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sexta-feira, março 29, 2024

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Brasileiras lançam documentário patrocinado pela Al Jazeera

O sonho de uma nova vida transformado em pesadelo. A expectativa de encontrar um país receptivo confrontada com a realidade de miséria, preconceito racial e violência. Open arms, closed doors, documentário das brasileiras Fernanda Polacow e Juliana Borges, conta a história de Badharó, um angolano radicado no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Ele, como muitos africanos, viveu o sonho e a decepção de cruzar o oceano em busca de um distante paraíso chamado Brasil. Origem, status social e – paradoxal, mas não surpreendentemente – cor se tornaram barreiras quase intransponíveis para que este e outros jovens encontrassem por aqui o que tanto buscavam: oportunidade. Para Badharó, a adversidade, no entanto, transformou-se em ferramenta. Pelas letras de rap que compõe, deságua todo seu inconformismo imigrante. Hoje, o angolano é figura respeitada por toda a comunidade. Na visão de Fernanda, a crise em que há anos vive Portugal faz do Brasil um destino natural para os africanos, especialmente os que têm o português como língua materna. Além disso, o suposto bom convívio de nossa sociedade multirracial e o crescimento econômico são atrativos incomparáveis. O documentário produzido pelas diretoras paulistas faz parte da série Viewfinder Latin America, que conta com outras cinco produções. A Al Jazeera, em parceria com a DocMontevideo, selecionou seis projetos de documentaristas locais – sendo dois brasileiros (o outro é Rio’s Red Card, de Susanna Lira e Luciana Freitas) –, que foram acompanhados durante o ano passado em todas as fases de produção. Formada em Comunicação Social pela ESPM e em Ciências Sociais pela USP, o primeiro contato direto de Fernanda com o continente africano foi durante a cobertura para uma ONG de um evento social no Quênia, durante sua temporada de quatro anos em Londres. Para Juliana, jornalista formada pela USP, o interesse veio ainda na faculdade, na produção de seu trabalho de conclusão de curso (em 2005) sobre a guerra civil angolana. De lá pra cá, vieram outros projetos e a criação – junto a outros colaboradores – do coletivo tás a ver?, que promove o intercâmbio cultural entre Brasil e países africanos, e produz conteúdo sobre África. “Estamos totalmente abertos para conversas, parcerias, troca de experiências. Além disso, trabalhamos por projetos. E novas pessoas e ideias sempre são bem-vindas para dar início a um projeto novo, que comece do zero e que esteja dentro da proposta do tás a ver?”, diz Juliana. Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, elas contam mais sobre a oportunidade de produzir um documentário com a chancela da Al Jazeera, os detalhes da produção, a paixão pelo continente africano, o coletivo tás a ver? e a escolha pela profissão. Portal dos Jornalistas – Como souberam da iniciativa da Al Jazeera? Fernanda Polacow – Soubemos do projeto da Al Jazeera pelo DocMontevideo e por contatos de amigos da área. Nós achamos o concurso perfeito para esse projeto que tínhamos na mão, mas nunca imaginamos que iríamos ganhar, tendo em vista que eram centenas, de toda a América Latina. Portal dos Jornalistas – O tema foi proposto pela Al Jazeera ou já era um projeto de vocês que se encaixou no apoio deles? Fernanda – Já era um projeto nosso. Eu e a Juliana já estávamos pesquisando o tema das imigrações africanas para o Brasil, era um tema que nos interessava fazia muito tempo. Isso porque, com a ascensão do Brasil como potência e o declínio da Europa, o fluxo de imigração para cá aumentou muito e os africanos de língua portuguesa começaram a trocar Portugal pelo Brasil, imaginando uma boa vida num país aberto e multirracial. Mas quando chegam aqui, encontram uma realidade dura e muito diferente dos cartões postais.   