Por Assis Ângelo

O Papa Francisco morreu aos 88 anos após suceder a Bento XVI. Esse Bento enfrentou problemas seriíssimos nos olhos, levando-o a perder a visão do olho esquerdo.

Claro que os papas, grosso modo, são pessoas que gostam muito de ler. Francisco, ex-professor de literatura em Buenos Aires, chegou a dar entrevista dizendo que “não podemos formar sacerdotes burros, que nunca leram Dostoiévski”.

Papa Francisco

Alguns escritores que enchiam de alegria Francisco eram, além do russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), os franceses Proust e Baudelaire, o britânico T.S. Eliot e o argentino Jorge Luis Borges. Chegou até a ser amigo de Borges. Curiosidade: uma vez, o ainda Jorge Mario Bergoglio foi num carro apanhar o escritor conterrâneo num hotel onde estava hospedado para uma palestra. Demorou-se. Ao voltar, o motorista perguntou o motivo da demora. Respondeu discretamente e baixinho que estava fazendo a barba do escritor, a pedido.

Isso ocorreu em 1960, por ali. Borges já estava cego.

Curiosidade por curiosidade, mais uma: Bento XVI era fã ardoroso do escritor italiano Dante Alighieri. O detalhe é que o autor do clássico A Divina Comédia chegou a ser condenado à morte numa fogueira. A sentença foi dada pela Igreja, mas ele escapou fugindo.

Mais uma: Baudelaire, Charles Pierre Baudelaire (1821-1867), foi um moço revoltado desde sempre. Ficou órfão do pai aos 6 anos de idade. A mãe casou de novo, para seu desgosto. Deu no pé de casa logo cedo. Antes, ainda adolescente, foi expulso por mau comportamento de um colégio interno. Seu pai tinha recursos, mas ele não ligou. Passou dificuldades em Paris. Bebia, fumava e enchia a cabeça de drogas e relacionava-se sexualmente com homens e mulheres, diz a história. É dele o livro Flores do Mal, publicado em 1857. Esse livro o levou a “ajustar contas” com a Justiça.

Flores do Mal é cheio de tristeza, raiva, adultério e mais coisas outras que costumam habitar cérebros nervosos.

Ah! Sim: o Papa Francisco escreveu e publicou vários livros. Um mês antes de partir, foi lançada sua última obra, representada em Viva a Poesia.

Em 2024, Francisco levou a público uma carta ressaltando a importância da literatura na formação das pessoas. Um trecho:

“Com poucas exceções, a atenção à literatura é considerada como algo não essencial. A esse respeito, gostaria de afirmar que tal perspectiva não é boa. Ela está na origem de uma forma de grave empobrecimento intelectual e espiritual dos futuros sacerdotes, que ficam assim privados de um acesso privilegiado, precisamente através da literatura, ao coração da cultura humana e, mais especificamente, ao coração do ser humano”.

Charles Baudelaire

Baudelaire não era cego, pelo menos dos olhos. Era anarquista.  Respeitava todos, quando todos o respeitavam. Na verdade, a sua visão era alargada além do natural.

A Igreja teve pouquíssimos homens de Deus cegos e muitos e muitos com a visão ampla para tudo o que se conhece no tocante à putaria. Teve um que chegou a mandar pintar de ouro uma criança para demonstrar que o seu papado seria rico em tudo. Seu nome: Leão X. Quanto à criança, morreu.

Da linhagem “leonina”, a Igreja pôs no posto de papa Leão XIII, que em fevereiro de 1888 recebeu com toda a naturalidade possível o brasileiro de Pernambuco Joaquim Nabuco (1849-1910).

Nabuco foi ao papa pedir apoio para a causa abolicionista. O papa atendeu ao pedido publicando uma encíclica condenando a escravidão. O documento, no entanto, chegou após a Abolição assinada pela princesa Isabel.

O mesmo Leão XIII abriria depois as portas e os braços para receber, em 1898, o padre cearense Cícero Romão Batista (1844-1934). No encontro, Padim Ciço pediu para si clemência por ter tido suas atividades religiosas suspensas pela Igreja, devido a denúncia de que forjara um milagre ao levar à boca da beata Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo (1862-1914) uma hóstia que desmanchou-se em sangue.

O caso dessa beata virou tema musical do chamado rei da embolada Manezinho Araújo (1910-1993).

Crédito: Fausto Bergocce

Bom, padre Cícero morreu cego e surdo.

Parece brincadeira dizer que houve conversões entre os mandatários da Igreja.

Num ano qualquer do tempo antigo ou logo depois, um cara chamado Saulo andou correndo numa via de Damasco doido para prender seguidores do catolicismo.

Um passo ali, outro acolá, Saulo foi surpreendido por uma voz tonitruante vinda das nuvens que lhe perguntava por que estava a perseguir pessoas de quem não gostava. No caso, cristãos.

Ao ouvir o que ouviu, inexplicavelmente, logo ficou cego.

A cegueira durou três dias.

Quando voltou a ver, virou o mais dedicado cristão de que se tem notícia.

Entre maio e junho de 1883, Machado de Assis publicou na Gazeta de Notícias o conto O Caminho de Damasco.


Contatos pelos assisangelo@uol.com.br, http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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