Por Luciana Gurgel

Algumas certezas no Reino Unido têm sido desafiadas: o domínio da BBC sobre o jornalismo do país, a união do reino − ameaçada por um forte movimento separatista na Escócia − e a sobrevivência da monarquia.

Nessas questões nacionais, um personagem assumiu um protagonismo importante recentemente: o príncipe William.

Na família real britânica, nada acontece por acaso. A máquina de RP da “Firma”, como é chamada em reconhecimento ao profissionalismo com que trata seus negócios e sua imagem, tem revertido as crises mais agudas. Por isso, alguns episódios recentes parecem ser parte de uma estratégia.

William sempre foi o garoto comportado, o oposto do irmão Harry, que vivia em farras e rompeu com a família.

Casou-se com uma inglesa típica, elegante e discreta. Teve três filhos lindos. Kate venceu a guerra com a concunhada Meghan, que não conseguiu se impor dentro da engrenagem.

O filho mais velho da carismática Diana, segundo na linha de sucessão, aparece em segundo lugar em popularidade entre os membros da realeza, com 61%, enquanto a rainha tem 69%.

Não há sinais de que William assuma o trono no lugar do pai, nem que a rainha vá abdicar, o que chegou a ser cogitado depois da morte do príncipe Philip.

Ainda assim, houve uma mudança de posicionamento do príncipe. Aparições descontraídas deram lugar a uma postura mais formal e o engajamento em causas nacionais. Até o tom de voz parece ter mudado.

Um exemplo foi a visita feita à Escócia na semana passada. No tour, ao lado de Kate, fez as visitas protocolares, chutou uma bola, conversou com o povo. Mas o ponto alto foi um discurso no Parlamento, com toda a pompa.

Em uma fala costurada por assessores, alinhada à posição do governo de Boris Johnson, discorreu sobre sua ligação com a Escócia, onde soube da morte da mãe e se consolou em meio à natureza exuberante. E onde conheceu a futura mulher.

Foi um discurso de estadista, feito sob encomenda para transmitir aos arredios escoceses a ideia de que a família real se importa com a Escócia e não quer vê-la fora do Reino.

Novos sinais da estratégia de RP da família real britânica
William, na Escócia, com a primeira-ministra Nicola Sturgeon…

O risco existe. Nas eleições de abril, o partido SNP, da primeira-ministra Nicola Sturgeon, conseguiu maioria no Parlamento e quer um novo referendo para decidir sobre a independência.

Enquanto a briga segue nos gabinetes, a realeza trabalha pela união com um emissário talhado para criar empatia.

Posição firme

William foi também o eleito para verbalizar a posição da monarquia sobre o escândalo da entrevista da princesa Diana com a BBC. Um relatório feito por um ex-juiz independente confirmou que a entrevista histórica dada por ela à emissora teve a ajudinha de documentos falsificados pelo repórter, que assim conseguiu convencê-la de que estava sendo espionada por assessores.

Novos sinais da estratégia de RP da família real britânica
…e discursando sobre a BBC

Em vez de uma nota oficial concisa, a “Firma” optou por um discurso de William em frente às câmeras, em tom solene.

Ele não falou apenas como filho magoado. Expressou indignação com o acobertamento feito pela direção da BBC, defendeu a imprensa livre e disse que a rede decepcionou o país. No conteúdo e na forma, foi um discurso político.

A fala aprofundou ainda mais a crise da BBC e marcou a posição firme da monarquia, que já tinha rusgas com a emissora pública.

Tudo isso pode contribuir para reverter o terceiro e mais importante problema da realeza e do país: a continuidade depois que Elizabeth II se for.

As atitudes mudaram. O instituto YouGov divulgou semana passada uma pesquisa mostrando que 41% dos entrevistados entre 18 e 24 anos acham que o país deve ter um chefe de estado eleito e apenas 31% querem continuar com a monarquia.

Para essa turma, William é mais bem aceito como rei do que o pai, que por sua vez não parece disposto a abrir mão de sua chance.

Considerando toda a população, 37% acham que Charles deve ser o novo rei, e 34% preferem o filho. Olhando-se por faixa etária, William é o preferido dos que têm entre 18 e 49 anos.

Ninguém arrisca fazer previsões, mas não é de se desprezar o reposicionamento a que estamos assistindo de alguém que vai bem nas pesquisas.


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