Portal dos Jornalistas – Como conheceram a história do Badharó? Fernanda – Nós estivemos no Rio de Janeiro filmando um outro documentário [Triângulo, uma coprodução Angola-Portugal para a RTP2 sobre as novas relações entre Rio de Janeiro, Luanda e Lisboa] durante o primeiro semestre de 2012 e entrevistamos muitos angolanos. Acabamos por conhecer bem a realidade deles, desde os estudantes que moram em bons bairros até os moradores do Complexo da Maré, o local com a maior concentração de imigrantes angolanos do Rio. Daí para entrar em contato com o Badharó foi um pulo. Juliana Borges – Fizemos algumas visitas ao Complexo da Maré e fomos conhecendo angolanos. Um apresenta outro, que apresenta outro… e assim chegamos ao Badharó.  Portal dos Jornalistas – O que mais chamou atenção na história dele que as fizeram escolhê-lo como personagem de um documentário específico? Fernanda – É o fato do Badharó usar sua arte para tratar de temas sociais tão complexos. Ele não é o melhor rapper do mundo, longe disso, mas sim um artista do submundo que luta para que as coisas mudem e que revela uma realidade que os brasileiros desconhecem, um país racista e de certa forma fechado aos imigrantes que chegam aqui em situação difícil. Portal dos Jornalistas – O que pensam sobre esse paradoxo brasileiro: de ser um país de maioria negra/parda, altamente miscigenado e, ao mesmo tempo, racista? Fernanda – Nosso País é muito complexo e é muito difícil explicá-lo para quem não vive aqui. A questão racial é ainda mais complexa porque o brasileiro não aceita que ela existe, uma vez que somos um país miscigenado. Mas a realidade é que existe preconceito, sim, basta perguntar para os negros/pardos. Perguntar para um branco não vale, porque ele vai intelectualizar a coisa, dizer que se trata de preconceito de classe, e não de cor etc.. Mas a verdade é que temos uma sociedade racista e que faz a manutenção deste racismo da pior forma que existe: negando-o. Portal dos Jornalistas – Vocês tiveram dificuldades para filmar na Maré? Alguma restrição de facções ou algo do tipo? Fernanda – O Complexo da Maré ainda não está pacificado, portanto é um ambiente complicado. Trata-se de um complexo formado por muitas favelas diferentes, com um número enorme de moradores em uma área muito extensa. Mas nós não tivemos problemas, pedimos autorização e fomos muito bem tratados. É certo que também não cruzamos nenhum limite e que nos mantivemos dentro das áreas em que dissemos que estaríamos. O Badharó é bastante respeitado na comunidade e isso ajudou muito. Mas o fundamental foi termos trabalhado com o Cadu [Barcellos], nosso produtor local e um dos diretores do filme Cinco vezes Favela. Sendo da área do cinema e conhecendo as regras da comunidade e todo mundo por ali, ele fez com que as filmagens fossem um sucesso. Portal dos Jornalistas – Como surgiu o interesse pela África? Fernanda – Tanto eu como a Juliana temos uma relação antiga com o continente. A Juliana morou em Angola e trabalhou na implantação do primeiro jornal de Economia de lá [o Jornal de Economia e Finanças]. Com isso, ela se tornou grande conhecedora do país e uma eterna apaixonada pelo povo. Eu já estive em vários países cobrindo temas sociais, como em Senegal, Quênia e África do Sul, mas é com Moçambique que tenho uma ligação maior. Além de já ter estado lá muitas vezes, acabo de fazer 5mil km de carro pelo país todo pesquisando para um filme de ficção de se passa lá durante a 1ª Guerra Mundial. Portal dos Jornalistas – Quais são as principais características que aproximam ou que afastam Brasil e África? Fernanda – Brasil e África estão unidos pelo passado, e isso é bom e ruim. Bom porque carregamos em nós um pouco deles, está no sangue, não tem jeito. Ruim porque acabamos por ficar apenas com o passado, com a mística de um continente exótico e distante. Nós, brasileiros, não fomos atrás de entender realmente essa África e dissecar esse enorme continente nos mais de 50 países completamente distintos que o formam. Não olhamos para a África com um olhar do presente ou do futuro. Mas a África pulsa e fervilha de coisas estimulantes, criativas e supercontemporâneas. Existe um enorme potencial para trocarmos muito mais.   