a mídia independente, que faz reportagens de fôlego muitas vezes sem qualquer apoio jurídico ou plano de segurança para seus repórteres: “O jornalismo investigativo, feito em campo, precisa de dinheiro. A imprensa independente, principalmente, está precisando recorrer a instituições para conseguir aportes financeiros, mas se as pessoas doassem mais, esses veículos não teriam tantas dificuldades. O dinheiro também ajuda a pensar em planos de segurança, para garantir a integridade física de nossos repórteres, pois eles cobrem temas delicados, que mexem em assuntos que denunciam corrupção, desmatamento, exploração, e com grandes empresas, com ricos, com poderosos”.
A professora da ESPM também refletiu sobre a forma equivocada como as pessoas (e até a própria imprensa) enxergam o jornalismo ambiental, como se fosse algo focado apenas na Amazônia, catástrofes e cobertura de grandes encontros: “Jornalismo ambiental é muito mais do que isso. É sobre vida, sobre natureza, sobre ciência. A cobertura do clima não pode ser isolada de outros assuntos, pois é algo transversal, que percorre todas as editorias, de saúde, política, economia, entre outros. E isso é fundamental que as direções das redações tenham em mente. Às vezes sinto que muitos veículos colocam notícias sobre meio ambiente só para ter mesmo, cumprir tabela, como uma simples burocracia e não uma necessidade. É preciso mudar a mentalidade da grande mídia”.

Verónica falou também sobre a cobertura de catástrofes. Ela chamou a atenção para uma espécie de “profundidade seletiva”, na qual a imprensa foca e dá mais atenção a determinadas catástrofes, em detrimento de outras: “As enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo. É uma catástrofe avassaladora e foi fundamental ter a cobertura que teve. Mas inúmeras catástrofes também acontecem a todo momento, todo o ano, em diversos lugares do País. Temos problemas muito sérios que ocorrem em todo o Brasil frequentemente. Na grande imprensa, tenho a impressão de que certas crises são mais importantes que outras. Todas essas catástrofes, crises, devem ter a mesma profundidade de cobertura”.
Daniela Chiaretti destacou o compromisso do jornalista que cobre pautas ambientais: mostrar o que de fato está acontecendo, com profundidade, fontes confiáveis e ética, mas, acima de tudo, mostrar para o público as soluções, as alternativas para os problemas relatados.
“O jornalismo deve mostrar os caminhos para a mudança. Outras catástrofes virão, isso é inevitável. Então, como podemos combater esse sentimento pessimista de que tudo vai acabar, o mundo vai acabar?”, questionou ela. “É preciso enfrentar os problemas. Simplesmente tem que mudar. A rota em que estamos é uma rota de desastre. Quando ouvimos cientistas e pesquisadores renomados dizendo que estão apavorados é porque a situação está feia mesmo. Estamos frente a um desafio civilizatório. E não vamos fazer nada? Precisamos mudar. É preciso discutir como quebrar, descobrir outras maneiras, quais são as outras maneiras. Existem muitas respostas por aí. Então, acho que o papel do jornalista, em especial o que cobre meio ambiente, é seguir tentando encontrar soluções e mostrar essas soluções para o público, mostrar que há esperança”.
Daniela afirmou que uma das formas de se conseguir isso é ficarmos atentos à COP30 e seus desdobramentos, focando em temas discutidos no evento que devem ocupar o debate público por muitos e muitos anos: “Será muito importante se o jornalismo conseguir pegar um tema da COP que gerará anos de discussão, algo essencial para nossas vidas e gerações futuras. Um desses temas pode ser o petróleo, por exemplo, e outras alternativas de combustível aqui no Brasil. Nós, como jornalistas, precisamos trazer esses temas para os leitores, principalmente para aqueles que não querem ler mais, pois só leem catástrofes”.
A repórter do Valor Econômico destacou também a importância de maior transversalidade do jornalismo ambiental nas redações e como é preciso que o repórter climático esteja sempre atualizado no que se refere a termos e conceitos científicos que usará em seus textos.
“Nós, jornalistas que cobrimos clima, estamos sempre aprendendo, com cientistas, pesquisadores, referências na área. Precisamos nos atualizar com termos científicos, assuntos, pesquisas, sempre para buscar a verdade nas informações”, explicou Daniela. “Afinal de contas, clima é algo que entra em todas as esferas da nossa vida. No esporte, vemos atletas que perdem performance devido a altas temperaturas, isso afeta Copas do mundo, grandes eventos etc. Na educação, esses temas entram na grade curricular com muita força. Na tecnologia, discute-se a energia solar para abastecer maquinários, e assim por diante.
Próximo encontro debaterá fake news e desinformação
Está marcado para 26 de maio (uma segunda-feira) o terceiro encontro do ciclo O presente e o futuro do jornalismo – Insights, cujo tema será O Jornalismo sob o impacto da desinformação – Qual o tamanho dessa batalha e os riscos para a democracia?. Farão parte da mesa Eurípedes Alcântara, diretor de Redação do Estadão; Ana Dubeux, diretora de Redação do Correio Braziliense; e Marília Assef, diretora de Jornalismo da TV Cultura. As inscrições serão abertas na próxima semana.