Ricardo Noblat, titular do Blog do Noblat, e o filho, Guga Noblat

Ricardo Noblat (*) − Você não tinha nada melhor a fazer do que ser jornalista?

Guga Noblat (**) − Estava à toa em casa, vendo meu pai arrumar confusão com meio mundo da política por causa dos textos dele nos jornais, e pensei: “Ah, já que não tenho competência para ser jogador de futebol, então vou de plano B, vou de jornalismo”.

Ricardo − Não jogue a culpa em mim…

Guga − Claro que não, culpa tem a minha mãe, que casou com alguém capaz de dizer a ela que ia levar o filho ao parque de diversões, mas na verdade levava para a redação do Jornal do Brasil, onde a única coisa que tinha para fazer era brincar com a máquina de escrever.

Ricardo − Não vai dizer que foi por isso que você virou jornalista?

Guga − Por isso, mas não apenas. Queria uma profissão que me permitisse ser quem eu sou: um sujeito curioso, desbocado, crítico e sem saco para seguir fazendo mestrado e doutorado, a fim de cair em campo assim que me formasse. Claro, tenho uma profunda admiração pela maneira como você e minha mãe se dedicaram ao jornalismo.

Ricardo − Mas o que foi mesmo que te encantou no jornalismo?

Guga − Jornalista acha que é Deus ou acha que é o Super Homem. Como o jornalismo me permite expor e às vezes até peitar políticos e politicagens que podem transformar a sociedade, creio que foi isso que mais me empolgou e me empolga a seguir nessa profissão.

Ricardo − Mas o jornalismo não serve só para isso. Por que essa fixação em peitar políticos e politicagens, por mais condenáveis que possam ser?

Guga − Você perguntou o que me encantou no jornalismo. E não para que serve o jornalismo. Claro que tem muito mais coisa que me atrai nessa profissão. Poder trafegar entre temas tão distintos como artes marciais e política, por exemplo, é muito empolgante. Arrumar fontes em festas, restaurantes ou no meio da rua, ter que me valer do meu lado mais sociável, ter senso crítico para apurar o que deve ser a verdade, tudo isso é um grande desafio que me fascina. Mas, talvez por ter passado a vida numa grande tensão provocada pelo fato de você ser jornalista político, creio que isso me deixou com certa fixação por peitar políticos.

Ricardo − O que você não gosta no jornalismo que faz ou que vê por aí?

Guga − O que me incomoda, hoje, no jornalismo, me irrita, é ver jornalista oportunista, que aproveita o momento político para se comportar como um influenciador que só diz aquilo que um lado quer ouvir. E o lado que domina as redes hoje é a extrema-direita. Então, vemos até jornalista que tinha prestígio e credibilidade rasgar sua história para ganhar likes e relevância, vindos desses grupos.

Ricardo − Não me diga que você não se preocupa em ganhar likes?

Guga − É ótimo ganhar likes. O problema é ganhar likes de malucos. Esses jornalistas jamais terão a imagem que tiveram um dia. Passarão o resto da vida sendo aplaudidos por malucos. E para ser aplaudido por malucos tem que fazer maluquice, tem que negar a lógica, a razão e a ciência, ou seja, tem que ser tudo, menos jornalista.

Ricardo − Velho como está ficando, você conheceu o jornalismo feito por minha geração e conhece agora o que é feito pela sua. Quais as diferenças mais importantes? No que o jornalismo melhorou ou piorou?

Guga − O jornalismo tinha uma formação dentro das redações que se perdeu. O foca antes passava pelas mãos de gente experiente e preparada. Hoje, o jornalista sai da universidade e já é jogado em posições que demandariam mais experiência. E, por terem internet e ferramentas que facilitam a produção da notícia, acabam fazendo o serviço que antes era dividido com uma equipe, o que também pode afetar a qualidade do trabalho. Há também uma cobrança da internet por notícias imediatas e por uma quantidade de notícias por vezes desnecessária no impresso. Isso diminui a qualidade da apuração e faz com que muito jornalista passe o dia ao telefone no lugar de sair em campo atrás de notícia. Só que é mais barato fazer assim.

Ricardo − Então o jornalismo perdeu qualidade?

Guga − Não sei se é justo comparar quem ainda está trabalhando com quem já trabalhou, os novos com os antigos. O tempo dirá, mas de um lado temos ferramentas que facilitam a busca pelo conhecimento e pela informação, e isso ajuda na apuração dos fatos. Do outro lado, jornalistas com uma formação prática inferior e uma cobrança por um imediatismo que prejudica a investigação. A impressão que tenho é que, na média, os antigos eram melhores, mas veremos.

Ricardo − Você tem mais gosto por escrever ou por falar?

Guga − Achava que só teria gosto por escrever, não pensava em aparecer na frente das câmeras ou dos microfones das rádios. De um tempo para cá passei a gostar muito de falar. São dois desafios que eu curto. Gosto de falar, mas escrever, ver um texto bem feito, é mais satisfatório, porém menos divertido; o caminho é mais longo e menos gente acaba tendo acesso.

Ricardo − O jornalismo impresso está com seus dias contados?

Guga − Torço para que não, mas alguém imagina um futuro próximo em que pessoas ainda dependam de papel para ler notícia?  Não é prático, não é ecológico e as novas gerações já trocaram o impresso pelo eletrônico. É só uma questão de tempo. Restará a marca da mídia que antes vigorava no impresso sendo ainda relevante no online.

Ricardo − Quem ganhará a batalha final? A verdade que buscamos ou as fake news?

Guga − Em uma democracia, pelo menos no fim, a verdade sempre vence. Há um momento em que a mentira não resiste aos fatos e à liberdade de se questionar. Mas essa liberdade depende do sistema. Na democracia, ela é mais plena.


(*) Ricardo Noblat, 72 anos de idade, 55 de jornalismo, os últimos 18 à frente do Blog do Noblat.

(**) Gustavo Noblat, um dos seus três filhos, 40 anos de idade e 18 de jornalismo. Guga começou como repórter do blog do pai. Cobriu a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha. Foi apresentador do programa A Liga, da Band; produtor e repórter do CQC; repórter de um programa de artes marciais da SporTV; é comentarista político do Pânico, programa da Jovem Pan. Seu canal no Twitter tem 185 mil seguidores. É pai de Heloisa, 7 anos, e de Eva, 5. É casado com Lygia.

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