Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

As histórias não são boas, mas o desfecho sim. Dois casos esta semana confirmaram que o assédio a mulheres jornalistas continua vivo até em uma nação listada em 26º lugar no ranking de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras.

A correspondente indiana Poonam Joshi encarou uma briga com a “sagrada” Câmara dos Lordes − e ganhou.

Vítima de uma campanha feroz por parte de um integrante da casa indignado com suas perguntas e reportagens, Joshi conseguiu que ele fosse considerado culpado de intimidação, bullying e assédio.

O poderoso foi obrigado a pedir desculpas e terá que fazer um curso de bom comportamento nas redes sociais − um vexame para a sua posição.

A outra vitória é de jornalistas assediadas no The Guardian.

Nesta segunda-feira (12), o Guardian Group anunciou uma revisão no processo de tratamento de denúncias de assédio em resposta a atos praticados por Nick Cohen, ex-colunista de sua edição dominical, The Observer.

Uma das vítimas foi a jornalista Lucy Siegle, que recebeu um e-mail de Katharine Viner, editora-chefe do Guardian, e da CEO Anna Bateson pedindo desculpas pela experiência vivida e pela forma como a reclamação foi tratada.

Só que o e-mail chegou com cinco anos de atraso. Em 2018, ela comunicou à chefia que Cohen havia colocado a mão em seu traseiro. Queixas semelhantes foram feitas por pelo menos sete jornalistas.

Siegle afirmou que um editor sênior defendeu Cohen e que o jornal nada fez.

Uma investigação só começou em 2021, quando a jornalista tornou o caso público pelo Twitter. E apenas em 2023 Cohen perdeu o cargo. O Guardian atribuiu sua saída a motivos de saúde e elogiou seu trabalho brilhante − mas não para as colegas.

Para piorar a situação do jornal dirigido por duas mulheres, a revisão e as desculpas não foram espontâneas e sim motivadas por uma reportagem do New York Times em 30 de maio − que respingou no Financial Times, também dirigido por uma mulher.

Segundo o NYT, a repórter do FT Madison Marriage tinha fontes dispostas a contar toda a história, incluindo o motivo da saída de Cohen.

Mas jornalistas da redação afirmaram que a editora-chefe Roula Khalaf engavetou a história sob o argumento de que não tinha o perfil do Financial Times.

Quem pegou a pauta então foi o New York Times. Lucy Siegle foi uma das entrevistadas. O NYT relatou que a fama de apalpador do colunista era tão conhecida que as jornalistas usavam uma entrada diferente para um bar a fim de evitar cruzar com o colega.

Lucy Siegle (Crédito: theguardian.com/PR)

Na segunda-feira (12/6), ela falou novamente ao jornal americano após o e-mail do Guardian, dizendo-se aliviada.

O Grupo Guardian informou que reclamações de assédio serão agora analisadas por terceiros, e não por integrantes da redação. Uma consultoria de cultura corporativa foi contratada para atuar como “ponto de contato independente” até setembro para quem desejar relatar outros casos.

Nick Cohen não respondeu às acusações, mas sugeriu que os atos foram praticados quando era alcoólatra.

Enquanto no Guardian a resposta demorou cinco anos, na Câmara dos Lordes levou poucos meses. Mas os dois casos têm algo em comum: a coragem de jornalistas sem medo de se exporem ou de mais perseguições.

Poonan Joshi abriu uma reclamação no Comitê de Ética da casa em novembro, anexando um assustador conjunto de tweets agressivos e discriminatórios.

Poonam Joshi (Crédito: https://twitter.com/PoonamJoshi__/photo)

Ela foi chamada de “pobre” e insignificante por Lord Ranger. Ele sugeriu que ela não teve boa educação, e tachou-a de “presstitute”, xingamento usado na Índia contra jornalistas por membros do partido de Narendra Modi.

Em uma conversa com o MediaTalks, Joshi encorajou outras mulheres a lutarem contra ataques e injustiças: “Venho de uma cultura onde o patriarcado está arraigado, onde as mulheres têm que trabalhar duplamente para serem ouvidas e progredirem. Não importa o status e a posição, ainda somos frequentemente vistas como ‘irrelevantes’, cujas opiniões e pontos de vista não importam e somos constantemente silenciadas. É especialmente difícil para uma jornalista, porque muitas vezes é nosso trabalho responsabilizar homens poderosos. Precisamos entender nossa força interior e confiar que, enquanto estivermos defendendo o que é certo e o que é justo, não há nada a temer”.

Bom conselho.


Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments