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quarta-feira, abril 24, 2024

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Memórias da Redação ? Lourenço Diaféria

A história desta edição é novamente uma colaboração de Sandro Villar ([email protected]), correspondente do Estadão em Presidente Prudente (SP). Lourenço Diaféria          Já convivi e trabalhei com muita gente boa, mas confesso que nem todos eram como o cronista Lourenço Diaféria (28/8/1933 – 16/9/2008). Ótimo sujeito, ótimo jornalista, um dos reis da crônica. Pouco antes de ele partir deste insensato mundo, bateu saudade e liguei para sua casa no bairro do Sumaré, em São Paulo. Percebi que sua voz estava fraca, ele mal conseguia falar. “O que houve?”, perguntei. “Meu problema é insanável”, respondeu. Evidente mantive a discrição e não entrei em detalhes.          Nem precisava, pois o “insanável” explicava tudo, deixando claro que Diaféria vivia seus últimos dias. Depois da nossa conversa, fiquei mais triste que moda de viola ou, se me permitem outro exemplo comparativo, mais triste que os ministros do PSB que perderam a boquinha no governo da camarada Dilma.          Logo depois telefonei para alguns amigos, igualmente amigos do Diaféria, para avisar sobre o estado de saúde do cronista. Um deles é o jornalista e escritor Mylton Severiano da Silva, o Myltainho, então editor da revista Caros Amigos. Aliás, uma vez fui à casa do Lourenço Diaféria, para entrevistá-lo, e quem encontro lá? O Myltainho, que conversava com o anfitrião na varanda da residência. Os dois bebiam água que sabiá não bebe e só não bebi porque estava a serviço.              Percebi que a casa não era cercada. Depois, o cronista me contou que detestava cercas. “Sem cerca eu posso ver as pessoas na rua”, explicou (logo pensei no personagem do ator Kirk Douglas no faroeste Homem sem rumo, que também odiava cercas). Trabalhei com Lourenço na Rádio Excelsior, hoje CBN, na equipe comandada pelo jornalista Isidro Barioni, outro amigo fraternal do Diaféria. Ele era um dos comentaristas do jornal Ouça, ao lado do saudoso Ennio Pesce, que à época tinha uma coluna no Jornal da Tarde.          Em 1997, quando o Estadão publicou uma crônica minha, fiz questão de mostrar o texto ao Diaféria. “O que você achou?”, eu quis saber. E ele: “Está boa, mas tem muito número”. De fato, havia números para mais de metro. Não se pode poluir uma matéria, ainda mais crônica, com excesso de números. Ele estava certo. Depois da lição do mestre, sempre tomo o maior cuidado com esse detalhe, o de não colocar números a torto e a direito nas mal digitadas linhas que escrevo.          Lourenço Diaféria era um homem bom, simples, culto e amigo de todos, como comprovei em um encontro casual com ele na cidade de Peruíbe. Ele me abraçou efusivamente na rua, fez uma verdadeira festa. Certa vez ficou furioso com uma fotografia na capa de um disco da banda Titãs tirada em um cemitério. O retrato mostrava os músicos deitados em sepulturas, coisa que Diaféria achou de profundo mau gosto.          Vindo do jornal, Diaféria adaptou-se com facilidade ao rádio e “mandou bem”, comentando as notícias com desenvoltura e bom humor. Admirava Zé Bétio, elogiando o coloquialismo e a descontração do sanfoneiro em seus programas. Depois do serviço, adorava tomar conhaque com os amigos na padaria da esquina, na rua das Palmeiras, perto da sede da então Rádio Excelsior.          Não me lembro mais se o conhaque era importado ou era aquele do tipo que dá chicotadas no fígado. Lembro-me de uma crônica na qual ele citava um verso do poeta Alvarenga Peixoto: “Procura ser feliz na eternidade, porque o mundo são breves momentos”. Não tenho dúvidas de que Lourenço Diaféria está feliz na eternidade, pois enquanto esteve neste mundo sempre combateu o bom combate. Grande Diaféria! Se tivesse sido boêmio, poderia ser chamado de Noiteféria.

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