Portal dos Jornalistas – Como funciona o trabalho do coletivo tás a ver? Juliana – O tás a ver? existe desde 2010 e atualmente é formado por cinco integrantes fixos, com experiências de trabalho nas áreas de comunicação e mobilização social, e alguns colaboradores que contribuíram para o amadurecimento da ideia e participam de momentos pontuais. Todos nós, sem exceção, vivemos ou já passamos longas temporadas em países africanos. Lá, vivenciamos experiências marcantes e inspiradoras. E conhecemos um continente que vai muito além dos lugares-comuns geralmente associados à África. Conhecemos um continente empreendedor, urbano, produtor de música, de cultura e de inovação. A África é muito mais do que esses antigos clichês e pede um novo olhar do Brasil. Nossa missão é estreitar os diálogos, fomentar o intercâmbio cultural, apresentar para os brasileiros aspectos da cultura africana contemporânea e aumentar o fluxo de ideias entre os dois lados do Altântico. Entre os projetos assinados pelo coletivo estão documentários, exposição de fotos e um longa metragem. Atualmente estamos iniciando a captação de recursos de um novo projeto, um portal sobre cultura africana contemporânea, também chamado tás a ver?. O site terá conteúdos sobre música, cinema e vídeo, literatura, artes visuais, destinos e comportamento, sempre com forte apelo visual. Com ele, pretendemos não apenas transformar o jeito de olhar para o continente africano e articular as iniciativas brasileiras de intercâmbio que vêm surgindo com o continente, mas também aguçar a curiosidade, inspirar e surpreender o leitor. “Tás a ver?” é uma expressão muito usada nos países lusófonos (e também em Portugal) que significa “está vendo?”, “está entendendo?”. Achamos que ela simboliza bem uma das premissas do coletivo, que é mostrar aos brasileiros um continente inteiro – que está bem na nossa frente –, mas nós nem sempre vemos ou vemos sempre com os mesmos olhos. Portal dos Jornalistas – O que as motivou a escolher a Comunicação como profissão? Fernanda – Para mim foi uma escolha de adolescente, numa fase confusa em que temos que escolher algo. Depois fui para Ciências Sociais e acabei por misturar as duas profissões. Acho que carrego comigo estes dois olhares no meu trabalho como pesquisadora e documentarista. Juliana – Para mim aconteceu como a Fernanda, essa escolha adolescente que você nem sabe por quê. Fui estudar Jornalismo e acabei gostando da coisa. Trabalhei por alguns anos em redação, principalmente na Abril, mas quando voltei do meu ano em Angola, em 2009 [a convite de Antônio Alberto Prado, que comandou a equipe de brasileiros na elaboração do Jornal de Economia e Finanças], decidi ir por outros caminhos. Decidi trabalhar apenas como frila e testar outros tipos de mídia. Me engajei no tás a ver? e comecei a desenvolver alguns projetos de documentário.  Portal dos Jornalistas – E o audiovisual? Quais consideram ser as principais vantagens desse tipo de mídia? Fernanda – Eu acho que o audiovisual pede um enorme senso crítico no sentido de que, na tela, o filme tem que contar tudo sem revelar absolutamente tudo. Há um timing que permite o filme evoluir e fluir. Ou não. Quando é um trabalho que tem que se adaptar a um formato específico – como no caso de uma televisão como a Al Jazeera, com uma linha editorial bastante rigorosa –, muitas vezes temos que abrir mão de algumas coisas que queremos fazer e aceitar que o filme já pertence a mais gente. Esse esforço de contar uma história, mas adequá-la a um formato, é um grande exercício de desapego! Mas saber que ela vai ser vista por milhares de pessoas em mais de 120 países é um grande privilégio. Juliana – É bem diferente escrever uma reportagem e dirigir um documentário. Escrever é encadear ideias, e um documentário não precisa apenas das ideias, precisa das imagens, precisa também contar uma história sem as palavras. E para um jornalista que veio de um meio escrito é um grande aprendizado.    Para assistir O documentário Open Arms, Closed Doors estreia no próximo dia 18/2. No Brasil, o acesso ao filme será exclusivamente online, pelo www.aljazeera.com/programmes/viewfinder. Direção e roteiro: Fernanda Polacow e Juliana Borges Produção: Plataforma Filmes Coprodução: Fagulha Filmes Fotografia: Pablo Hoffmann Montagem: Eliza Capai e Lara Lopes Técnico de som direto: Evandro Lima Duração: 26’ Ano: 2012

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