Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Enquanto a COP27 no Egito terminava com acordo criticado e condenação do greenwashing, a Copa do Mundo do Catar iniciava com acusações de sportswashing disputando atenção com o futebol. E vitimando algumas celebridades, como o ex-ícone gay e atual ícone do sportwashing David Beckham.

O ex-jogador de futebol virou a ‘Geni’ do universo dos que ganham dinheiro para promover a Copa da Fifa e as maravilhas do país repressor, fazendo vista grossa a denúncias como maus tratos a operários que construíram os estádios e despertando a ira da comunidade gay.

Os dois eventos sofrem do mesmo mal: acontecem em países criticados por violações dos direitos humanos e intolerância com pessoas LGBTQIA+.

Mas as críticas não estão dando em nada para as nações. No máximo, alguma publicidade negativa na mídia internacional.

No Egito, o ativista Alaa Abdel Fatah endureceu a greve de fome e poderia morrer durante a cúpula, se o governo não o tivesse alimentado à força.

Os líderes que disseram “ter levantado o tema” nas conversas com o presidente Sisi durante a COP27 se foram. O site das Nações Unidas exibe um duro manifesto contra a prisão. Mas Abdel Fattah segue preso, assim como os outros opositores ao regime.

Na Copa do Mundo, a tendência é de que o Catar também não sofra consequências, exceto pequenas tristezas, como a ausência (por enquanto) do príncipe William. Presidente da Football Association e frequentador de estádios, o herdeiro da coroa não foi a Doha, mas se a seleção inglesa chegar à final, pode ser que a decisão seja revista.

O temido boicote de torcedores ou de espectadores igualmente não aconteceu.

No Reino Unido, alguns pubs deixaram de transmitir os jogos, em protesto contra o país que proibiu bebidas alcóolicas nos estádios às vésperas da abertura.

Mas a quem isso de fato importa, a não ser aos frequentadores do pub, que terão que ver os jogos em casa e não na animação de seu bar preferido?

A relação de torcedores com clubes ou seleções não é racional. Um estudo publicado em maio no Journal of Sports Marketing and Sponsorship, de autoria das pesquisadoras Sungkyung Kim e Argyro Elisavet Manoli, da britânica Loughborough University, demonstrou que, para os torcedores, a forte conexão com um time ou seleção leva a evitar críticas.

Elas afirmam que atos socialmente responsáveis − ou a falta deles − não são capazes de impactar a paixão; simplesmente não fazem efeito.

Já para indivíduos como David Beckham é outra coisa. No dia da estreia da seleção inglesa na Copa do Mundo, o jogador − que vem sendo massacrado nas redes pelo contrato de £150 milhões − ficou no centro das atenções depois de uma bravata do comediante Joe Lycett.

Ele prometeu triturar £10 milhões se até a abertura do torneio Beckham não cancelasse o contrato. Se o fizesse, o dinheiro iria para instituições de caridade, No meio do dia, TVs e redes sociais veicularam com alguma reserva as imagens da suposta queima do dinheiro.

Mais tarde, Lycett admitiu que o que saiu da máquina não foi dinheiro triturado, e que ele não seria irresponsável queimando recursos que poderiam ajudar outras pessoas.

Isso não reduziu o impacto sobre Beckham, que na morte da rainha Elizabeth tinha sido aclamado por ficar 13 horas na fila, supostamente anônimo, para se despedir da monarca que o tinha condecorado. Rumores eram de que ele teria feito isso de olho em um futuro título de Cavaleiro da Ordem Britânica.

David Beckham

As condecorações reais são alvo de controvérsia, pois alguns nomes são fortemente questionados. No caso de Beckham, a assessoria do Palácio de Buckingham, se tiver juízo, vai aconselhar o rei a não tornar o atleta um ‘Sir’ por causa das recriminações pela aliança com o Catar.

Na véspera da abertura da Copa, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, chocou ao fazer um discurso inflamado chamando de hipócritas as nações que criticavam o Catar.

O cantor pop Robbie Williams, contratado para se apresentar no Catar, fez o mesmo, dizendo que se não tocasse em países que não respeitam direitos humanos não poderia cantar nem na própria cozinha.

Há os que sugerem que eventos globais ajudam a mudar os países. Um argumento frágil depois da proibição de álcool nos estádios dias antes da abertura da Copa. Ou da volta atrás da seleção inglesa, que prometeu usar braçadeiras com o arco-íris e desistiu.

A tese também é questionável diante da situação dos prisioneiros do Egito, que não mudou com a COP27.

Mesmo que isso fosse verdade, ainda assim empresas e celebridades que se aproximam da fogueira correm risco de se queimar. Clubes e seleções, pela paixão que despertam, parecem estar mais protegidos, como apontou o estudo das pesquisadoras.

Já marcas e pessoas podem se arrepender do dinheiro ou da visibilidade advinda de contratos que à primeira vista parecem grande negócio.


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