Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Em dezembro de 2022, o ChatGPT tinha apenas dois meses de vida e o deslumbramento ainda não dava muito espaço para preocupações a respeito do impacto sobre o ecossistema de informação, compreendendo não apenas imprensa, mas também plataformas de vídeo, redes sociais, serviços de mensagem e todas as formas possíveis de transmitir notícias ou conteúdo.

Mas vários dos especialistas escalados anualmente pelo Nieman Lab (site da Fundação Nieman para o Jornalismo em Harvard) para compartilhar sua visão sobre o futuro da imprensa já estavam de olho nos riscos e oportunidades da IA − do uso para compensar a falta de recursos que assola o jornalismo local até as fake news.

O que veio depois todos sabem. Medos diversos endossados até por gente da tecnologia como Elon Musk, deepfakes ainda mais convincentes, redações importantes flagradas usando a IA de forma questionável e o mais importante: o entendimento de que ela se tornou uma tecnologia ao alcance de quase qualquer pessoa, não apenas de hackers ou de profissionais.

Na lista do Nieman Lab deste ano vários articulistas fazem previsões que envolvem a IA, mais do que na edição passada. Um deles é David Cohn, cofundador da plataforma de relacionamento Subtext.

Em 2022 ele tinha feito uma graça que na época era original mas depois se tornou comum: pediu uma ajuda à inteligência artificial.

Usando vários serviços de IA generativa, Cohn criou um texto e um vídeo descrevendo a visão de que a IA é uma habilidade especializada e alguns − mas nem todos − jornalistas saberiam aproveitá-la para melhorar o ecossistema de notícias.

Para quem despreza os chatbots por informarem o óbvio, a “previsão” confirma a tese de que não se pode esperar pensamento original de um sistema criado para processar o que pessoas disseram antes.

David Cohn

O palpite pode não ter sido original, mas foi acertado diante de situações como a da Sports Illustrated, que viu seu CEO e vários executivos demitidos em dezembro de 2023 após a revelação de que conteúdos gerados por IA feitos por autores inventados foram publicados sem sinalização. Nem todos estão sabendo usar, alertou a própria IA ano passado.

Este ano, Cohn foi para o outro extremo, fazendo para a edição 2024 do Nieman Lab nada menos do que 99 previsões para o jornalismo que não envolvem a inteligência artificial.

Erradas ou certas, elas são ousadas porque parecem ignorar uma realidade: a de que a IA circula nas veias da produção de conteúdo, queiramos ou não, saibamos ou não, tenhamos medo ou não, odiemos ou não. É difícil imaginar 99 previsões sem que pelo menos algumas a levem em conta.

Como lidar com a IA, na visão da NewsGuard

Mais realistas, outros convidados exploraram com lidar com o inevitável. Uma das visões mais interessantes é a de Matt Skibinski, diretor do NewsGuard, iniciativa dos EUA dedicada a monitorar desinformação.

O título não deixa dúvidas sobre o risco futuro: ”A IA democratizará a desinformação”.

Ele cita uma mensagem de voz que criou em minutos por um aplicativo de “representação de voz de celebridades” simulando o presidente dos EUA, Joe Biden, avisando a moradores de uma localidade que o local de votação tinha mudado, e indicando uma cidade longe dali.

Matt Skibinski

“Foi tão fácil que qualquer um poderia fazer”, escreveu Skibinski. Mas ele não é catastrofista, e aponta rumos em vez de só lamentar.

O primeiro é as empresas de IA salvaguardarem seus produtos contra a utilização indevida, usando as ferramentas de que dispõem. O segundo é as plataformas digitais serem mais vigilantes na identificação dos sites de notícias gerados por IA não confiáveis e capacitarem os leitores a separarem o falso do verdadeiro.

O terceiro é a eliminação do que ele classifica como incentivo financeiro das empresas à desinformação, “financiada em parte por 2,6 bilhões de dólares em receitas de publicidade programática todos os anos”.

O diretor da NewsGuard finaliza recomendando “aos que estão no negócio de credibilidade” − os editores de notícias − explorarem a IA como aliada e não inimiga na luta contra a desinformação.

Não são bem uma projeção, parecendo mais uma lista de desejos − que todos torcemos para que sejam atendidos.


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