Por Assis Ângelo

“A intolerância é cega e a cegueira é um elemento do erro. O conselho e a moderação podem corrigir e encaminhar as inteligências, mas a intolerância nada produz que tenha as condições de fecundo e duradouro.” (texto extraído da matéria intitulada Ideal do Crítico, de Machado de Assis, publicada em 8 de outubro de 1865 no Diário do Rio de Janeiro).

Pois é, o nosso Machado estava na casa dos 20 anos quando escreveu com sobriedade, profundidade e clareza texto que orientava decididamente o caminho dos futuros profissionais da crítica literária. O bambambã da época, José Veríssimo (1857-1916), babou na gola da camisa e virou amigo de infância do jovem escritor que o futuro coroaria como mestre das palavras ditas e escritas em todos os gêneros, da poesia ao teatro, cá no Brasil.

Em 5 de abril de 1858, o moçoilo Machado topou desafio de Francisco de Paula Brito (1809-1861). O desafio se transformaria num debate envolvendo a figura do cego. Quem o enfrentou foi um certo Jq. Ambos subiram e desceram polemicamente sem baixar de nível no desenvolvimento do mote proposto por Brito, este: “Qual dos dois cegos mais sente o penoso estado seu: o que cegou por desgraça, o que cego já nasceu?”.

Lá pras tantas, diz Machado:

“A resignação e a capacidade de adaptação são fatores que influenciam a forma como cada cego lida com a cegueira”.

No correr da vida, Machado de Assis voltaria a abordar a cegueira nos seus textos. Num deles, escreve: “Não se deve falar de luz aos cegos”. Está no livro intitulado Contos Fluminenses, de 1870.

Machado de Assis

Em 1884, o autor de Iaiá Garcia (1878) publicou no jornal Gazeta de Notícias o conto Ex Cathedra. Nesse conto, o personagem central, Fulgêncio, lê como ninguém. É um viciado na leitura. Lê de manhã, de tarde e de noite. Faz isso antes e depois de tomar o café da manhã, antes e depois do almoço e toda hora mais ou menos que lhe dá na veneta. É um ser sereno. Entre os muitos assuntos de sua predileção se acham Matemática, Geografia, Filosofia, Direito… O seu é  comportamento automático. Lê sentado, lê andando e até no banheiro. Se voasse, leria voando…

Fulgêncio mora com mucamas e uma sobrinha de nome Caetaninha que o chama de padrinho. Ela cuida da casa e dele.

Fulgêncio é uma figurinha de anos que já lhe fazem dobrar o corpo. Sabe de tudo ou quase tudo. É viúvo e rico, porém simples. Agora ele se vê nos caminhos do Naturalismo.

Curioso eterno, o personagem aí chega a fazer estudos sobre os olhos humanos. Depois de muita pesquisa, ele chega a uma conclusão fantástica: os olhos veem.

Enquanto isso, a menina que vive com o padrinho passa a namorar e pensa em se casar. E mais não digo, a não ser o nome do sujeitinho: Raimundo.

A cegueira de que foi vítima Joaquim Maria Machado de Assis durou três meses, tempo suficiente para deixá-lo quase doido. Foi a sua companheira, Carolina,  a pessoa que lhe segurou as pontas naqueles momentos tão difíceis. A cura, digamos assim, veio dos ares e da paz reinantes em Nova Friburgo, RJ.

Até hoje são desconhecidas as razões que vitimaram os olhos do bruxo do Cosme Velho.

O cego passeia em tudo quanto é página e tela do mundo todo. Como diriam os mais antigos: o cego está sempre em tela…

No Brasil, os cegos se movimentam como podem nos romances e poemas dos nossos pequenos e grandes autores. E autoras. Que o diga Machado.

Bom, e sabem o que eu continuo achando?

Eu acho que a cegueira não é o fim, como afirmei à revista Veja em 16/2/2018.


Contatos pelos assisangelo@uol.com.br, http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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